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Quando a poesia anda de mãos dadas com a semiologia

“Eu vos digo que o não sentir os poetas é uma das maneiras mais baixas de ser pobre”
in: Giovanni Papini

 

A poesia se estrutura através da fragmentação da vida, espaços, pedaços, estilhaços. O poeta, para construir a sua realidade, precisa eliminar a realidade que o antecede, destruir e reconstruir. Entretanto, Léo Cote, ao invés de destruir a realidade que o antecede, prefere agregar, incorporar, e, com isso, cria camadas de percepções que fazem de cada poema um universo misterioso e encantador.

Na sua obra literária, instalação do corpo, lançada no Camões, em Maputo, o olhar de vários poetas mencionados no livro percorrem caminhos não lineares onde as partes e o todo se reencontram na poesia.

Em anatomia, um corpo é o conjunto das várias partes que compõem um animal. A palavra, instalação é, frequentemente, usada nas ciências exactas, construção civil, refere a uma das primeiras providências tomadas para que uma obra [casa ou edifício], possa iniciar, como a demarcação do canteiro de trabalho ou a construção do depósito, por exemplo: abrange o conjunto das instalações eléctricas, hidráulicas, de gás ou de ar condicionado.

Segundo Priberam, dicionário online de língua portuguesa, a palavra instalação é junção de duas palavras, instalar + acção, é um substantivo feminino, que, no sentido literal, quer dizer “Acção de instalar, se estabelecer algo ou alguém em determinado lugar”. Assim sendo, este livro propõe uma reflexão profunda sobre a existência, o amor, a poesia e um lugar chamado “Ilha”.

Como diria Mia Couto, em “Venenos de Deus, Remédios do Diabo”, “Rir junto é melhor que falar a mesma língua. Ou talvez o riso seja uma língua anterior que fomos perdendo à medida que o mundo foi deixando de ser nosso.”

Na presente obra, em diferentes poemas, é possível sentir esta vontade do poeta de devolver o riso, recuperar o mundo sobretudo no poema da página 11: “comer pulgas é um divertimento inteligente. Uma bolha de inteligência que migra”.

Ora, quem come pulgas? Se por ventura alguém comesse, este acto seria inteligente? Afinal, a que pulgas o poeta se refere?

Tudo, aqui, conspira na busca incessante de uma reflexão sobre o dia-a-dia, situações aparentemente antagónicas. Relatando alguns poemas de passado, mas com uma mensagem actual. Ademais, o passado, para Cote, é a ferramenta que projecta o futuro. Por isso, a sua escrita abraça e acaricia todos poetas, entre os vivos e mortos.

Cote escreve o mundo e concilia a clareza modernista com a atenção e ironia típica das artes e suas derivações definem a escrita contemporânea. Pela generosidade, humildade e clareza no processo criativo dos seus textos, versos e estrofes, “ no livro”, o poeta, ressuscita vozes emblemáticas na literatura, poesia moçambicana, como Virgílio de Lemos; Rui Knopfli; Luís Carlos Patraquim, Sangare Okapi. Desta forma, torna-se referência obrigatória no cenário poético de Moçambique.

O poeta explora o corpo como um espaço de experiências e emoções, uma instalação, uma obra de arte. Transformando-o num ponto de partida para reflexões sobre a condição humana, como demonstra nos cadernos “Mitografia” e “A Geografia do Afecto”.

“Instalação do corpo” é uma obra misteriosa e mágica que revela o que temos de mais belo e encantador em Moçambique: a capacidade de amar e sonhar. Por isso, engana-se quem pensa que o gás, o carvão, rubins, a madeira são as maiores riquezas desta terra.

A poesia moçambicana, ao longo dos anos, reverberou a complexa existência humana. Em nome dessa tradição, silenciosamente, Léo Cote e um pequeno grupo de escritores permaneceram fiel à sua própria história, consciente da fundamental importância da prática de espalhar o quotidiano na poesia.

