Simples pergunta, um festival de incertezas! Os dias estão cada vez mais negros para quem é empresário em Moçambique. De Janeiro a esta parte, contabilizam-se nove raptos contra agentes económicos e/ou seus parentes, a insegurança tomou conta dos “motores” da economia – o tecido empresarial.
Um verdadeiro terror…é o que os empresários estão a viver há cerca de uma década em Moçambique. O clima de insegurança é generalizado e soluções escasseiam. O jornal “O País” recorreu ao seu acervo e fez a contabilização dos sequestros mediatizados ocorridos entre 2018 e 2021. Os números revelam o quão é perigoso ser empresário em Moçambique. Foram mais de 30 raptos, cujas vítimas são, na sua maioria, empresários e/ou seus familiares. Só este ano, o nosso jornal registou a ocorrência de nove sequestros, sendo que o último ocorreu a 14 do mês passado, na África do Sul, e a vítima foi o filho do empresário moçambicano Salimo Abdula.
No seu último informe, proferido em Abril deste ano, a Procuradora-Geral da República revelou que, em 2020, o país registou 18 casos de rapto, dos quais, sete na Cidade de Maputo, cinco em Sofala, três em Manica, dois na Província de Maputo e um em Gaza.
Enganadores! É como o criminalista e docente universitário, Paulo de Sousa, descreve os números tornados públicos sobre a incidência do fenómeno no país. “Arrisco-me a dizer que 70 por cento dos raptos não chegam às autoridades, porque as pessoas perderam a confiança em relação à Polícia. E mais, com as informações, que já suspeitávamos e que já foram confirmadas pelas autoridades, sobre a existência de agentes da Polícia envolvidos em raptos, as famílias optam por negociar com os criminosos que pedir ajuda às autoridades policiais”, constatou o especialista.
Nos últimos tempos, os criminosos tendem a actuar ao seu bel-prazer, não se preocupando se é dia ou noite, se o local do crime é ou não próximo da Polícia, o que, para o especialista, revela que “os raptores são pessoas com alguma instrução e inteligência. Esse à-vontade pode ser justificado pelo facto de eles conhecerem o modelo de reacção da nossa Polícia. Mesmo que o local do crime seja próximo a uma esquadra, eles sabem quanto tempo os agentes vão levar para sair das instalações; quanto tempo irão levar para chegar ao local do facto; quantos agentes serão destacados; que armas os agentes irão usar e, com essas informações ao seu dispor, sabem como agir no cenário A, B e C. Isso só é possível graças à promiscuidade que existe nas nossas instituições”, revelou
O aumento de raptos no país não afecta apenas as famílias das vítimas, mas também impacta negativamente no ambiente de negócios, esboroando a apetência pelo investimento nacional e estrangeiro. Como resultado deste fenómeno, vários empresários já abandonaram o território nacional e, consigo, o sonho de contribuir para o crescimento do país, transferindo os seus activos para as outras geografias.
Na cidade da Beira, a frustração dos empresários resultou numa manifestação e consequente paralisação das actividades por três dias. Entretanto, sem a acção enérgica das autoridades, o grito de socorro não travou o fenómeno. É por essa razão que o criminalista Paulo de Sousa diz não existir interesse de investigar este tipo de crime em Moçambique.
“No país, temos três laboratórios de criminalística, um em Maputo, que responde pela região Sul; um na Beira, que responde pela região Centro e um em Nampula, que responde pela região Norte. Lamentavelmente, temos situações de equipamentos adquiridos, mas não são usados por desconhecimento dos profissionais, ou por falta de simples reagentes. Sente-se que há uma eventual vontade teórica, mas não está a ser acompanhada pela prática”, relevou Paulo de Sousa
Para este académico, nunca se deve confundir ciência com experiência. “A investigação criminal não tem um modelo cíclico, os modus operandi de um crime, que ocorreu há dois anos, podem ser completamente diferentes de um ocorrido hoje. E, para que se perceba essas dinâmicas, é preciso que se estude. Eu desafio quem quer que seja para provar o contrário; o Estado moçambicano não promove bolsas nessa área. Mesmo no Instituto de Bolsas é impossível ver bolsas em áreas que têm a ver com a investigação criminal”, argumentou.
Paulo de Sousa reitera que há situações caricatas que revelam que o nosso Estado, pura e simplesmente, não tem disposição de agir. Para ele, “É incompreensível que até hoje não tenhamos um sistema informatizado que possa gerir as impressões digitais dos cidadãos. Trata-se de algo simples. Quando tratamos o Bilhete de Identidade, tiramos as impressões digitais, qual é a dificuldade de recolher a essa informação e colocá-la num sistema informático para auxiliar na investigação de crimes?”, questionou.
Nas suas intervenções sobre a problemática, o Chefe de Estado tem vindo a reiterar a possibilidade de criação de uma Polícia especializada para lidar com este tipo de crime. O criminalista concorda com a iniciativa, mas tem reservas.
“Ao ser criada, essa Polícia deve ser dotada de meios para trabalhar. Quando falo de meios, refiro-me a pessoal qualificado, meios materiais e financeiros, se não, vai ficar descredibilizada, tal como as outras polícias. Sem essa robustez, as vítimas vão continuar a preferir pagar resgates aos raptores”, terminou.