Albertino Mabunda, era um jovem sonhador de 35 anos de idade, cuja alma carregava uma tristeza latente, uma sombra que se infiltrava na essência de cada dia. Vivia numa vila esquecida pelo tempo, longe do burburinho da cidade, na casa modesta dos seus pais. A sua esposa, Alzira Uqueio, era uma jovem de beleza singular, com um corpo como se a mão tivesse sido esculpido, cabelos crespos e longos que caiam como cascatas, olhos castanhos profundos e uma pele escura que refletia a luz do sol com orgulho. Os seus dentes, alvos como pérolas, contrastavam com a sua pele, causando admiração a quem a visse.
O jovem casal tinha três filhos: Rogéria, Teresa e Alberto, a esperança e alegria que serpenteavam na rotina silenciosa daquela vida simples. Albertino, um homem de sonhos que jaziam presos num mundo que parecia cruel e indiferente, tinha-se formado em engenharia civil numa faculdade na cidade grande. Mas o destino, impiedoso, recusou-se a sorrir-lhe: não conseguiu encontrar trabalho na sua área, obrigando-o a regressar à aldeia, ao seio da sua família, onde continuava a cultivar a terra com os seus pais, numa esperança vã de dias melhores.
Dias e mais dias passaram-se num fio de esperança que torcia o coração de Albertino. Até que, finalmente, uma oportunidade surgiu numa cidade próxima, uma vaga de padeiro numa padaria recém-inaugurada que parecia uma luz no fim do túnel. Ele voltava a casa aos finais de semana, ansiando pelo calor da sua esposa e pelo riso dos seus filhos, numa rotina que durou aproximadamente dois anos, enquanto fingia acreditar que era feliz.
Porém, no fundo, o seu coração sofria. Sentia-se prisioneiro de um sonho que nunca poderia alcançar: construir grandes obras, deixar a sua marca no mundo, sentir-se útil em algo que transcendesse o pão que amassava com as próprias mãos. E, apesar de tudo, ali mesmo, naquele acto de moldar o pão, encontrava um breve consolo, uma ansiedade que o libertava por momentos da dureza da sua alma. Era como se, ao apertar a massa, tentasse esmagar também as dores que carregava, transformando a melancolia numa esperança efémera que se desfazia ao toque do trigo sob a sua mão insegura.
Num dos finais de semana, uma sombra de ansiedade e esperança pairou no ar quando Albertino decidiu confrontar a sua mulher, numa conversa carregada de emoção. Com a voz embargada, revelou-lhe que, após conversa com um colega na padaria, tinha tomado uma decisão irrevogável: sair à procura de uma vida melhor noutra cidade, longe daquela vila esquecida pelo tempo. Ouviu dizer que lá, as possibilidades eram mais promissoras, que o sorriso de esperança poderia finalmente iluminar o seu rosto carregado de frustração. Confessou, com uma mistura de tristeza e determinação que sentia-se sufocado por aquela rotina vazia, por aquela pobreza que lhe corroía a alma, e que a única saída era perseguir a verdadeira felicidade, mesmo que ela estivesse a anos-luz.
A notícia caiu sobre Alzira como uma lâmina fria. A sua alma quase partiu ao meio, ao imaginar-se sem o seu amor, sem o seu companheiro que sempre fora o seu porto de abrigo. Sabia, no fundo do seu coração, que o mundo lá fora era cruel, violento e implacável; que o risco de nunca mais ver Albertino aumentava a cada silêncio opressivo que pairava entre eles. Com lágrimas a escorrerem-lhe pelo rosto, ela implorou com toda a força que ainda tinha que ele não fosse, que encontrassem uma maneira de ficar juntos, de lutar contra a dor e a pobreza que os esmagava. Prometeu-lhe que ela própria iria procurar trabalho na cidade onde ele trabalhava na padaria — talvez como empregada doméstica, mas que, de algum modo, poderiam encontrar uma solução.
Mas o coração de Albertino, cego pela sua vontade de escapar, não quis escutar. Uma determinação desesperada flamejava nos seus olhos. Era como se uma força invisível o empurrasse, cegando-o para todo o resto, sobretudo para o amor que ainda lhe restava naquelas palavras desesperadas de Alzira.
Na manhã seguinte, com o nascer do sol a iluminar um céu carregado de incerteza, Albertino levantou-se cedo. Ainda escutava os soluços de Alzira, que não tinha conseguido dormir naquela noite de angústia. Ela tentou convencê-lo, tocou-lhe o braço, pediu-lhe que reconsiderasse, mas tudo foi em vão. Sem olhar para trás, sem uma palavra que pudesse deter a sua marcha, Albertino pegou na sua trocha e partiu rumo ao desconhecido, deixando para trás a esperança, o amor e a queixa silenciosa de uma mulher cujo coração se despedaçava a cada passo daquele caminho de despedida.
