Mortes. Tiros. Pancadaria. Gás pimenta. Desordem. Vandalização. Caos.
Os campos onde era suposto celebrar-se a vida e futebol – o ópio do povo – estão a transformar-se em autênticos campos de batalha. Onde as jogadas líricas e os passes estruturados como versos enchem os olhos dos espectadores, esquecendo, por vezes, as amarguras da vida, estão a ser substituídos por “ringues”. Onde era suposto se ver quem é o dono da bola (campeão ou vencedor de um jogo) e quem rebola (equipa perdedora ou despromovida), transformaram-se em palcos para descarga da cólera dos adeptos. Do recreativo à alta competição.
Num caso sem igual, em Muidumbe, província de Cabo Delgado, um árbitro que dirigia o jogo de um campeonato recreativo, entre o Nanhumbe (Muidumbe) e Uhavs (Mueda), foi morto à paulada por adeptos intolerantes e violentos, que o perseguiram e atacaram depois do jogo.
O árbitro não resistiu aos ferimentos graves, tendo perdido a vida no Centro de Saúde de Mueda, para onde fora transferido.
Este jogo trágico, lembre-se, estava inserido numa prova local a eliminar, na qual o vencedor teria como prémio monetário o valor de 75 mil meticais. Este é apenas um dos casos que resultaram em morte no país!
O caso do menor morto em Angónia
De resto, ainda hoje o país chora a morte de Shanganane Luís, aluno de 12 anos da 4ª classe, na Escola Primária de Ulónguè, em Tete, que perdeu a vida após ter sido atingido, em Setembro de 2013, pelos disparos da polícia, que pretendia dispersar os adeptos das Águias de Angónia, que provocaram desacatos durante o jogo com o Textáfrica do Chimoio, a contar para o apuramento da zona centro para o Moçambola!
Uma morte num campo de futebol, onde era suposto celebrar-se a vida.
E é preciso lembrar que, durante o incidente, ficaram ainda feridos, por balas perdidas, Chiconde Cefulane, de 12 anos, e Osten Kanete, de 21.
Os adeptos das Águias de Angónia, enfurecidos, invadiram o campo e lançaram pedras e garrafas contra os jogadores do Textáfrica, das Águias de Angónia e contra a arbitragem, provocando o caos. Duas outras pessoas ficaram feridas. Violência barata e dispensável!
Adepto baleado em Nacala
Recuamos e situamo-nos em Novembro de 2012. Um indivíduo que em vida respondia pelo nome António Luís, de 23 anos de idade, foi alvejado mortalmente por um agente de segurança privada, em plena partida de futebol, na cidade de Nacala-porto.
O incidente aconteceu no campo da Bela-Vista, durante o jogo entre Desportivo de Nacala e o seu homónimo do Ibo, e contava para a última jornada da “poule” de apuramento ao Moçambola 2013, ao nível da zona de norte.
Na altura dos factos, Inácio Dina era chefe das Relações Públicas no Comando da República de Moçambique em Nampula, tendo, na ocasião, justificado que o agente da empresa Segurança Internacional pretendia, com recurso a uma pistola, dispersar alguns adeptos que queriam invadir o campo sem os respectivos bilhetes.
António Luís, assumido como a figura que dirigia o grupo de adeptos, foi atingido na zona do pescoço, tendo perdido a vida no mesmo local.?
“Caso de corrupção”
A Polícia da República de Moçambique (PRM) em Nampula confirmou, depois do polémico embate entre Liga Desportiva de Monapo e Sporting de Nampula, a detenção de cinco indivíduos, dos quais dois fiscais, dois árbitros e um delegado, por corrupção.
O delegado da Liga Desportiva de Monapo teria desembolsado quarenta e nove mil e oitocentos meticais à equipa de arbitragem, para que facilitasse a vitória da sua equipa, mas tal não aconteceu.
Este cenário, dispensável no futebol, provocou a ira dos adeptos da Liga Desportiva de Monapo, que provocaram distúrbios no campo.
Na circunstância, o capitão da equipa da casa foi atingido por uma bala de borracha.
Pancadaria em Lichinga
Este ano, no Moçambola ZAP 2017, houve registo de vários casos de violência nos diversos campos que acolhem a prova. Transformado num campo de batalhas, o Estádio Municipal de Lichinga foi palco de actos dispensáveis e baratos de violência, no passado dia 9 de Julho, no embate entre UP de Lichinga e Textáfrica de Chimoio, inserido na 20ª jornada do Moçambola ZAP 2017.
