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Raptos: o véu que ninguém levanta!

Ante o olhar impávido e sereno das autoridades policiais, o crime de rapto vai-se impregnando no país e tornando-se uma moda esbelta, intáctil e completamente impune. Indesejável e nefasta para o ambiente socioeconómico, não se percebe o porquê de tanta inércia no combate. Um deixa andar desolador e estrangulador.

Começou como uma aventura que nos lembrava os filmes de Hollywood, mas tão rápido saiu da ficção para pura e dura realidade. Os amadores sucumbiram, inspiraram os predadores que agora tomaram conta da zona com incursões mais sofisticadas e inteligentes.

Mas falar de inteligência neste tipo de crime, em Moçambique, é subestimar a própria inteligência. Porque basta uma dose de inteligência permitida para lograr resultados mínimos. Só que, de onde deve emanar a ordem de avanço, reina a teia que complexifica as operações, agita as peças do puzzle e, num jogo louco, brinca-se de apenas querer montar.

Com o aparente querer na montra, para falsear a confiança do povo, exibe-se o peixe miúdo, os coitados que nunca sabem porque entraram no esquema, para quem trabalham e muitos menos quanto se movimenta nestas operações. Funcionam como anzóis descartáveis que trocam a liberdade por migalhas. Lembram-me o que tanto ouvi da minha querida mãe, quando criança, com o objectivo de me disciplinar: “quando a cabeça não regula, o corpo é que paga”.

Pois é, estes fazem mal as contas e, no final, pagam a factura. Ficam socialmente expostos e com o futuro lixado.

Já o peixe graúdo, desconhecido, mas não oculto, desfila impune e altivo entre os corredores da alta sociedade, crava respeito social e brinda-nos com um alto perfil reputacional. A podridão que o caracteriza fede apenas no seu consciente, se eventualmente tiver laivos de lucidez. Age como animal felino, predador que contempla a sua vítima com aparente desinteresse e ataca-na sorrateiramente quando menos se espera. Usa tácticas simples, que os que verdadeiramente ganharam experiência no combate ao crime de rapto conhecem, porém, acuados de medo e limitados de agir, defendem a vida com o silêncio cúmplice e propositada cegueira. Por vezes, são chamados a integrar as fileiras do crime e, porque obedecer é a palavra de ordem, alinham. Mas o mais triste é que eles mesmos desconhecem o quão superior ou lateral é a ordem. Também tacteiam a verdade como crianças às cabras-cegas.

Nos murmúrios sociais, ouvimos de tudo um pouco. Várias teorias são tecidas, mas sempre em voz baixa, e por vezes até temos de nos agachar para captar os sussurros em desmaio. É isso mesmo. Sobre este tema, ninguém levanta a voz. Todos sabem de tudo, mesmo quando pouco ou nada sabem. Os mandantes, os implicados, os inocentes alistados, a sequência, o plano operacional e os motivos são sobejamente conhecidos. O que se deveria fazer e como se deveria actuar também sabem. Os craques de bancada abundam, mas ficam obscurecidos na sua covardia. Das tantas camadas deste tema, muitos só conhecem algumas. É, na verdade, o véu que ninguém levanta.

O Serviço Nacional de Investigação Criminal, vezes sem conta, expõe-se ao ridículo em conferências de imprensa com resultados superficiais. Apressa-se em apresentar trabalho com os “…inhos” do processo, sem conseguir ludibriar a consciência colectiva. Tem passo célere para escamotear e letárgico para apurar.

Entre informação e desinformação, o certo é que nada é eterno e nesta premissa podemos ancorar a nossa esperança. Porém, não basta querer e ficar parado. Podemos poderosamente exercer o nosso direito cívico e escrever a história que sonhamos para esta ou para as futuras gerações.

Precisamos de uma liderança com capacidade de fazer restart e de tecer novas linhas da nossa história, com os não contaminados.

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