Numa tarde chuvosa na cidade de Maputo, o sol ocultou o seu brilho, dando passagem a nuvens cinzentas que se espalharam pelo céu. As gotas de chuva inundaram as ruas, disfarçando os buracos que, normalmente, são visíveis quando a força das águas não encobre o solo. As pessoas apressavam-se a procurar abrigo, enquanto o som da chuva batia suavemente nas janelas, criando uma atmosfera melancólica, mas ao mesmo tempo reconfortante.
A cidade, envolta num manto de águas, parecia ter entrado numa pausa, onde o tempo se arrastava lentamente, convidando à reflexão e ao abrigo. Foi nesta tarde que Josefina e Adolfo decidiram sair para comprar alguns materiais para a sua nova casa. A caminho da loja, Josefina conduzia o carro com normalidade, no entanto, não conseguiu prever a localização exata dos buracos daquela estrada.
Foi quando, próximos a um centro comercial, um dos pneus do carro entrou num pequeno buraco criando congestionamento porque o carro terá ficado preso um alguns minutos… Todos à volta, esquecendo-se da chuva, começaram a dirigir palavras ofensivas a Josefina e ao seu marido.
“Sai do volante, não vês que és mulher? Deixa o homem conduzir!”
“Conduz lá, camarada, estamos a perder tempo aqui! Tira essa senhora daí”
“Se estás a ensinar-a a conduzir, faz isso noutro lugar, não aqui! Nós estamos com pressa.”
Todas essas palavras dirigidas a Josefina e Adolfo eram motivadas pelo facto de ser Josefina a conduzir o carro e não Adolfo. Era inconcebível para aquelas pessoas que ela estivesse ao volante em detrimento do marido, subestimando as suas capacidades e a sua autonomia.
SÓ PELO FACTO DELA SER MULHER!
Mas Adolfo não via problema algum em ser Josefina no volante, para ele até era melhor que ela conduzisse porque ela conduz melhor do que ele…!
O caso de Josefina e Adolfo não é um grito isolado, mas uma chamada à reflexão profunda sobre a violência de género que permeia as nossas vidas.
Recentemente, uma amiga partilhou comigo uma experiência que ecoa essa realidade dolorosa. Ela vivia com o marido e os filhos e, num dia que prometia ser especial, ele reuniu os amigos para assistir a um jogo de futebol na televisão. A minha amiga sempre foi apaixonada pelo desporto; conhecia os nomes dos jogadores, discutia as táticas com fervor e ansiava por sentir a emoção colectiva daquele momento. No entanto, ao perceber a expectativa dela de se juntar a eles, o olhar do marido transformou-se. Em vez de a acolher, ele afastou-a com um gesto brusco, sentenciando que “não ficaria bem” para ela assistir ao jogo com os homens.
Ele condenou-a ao papel de mera servente, ordenando que permanecesse na cozinha, a improvisar petiscos enquanto eles vibravam na sala. Para ele, a ideia de que a sua esposa, mulher e mãe, poderia partilhar o mesmo entusiasmo que os homens parecia insuportável. Era uma prisão invisível, marcada por regras cruéis que desumanizavam a sua paixão.
A mensagem era clara: ela não tinha permissão para ser quem realmente era. E assim, num dia que poderia ter sido de celebração, a paixão da minha amiga foi silenciada, como tantas outras vozes à volta do mundo. A cozinha tornou-se a sua cela e ela, uma espectadora da sua própria vida, enquanto o futebol, um símbolo de sonho e empolgação, se transformava num lembrete doloroso da liberdade que lhe foi negada.
Esta história não é apenas uma anedota; é um eco da luta silenciosa de muitas mulheres que, assim como ela, se veem aprisionadas por normas e expectativas que as relegam ao segundo plano, sufocando as suas aspirações mais genuínas.
Ainda outro relato é o de uma jovem que, ao perder uma oportunidade de promoção no trabalho, se deparou com a dura realidade da discriminação de género. O seu supervisor, avaliando-a apenas pela sua condição de mulher e pela sua juventude, afirmou que não era necessário que ela recebesse um aumento, uma vez que o provedor da família seria o marido e não ela.