Albertino caminhou dias a fio, enfrentando o destino e a saudade, até que, por fim, avistou uma visão que lhe roubou o fôlego: Vilária. Era como um sonho feito carne, uma cidade onde o sol parecia brilhar com uma luz mais intensa, quase mágica, como se fosse uma dádiva, para quem ali habitava. As árvores, verdes vibrantes, reluziam como se estivessem cobertas de jade, e uma brisa sedutora e suave, cheia de sussurros de esperança e promessas, envolvia-o, convidando-o a permanecer naquele paraíso mortal.
As mulheres de Vilária eram como criaturas de outra era, de uma beleza quase sobrenatural, com a pele mais clara que o albor da manhã, quase translúcida, e roupas que mal escondiam a perfeição de seus corpos, deixando entrever a suavidade das suas curvas sob tecidos finíssimos. O ar estava impregnado por aromas de comidas tentadoras, pratos que pareciam saídos de um conto de fadas — peixe dourado com especiarias raras, frutas doces como mel, e pães que derretiam na boca, com uma fartura tal que parecia uma dádiva celestial. Albertino sentiu-se como um rei, um governante de um reino de prazeres, e num coração embriagado de ilusão, decidiu que ali seria seu novo lar.
Durante meses, viveu como sultão numa terra de deleites: as mulheres, os alimentos, os prazeres sem limites. Sentia-se, mesmo que por instantes, como alguém que conquistara o topo do mundo, envolto numa névoa de felicidade fugaz. Mas, lentamente, uma sombra começou a surgir na sua alma. A emoção inicial deu lugar a uma melancolia silenciosa, a uma sensação de vazio, uma dúvida que crescia no seu interior como uma ferida que não cessa de sangrar.
Naqueles dias de luz fugaz, tentou se convencer de que tinha encontrado o que sempre procurara. Mas, à medida que o tempo avançava, a sua alma clamava por algo mais profundo, mais verdadeiro. A ilusão de Vilária começou a se desfazer, como uma miragem que desmancha ao toque da verdade. Com o coração pesado de uma tristeza que não podia explicar, Albertino tomou a decisão mais difícil: pegar em sua trocha, despedir-se das delícias efêmeras e partir rumo a um novo destino.
Um mês de caminhada o conduziu até Capitalis, uma cidade imensa, onde o ouro e a glória brilhavam de forma tão intensa que parecia uma promessa de felicidade eterna — o palco perfeito para um homem que buscava realização. Lá, tudo era maior, mais imponente, como se o próprio céu tivesse sido desenhado para acolher as ambições de quem ali chegasse. Albertino, com o coração inflado de esperança renovada, acreditou, de imediato, que ali, naquela cidade luminosa, finalmente encontraria a felicidade que lhe escapara por entre os dedos em Vilária. Cada passada, cada conquista parecia afirmar que o destino lhe sorriu, que a paz, tão desejada, poderia finalmente abraçar-lhe a alma cansada.
Depois de laboriosas semanas, conseguiu fazer o seu nome em Capitalis. As suas obras grandiosas, erguidas com dedicação e talento, tornaram-se símbolos de admiração. O nome de Albertino ressoava por toda a cidade, e todos pagavam sem hesitar para que os seus dedos pudessem moldar o destino das grandes construções. A sua fama crescia, o seu rosto tornara-se uma lenda, e por um breve momento, sentiu-se no topo do mundo, como se o sonho que sempre perseguiu estivesse finalmente ao alcance da sua mão.
Mas, mesmo rodeado de riquezas, cercado por uma cidade que reluzia como um sonho materializado, uma sombra silenciosa começava a invadir o âmago do seu ser. Uma dúvida profunda, uma saudade que lhe cortava o coração como uma lâmina gelada. Porque, apesar de todas as riquezas e do sucesso aparente, a lembrança da sua família, de Alzira, dos seus filhos — Rogéria, Teresa e Alberto — continuava a assombrá-lo com uma intensidade dolorosa. Era como uma ferida aberta, uma lembrança de um amor que nunca conseguiu abandonar por completo, mesmo que tudo o mais parecesse perfeito. E assim, por trás de cada conquista, escondia-se o eco de uma ausência que nunca deixou de viver dentro dele, alimentando uma esperança triste e uma tristeza silenciosa que nunca se dissiparia completamente.
Albertino, movido por uma vontade quase desesperada de preencher o vazio que o atormentava, decidiu abandonar tudo: a fama, a honra, o reconhecimento e o ouro que adquirira em Capitalis. Era como se uma força invisível o puxasse para um destino incerto, uma última tentativa de encontrar algo que nem mesmo ele sabia definir. Sem olhar para trás, seus olhos encheram-se de lágrimas não ditas, enquanto seus pés finalmente se desprendiam do chão, caminhando por dias rumo ao desconhecido, até chegar a Refúgios.