Com superstição à mistura, os dirigentes do Textáfrica do Chimoio foram espancados por elementos – adeptos, na sua maioria – ligados à equipa da casa, que desconfiaram que os visitantes tinham pautado por magia negra para vencer o encontro.
Quais Myweathers vs Mcgregors, assistiu-se a momentos de violência que substituíram o “fair-play” que se recomenda no desporto. O carro que transportava a delegação do Textáfrica do Chimoio foi vandalizado, na altura dos factos.
Vandalismo na Matola e Machava
A 30 de Julho, o empate a uma bola entre Ferroviário de Maputo e 1º de Maio de Quelimane (1-1), em jogo da 22ª jornada do Moçambola ZAP 2017, foi mal digerido pelos adeptos dos “locomotivas” da capital. Agastados, vandalizaram a rede que separa a zona da pista do relvado do Estádio da Machava, assim como a zona da tribuna de honra.
E os jornalistas não escaparam a este acto. Luís Muianga, fotojornalista do “Desafio”, foi molestado por alguns dirigentes do Ferroviário de Maputo, que o obrigaram a apagar as imagens por si registadas no momento da confusão. Dias depois, ou seja, a 12 de Agosto, outra acção de todo condenável. Vandalizaram parte da rede que separa as bancadas do relvado do campo da Liga Desportiva de Maputo, em protesto contra a derrota da sua equipa, no embate com a Liga Desportiva, por 0-1.
Escaramuças em Monapo
Ainda em Julho, houve registo de escaramuças no campo da Liga Desportiva de Monapo, na província de Cabo Delgado. Um filme que começou quando faltavam seis minutos para o final do jogo entre Liga Desportiva de Monapo e Sporting de Nampula, inserido na segunda jornada da segunda volta do Campeonato Nacional da Divisão de Honra, ao nível da zona norte.
Os adeptos da equipa da casa arremessaram pedras e garrafas para dentro das quatro linhas, numa altura em que os visitantes venciam por um a zero, com golo de Nick.
No final do jogo, a Unidade de Intervenção Rápida (UIR) foi forçada a intervir, lançando gás lacrimogéneo para dispersar os adeptos intolerantes que provocavam distúrbios.
Na altura, o capitão da Liga Desportiva de Monapo foi atingido por uma bala de borracha.
O incidente fez com que só às 19h00 o Sporting de Nampula conseguisse sair do distrito de Monapo, escoltado por elementos da PRM.
A resposta do Governo…
Governo aprova decreto sobre segurança nos espectáculos desportivos
Para estancar a onda de violência nos recintos desportivos, o Governo aprovou, através do decreto n° 29/2013 de 12 de Julho, o regulamento sobre a segurança nos espectáculos desportivos. Este instrumento prevê, durante a realização de jogos de alto risco, a separação física dos adeptos das equipas envolvidas. Por outro lado, o regulamento proíbe a venda e consumo de bebidas alcoólicas nas imediações e dentro dos recintos desportivos. Os clubes e organizadores dos espectáculos desportivos devem comunicar à Polícia da República de Moçambique (PRM), 30 dias antes da realização de um evento internacional, as datas, horas de chegada e partida das equipas, bem como os locais de alojamento.
No que respeita a provas nacionais, o regulamento prevê que as autoridades sejam informadas com 20 dias de antecedência.
O diploma prevê o fornecimento, à PRM, de exemplares de bilhetes com indicação do portão, bancada e número de assento, bem como o número de ingressos vendidos.?
Obrigatoriedade de videovigilância
“O regulamento de segurança nos espectáculos e recintos desportivos refere, ainda, que é obrigatório, por exemplo, que as futuras infra-estruturas desportivas tenham um sistema de videovigilância, no qual serão gravadas imagens, som e o ambiente durante o espectáculo. As gravações, indica o regulamento, devem ser conservadas durante um prazo de 100 dias”, explicou Dina, ajuntando que as futuras infra-estruturas desportivas devem prever estas características, para responderem ao que já está regulamentado. A verdade, porém, é que esta componente não tem sido observada.
O regulamento obriga, por outro lado, o registo sistematizado e actualizado das componentes das claques (adeptos), através do bilhete de identidade, com cinco dias de antecedência do espectáculo, para além da sua separação.