Este estigma não só desconsiderava o talento e a dedicação da jovem, como também perpetuava a ideia arcaica de que o lugar da mulher é, essencialmente, em segundo plano.
O director da empresa, reconhecendo o esforço e a competência dela, decidiu intervir e conversar com o supervisor sobre a sua promoção e um possível aumento salarial. No entanto, em vez de apoiar a jovem e facilitar o processo, foi o próprio supervisor quem bloqueou essa oportunidade, impedindo que ela obtivesse o reconhecimento que tanto merecia.
Essa situação retrata um ciclo vicioso de injustiça que muitas mulheres enfrentam diariamente, onde as suas capacidades são subestimadas por questões de género.
A frustração e a indignação que esta jovem sentiu são ecos de uma luta que ainda persiste em muitas esferas da sociedade, um lembrete de que a igualdade de oportunidades continua a ser uma batalha a ser travada.
No nosso dia a dia, frequentemente deparamo-nos com situações que nos desafiam a refletir sobre o quanto os estereótipos ainda permeiam as interações humanas.
A história de Josefina e Adolfo, onde um simples acto de conduzir um carro se transforma num campo de batalha contra estereótipos de género, é apenas um exemplo de uma realidade que muitos enfrentam.
Esta narrativa não é isolada; é o espelho de uma sociedade que, apesar dos avanços, ainda luta contra as correntes da violência baseada em género. Parar para refletir sobre a raiz da violência é um passo vital na luta por uma sociedade mais justa e equitativa.
O que leva algumas pessoas a subestimar a capacidade de outra com base no seu género? Por que razão muitos ainda acreditam que papéis definidos são imutáveis e devem ser seguidos rigidamente? Estes questionamentos são essenciais para compreender que o preconceito, em suas mais diversas formas – seja por género ou raça– é um entrave à convivência pacífica.
Promover mudanças significativas exige coragem, disposição para aprender e a vontade de desconstruir ideias preconcebidas. Ao levantar a voz contra injustiças, ao educar outros sobre a importância da equidade e ao praticar a escuta activa, plantamos sementes de mudança.
O apoio mútuo entre os géneros feminino e masculino, e o não olhar para a cor, raça e origens é um poderoso catalisador que pode transformar as nossas comunidades. É importante lembrar que a luta pela erradicação da violência, em suas várias formas, está intrinsecamente ligada à luta contra os estereótipos.
Uma sociedade que respeita as suas diferenças e valoriza a dignidade de cada ser humano torna-se uma sociedade mais forte e resiliente. Vamos juntos desafiar as normas que perpetuam a violência e a discriminação, e construir um futuro onde todos possam viver em segurança, liberdade e respeito.
Neste momento de reflexão, convido-vos a perguntar-se: Como posso contribuir para a construção de um mundo sem Bias? Que pequenas mudanças posso implementar na minha vida quotidiana para promover a equidade?
Eu, por outro lado, penso de forma diferente. Desde a infância, o nosso pai educou-nos de maneira equitativa, enfatizando que todos nós deveríamos estudar e ter a educação como prioridade. O facto de ele nos incentivar de igual forma a mim e aos meus irmãos incutiu, de forma indirecta, a ideia de que não devem existir diferenças no tratamento entre homens e mulheres, especialmente no que diz respeito às oportunidades que surgem na vida. Acredito firmemente que não devemos privar as mulheres de oportunidades e do respeito que merecem apenas pelo simples facto de serem mulheres.
É fundamental que aprendamos, desde já, a apoiar-nos mutuamente, independentemente do género, da cor ou da origem. Devemos despir-nos dos estereótipos que, em tantas ocasiões, nos impedem de enxergar o potencial dos outros e, acima de tudo, cultivar um olhar empático e solidário.
A verdadeira mudança começa quando começamos a valorizar cada pessoa pelo que é, quando abraçamos a pluralidade das experiências humanas e reconhecemos que, juntos, podemos construir um mundo mais justo. Afinal, o crescimento e o sucesso de cada indivíduo enriquecem não apenas a si mesmo, mas também toda a sociedade.