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Releituras e/ou autores/livros de cabeceira 2

“As Palavras”, 1964, de Jean Paul Sartre, é um livro autobiográfico que narra a infância do autor quando tinha a idade compreendida entre os 4 e os 10 anos. Considero, pessoalmente, esta faixa etária como sendo a do deflagrar da consciência e da descoberta do mundo por uma criança. É a fase da fusão entre o real e o imaginário, e também da confrontação entre estas duas dimensões do mundo infantil. É por essa razão que é um livro bem conseguido pela riqueza de memórias e de imaginação.

Filósofo, escritor e ensaísta, Jean Paul Sartre (Paris, 1905–1980), é um dos autores que marcou o decurso do meu processo de leituras e de formação literária. Autor de livros como “A Náusea”, “O Muro”, “A Morte Feliz”, “Entre Quatro Paredes”, “Um Crime Monstruoso”, “A Prostituta Respeitosa”, entre outros, como filósofo conseguiu difundir em grande medida o seu pensamento “existencialista” através da literatura.  

Sou, por opção, um tanto quanto agnóstico em matéria filosófica e religiosa  – esse ser-e-estar confortável na busca da verdade -, já que considero-me um eterno aprendiz. Mas foi lendo Sartre que interiorizei e assumi com alguma paixão a contradição, quer seja intrínseca quer seja aparente, entre a “responsabilidade” e a “liberdade” individuais. Mesmo assim, e nesta mesma senda, continuo avesso a quaisquer tipos de radicalismos e/ou fundamentalismos, principalmente daqueles que decorrem da conceptualização do mundo. E o pensamento Sartriano terá certamente contribuído para a compreensão um pouco mais alargada sobre a minha condição no mundo.

No campo literário, Sartre, com “As Palavras”, levou-me igualmente ao entendimento da natureza das palavras – esses seres mágicos, disfarçados em simples sons balbuciados pelo homo sapiens, seres obreiros do levante humano iniciado com a cognição, comparável somente com a revolução das mãos e da pedra lascada na modelagem corporal do Homem. Para o poeta Eugénio de Andrade,  “são como um cristal, as palavras. Algumas, um punhal, um incêndio. Secretas vêm, cheias de memória”. E no livro de Sartre elas são efetivamente aquela memória de apelar e embalar. E porque elas podem depender também da vontade de quem as trabalha, diz Sartre “Em todo caso, meu olhar labutava as palavras: era preciso experimentá-las, decidir de seu sentido”. Sartre não só apregoa liberdade à quem as trabalha como também às próprias palavras.

Dono de uma humildade própria de quem se curva perante a humanidade, Jean Paul Sartre declinou receber o prémio Nobel de literatura, a si atribuído em 1964, justificando que “nenhum escritor pode ser transformado em instituição”; seja como for e para todos efeitos ele é um dos “nobelados” em literatura, no século XX.

Tem graça que Sartre numa das suas visitas a então União Soviética prestou um bom serviço aos soviéticos, particularmente aos escritores e outros intelectuais, ao reclamar com repugna e indignação a não publicação e circulação da obra de Kafka no seio daquela sociedade. Note-se que Kafka era considerado um escritor alienado pela burguesia decadente aos olhos do então regime comunista.

Homem de esquerda, anticolonialista e simpatizante do Partido Comunista Francês, Sartre apoiou a luta da Argélia e, usando das prerrogativas de um “Para-si condenado a ser livre”, nunca hesitou em alinhar naquilo que considerava ser as grandes causas, mas sempre consubstanciadas na própria acção.

Como, aliás, todo grande pensador, Sartre tinha inimigos também, alguns dos quais que até festejaram com a notícia da sua morte, mas é igualmente inegável que com o seu “existencialismo” influenciou muitos intelectuais do século XX, e não só, de tal modo que nas suas exéquias participaram cerca de 50 mil pessoas, como reconhecimento de seu contributo para a compreensão da realidade humana.

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