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Saíu da nossa II divisão e brilhou em Portugal

Foi o único jogador de futebol que saíu de um clube da II divisão de Moçambique – o Central – directamente para um dos grandes do futebol português, o Benfica. Decorria o ano de 1967. Objectivo: substituir Mário Coluna, já no ocaso da carreira. O desafio não foi totalmente vencido, mas Augusto Matine acabou brilhando no Vitória do Setúbal, sendo simultaneamente um dos maiores médios ofensivos da era pós-Monstro Sagrado, com 9 internacionalizações pela equipa das quinas.

Muitos anos em Portugal, sempre com o pensamento na terra que o fez nascer. “Emigrou” com 19 anos, regressou cerca de 33 anos depois, já como treinador, para um projecto de formação que fazia parte da sua vocação e paixão, interrompido por uma chamada não muito bem sucedida à Selecção principal em 2001.

UM CRAQUE QUE POUCOS CONHECEM

Nos anos 60, o futebol da capital do país era sub-dividido em três divisões: I, II e III. Mais os respectivos juniores. Haviam muitos clubes. Não se falava em profissionalismo, pelo que a prioridade dos jovens era a de garantir um emprego seguro, mesmo actuando por equipas de menor dimensão. Eram os casos da Caju, Metal Box, IMA, Central e outros.

Daí que muitas das estrelas com potencial já revelado, não aderissem aos clubes do “chilunguine”, por recearem perder o “tacho” após o abandono competitivo.

Foi o caso de Augusto da Conceição Matine. Brilhou no FC Central da II Divisão, recusando pressões e convites dos grandes clubes da então LM, pelas razões atrás descritas. Na sua equipa, era o municiador de Agostinho e Quarentinha, estrelas que também resistiram à tentação dos clubes dominantes de então, que eram Sporting, Desportivo, Ferroviário e 1.o de Maio.

Até que…

Aos 18 anos, decorria o ano de 1967, foi eleito pelo saudoso jornalista desportivo Ângelo de Oliveira, o melhor médio da capital. Algo inédito para um atleta da II Divisão. Isso alertou os “olheiros” da metrópole, que se puseram em campo.

O SL e Benfica fez-lhe uma boa proposta, pois pretendia encontrar em Moçambique, um substituto para Mário Coluna. Das intenções, passou-se à prática. Augusto Matine chegou a Lisboa, ainda jovem, impressionou no grande clube lisboeta, foi seleccionado para os Sub 19 de Portugal, mas…

Terá pesado em demasia a pressão para ser o substituto do Monstro Sagrado, depois de os encarnados da Luz, com o título de bi-campeões da Europa, terem começado a dar uma dimensão diferente, para melhor, ao futebol luso!

Matine pouco brilhou nos encarnados, mas passou para municiador-mor, no Vitória de Setúbal, uma equipa com estrelas de grande nível, como Vítor Baptista, Benje, Jacinto João e outros, que numa deslocação a Moçambique, terão proporcionado aos assistentes, dos melhores jogos de futebol até hoje realizados no Estádio da Machava.
Graças a quem? O “GPS” de onde partiam as mais reluzentes jogadas era, nem mais e nem menos, que o nosso compatriota, Augusto Matine!

UM RELACIONAMENTO IRREPETÍVEL!

Cá e lá, em Portugal, tive pessoalmente um relacionamento com Augusto Matine que me apraz partilhar.
Jogava ele, como médio ofensivo no Central e eu era quarto-defesa nos Belenenses de LM. Defrontei-o num dos seus últimos jogos ante da sua partida para Lisboa. As nossas equipas tinham uma rivalidade antiga.
O que aconteceu?

O Augusto Matine pôs-nos fora de uma possível qualificação à I divisão, com o seu futebol filigramado e a maneira como “municiava” os seus colegas da frente.

O resultado? Não vou revelar! Poupem-me essa vergonha, pois eu era na altura um adversário da estrela que, poucos dias depois, iria brilhar em Portugal.

Muitos anos depois, encontramo-nos em terras lusas. O mesmo Augusto Matine. Corpo lá, pensamento – de regressar – cá. O sentir, o viver, era de quem nunca tinha saído de Moçambique.
Um episódio:

Encontrei-me com o Augusto na Amadora, e ele disse-me:
–  Caldeira, ainda bem que vieste. Estás convidado a uma almoçarada amanhã, na minha casa. Vamos comer matapa moçambicana, feita por uma senhora especialista que veio de Maputo.
Sorri, e respondi-lhe:

–  Ó Matine. Mas eu, matapa por lá como muitas vezes. O que me tens que preparar, é aquilo que já te farta, e que é um bom bacalhau assado, ou então, um cozido à portuguesa…

Riu-se, e deu-me razão. Afinal, nem nos paladares, o Matine tinha mudado de terra!

HOMENAGEM JUSTA E OPORTUNA

Aconteceu no dia 25 de Agosto de 2016. A FMF organizou uma justa e oportuna homenagem ao “mister”. Dia grande e feliz para ele. O mesmo para todos nós, pois as homenagens devem ser feitas às pessoas ainda vivas.

Ideia-foco em relacão ao homenageado. “Futebol, minha vida”.
A reacção do mister:

– Nunca pensei que receberia tamanha honra, até porque o projecto que trazia para o país não chegou a ser implementado. Mas não interessa aqui revelar as razões que levaram a que o meu projecto não tivesse sido aplicado como devia ser. O dia é de homenagem e quero agradecer à federação, congratular o Presidente Alberto Simango Jr. por ter tomado esta iniciativa, que espero ser a primeira de muitas”.

Augusto Matine fez parte da carreira no futebol português e foi internacional “A” por Portugal, em nove ocasiões. Entre 1967 e 1983, representou sucessivamente Benfica, Vitória de Setúbal, Portimonense, Lusitano de Évora, Aves, Estrela da Amadora e Torralta.

Após pendurar as chuteiras, abraçou a carreira de dirigente e foi Selecionador moçambicano entre 2001 e 2002. Nascido a 13 de Fevereiro de 1947, faleceu aos 73 anos.

Os nossos votos é que descanse em paz.

 

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