A cidade era diferente de tudo o que tinha conhecido. Não tinha a ostentação de Capitalis, nem a exuberância de Vilária. Era calma, quase silenciosa, com casas modestas e ruas silenciosas. Lá, a riqueza não reluzia, mas a simplicidade tinha uma beleza triste, quase evocativa de uma esperança esquecida. No entanto, havia algo naquele lugar que lhe encantou de imediato: as mulheres. Vestidas até aos pés, com mantos que escondiam suas curvas e um sorriso tímido nos lábios, elas pareciam guardar segredos antigos, recatadas, mas de uma beleza serena, quase misteriosa.
Foi nesse cenário que Albertino conheceu Faira, uma jovem de olhos bilhantes que brilhavam como duas estrelas escondidas sob uma cortina de seda, com um sorriso tímido e encantador. A sua aparência delicada, quase etérea, deixou-o completamente enfeitiçado. Apaixonou-se à primeira vista, encantado com a pureza e a doçura daquela mulher que parecia proteger segredos e sonhos. Seus pais eram ricos de uma forma diferente, criadores de gado e terras vastas, e seu pai, o homem mais influente da cidade, viu na união uma oportunidade de aliança e prestígio.
Com o tempo, Albertino casou-se com Faira, e a fama voltou a acompanhar-lhe os passos — agora como marido de uma mulher de linhagem importante. Trouxeram ao mundo um filho, a quem chamaram Gayash, uma esperança silenciosa de um amor renovado. Albertino viveu anos de uma felicidade aparente, rodeado de bens, de segurança, de uma família que parecia completa. Mas, no fundo da alma, uma inquietação persistia. Uma sensação de vazio, como uma ferida aberta, que nem mesmo as riquezas ou o amor de Faira conseguiam curar.
Numa noite silenciosa, enquanto olhos fixos no teto, Albertino refletiu sobre toda a sua jornada. Os anos de longe, as conquistas e as perdas, as ilusões e as desilusões. Percebeu, com uma clareza sublime e dolorosa, que a verdadeira felicidade não residia nos bens materiais, nem na glória conquistada. Era o amor, aquele que se entrega de alma e coração, que preenche o vazio mais profundo de cada ser. E naqueles instantes, sentiu o peso de tudo o que deixara para trás — sua esposa, seus filhos, a essência do que realmente importava — como uma ponte que se desfez ao se aproximar do infinito.
Decidiu então que era momento de regressar ao seu lar, mesmo sem certezas, mesmo com a saudade a dilacerar-lhe o peito. Sem olhar para trás, despediu-se de Faira e pegou sua trouxa, com um coração apertado, atravessando a noite escura. O caminho de volta era uma travessia de esperança e arrependimento, de um homem que finalmente compreendeu que, por mais que se busque o inalcançável, a felicidade verdadeira só se encontra onde o amor sempre residiu — na sua própria casa, no abraço da família que nunca deveria ter partido do seu coração.
Albertino voltou, não mais como um conquistador, mas como um homem que, na sua melancolia, descobriu a beleza de um amor simples, que transcende riquezas e glórias, um amor que agora sabia ser a sua maior riqueza.
Depois de dias de caminhada, numa manhã de céu cinzento e passos trêmulos, finalmente avistou a sua aldeia ao longe. Cada detalhe pequeno parecia pulsar na sua memória, como se fosse a primeira vez que os via. O coração acelerava descompassado, uma mistura de esperança e medo de tudo o que poderia encontrar.
Ao chegar à porta de casa, o silêncio era alguém que aguardava silenciosamente o seu momento, até que ouviu uma voz suave, carregada de lágrimas e esperança. Era Alzira. Ela saiu ao encontro dele, os olhos marejados, o rosto pálido de tanto esperar.
Por um instante, o mundo pareceu parar. Albertino estendeu os braços, e ela, sem hesitar, lançou-se ao seu peito, as lágrimas caindo como chuva em ambos. Seus corpos encostaram-se num abraço apertado, profundo, como se quisessem esconder no abraço toda a dor, toda a saudade acumulada ao longo de anos separados.
Nesse reencontro, nada mais importava — nem o tempo, nem as riquezas, nem as palavras. Tudo se resumiu ao sussurro da esperança que ainda havia no fundo dos seus corações. E, naquele instante, sob o céu de nuvens carregadas, Albertino e Alzira perceberam que o amor verdadeiro nunca se perde; apenas adormece, esperando o momento de despertar.
A história de Albertino revela uma profunda lição: por mais que busquemos o mundo e suas riquezas para preencher o vazio do coração, nada substitui o amor verdadeiro, aquele que construímos com quem realmente importa. Muitas vezes, só ao perder tudo, aprendemos que a felicidade genuína está nas pessoas que amamos e na paz de um lar que carregamos dentro de nós. Que cada um de nós nunca perca de vista a essência do que realmente importa na vida, pois, no final, são esses laços que dão sentido à nossa existência.