É possível verificar esta vontade incessante de espelhar o quotidiano na seguinte passagem: “Bargalha para três e moelas para dois como um poema pós-moderno…”. In: Poema “vocábulo das chaves”, p. 12.

A escrita de Cote ilumina toda uma geração de poetas e define o futuro da nossa literatura. Na poesia, Léo e Álvaro Taruma são, hoje, ícones do nosso tempo e do território. Reencontrá-lo é sempre um reencontro com o que temos de melhor. Como se pode ver na capa, a obra “Instalação do corpo” é um farol e a sua luz ilumina a noite e silencia o dia.

Agora, na vertente semiológica, temos primeridade e secundidade. Na imagem em análise, a Primeridade é o título do texto, visto que, em tamanho, está mais destacado quando comparado com os demais elementos da capa.

Como secundidade, nesta temos a cor azul claro, a lua, quatro sombras e ondas do mar que anunciam a tentativa de um poeta, Léo Cote, instalar a poesia no corpo humano.

A capa apresenta uma imagem mista, que é junção da linguagem verbal e não verbal.

Desfigurando a linguagem verbal, aquela que é feita de forma oral e também de forma escrita, na capa pode-se encontrar os seguintes elementos: Léo Cote; Instalação do corpo; Gala-gala edições.

Para o primeiro ponto, “Léo Cote”, é possível perceber que se trata de nome do autor da obra, é uma forma de informar do imediato ao leitor, apreciador sobre o autor do livro. Por isso fica no topo e centralizado.

A segunda descrição “Instalação do corpo”, serve para preparar o leitor sobre o conteúdo a ser abordado. Também, através do título, é possível perceber que é um livro de poesia.

De seguida, está patente uma linguagem não verbal, aquela que é feita por meio de sinais e gestos. E, na capa, pode-se ver a lua, o mar, e quatro sombras de pessoas carregando e segurando alguns objectos. A lua entre as nuvens, surge como um sinal de esperança, uma possível vontade de clarear a vida e despertar o amor no leitor. Às sombras dos quatro homens à beira-mar transmite uma ideia de tristeza.

Também é possível buscar compreender o próprio significado das corres que predominam na imagem [a cor de fundo da capa] azul claro e azul escuro, onde podemos entender que o azul claro vem junto com a espiritualidade de tranquilidade e harmonia e nos remete a um futuro de esperança, enquanto que o azul escuro faz-nos perceber sobre as dificuldades que habitam nos nossos corações.

Na vertente semiótica, quanto ao tipo de linguagem, vamos ver que ela trás consigo uma linguagem figurada porque nem todos têm o mesmo entendimento sobre a mesma coisa [imagem, capa do livro].

Apesar do grande crescimento dos adeptos à leitura em dispositivos digitais, ainda existem muitas pessoas que não dispensam o prazer de pegar no livro impresso, sentir o cheirinho do papel e folhear as páginas. Por isso, é preciso ter em mente que o tipo de papel usado para impressão, nas tiragens, ganhou muito mais importância nos últimos anos.

É preciso levar em conta que, se a apresentação do livro não for bem-feita, com acabamentos e papéis de boa qualidade, o leitor de hoje tem a opção de comprar a versão digital. O que o leva a comprar a versão impressa é o capricho que a torna especial.

O mais importante para impressão do miolo de um livro é a sua gramatura, já que dela dependerá a facilidade do manuseio. No livro “instalação do corpo” foi usado papel “creamy bulk de 70 gramas”, foi bem acertada, por ser um tipo de papel que não recebe ácido para seu branqueamento. Por isso, não reflecte a luz, o que torna a leitura muito mais confortável e o leitor dificilmente vai sentir a sensação de coceira nos olhos durante a leitura.

Agora, escrevo com reservas porque não sei ao certo a quem coube a função da escolha do tipo de papel para o livro, mas, o cheiro do papel é convidativo e tem um aroma agradável e doce de se sentir.

“Instalação do corpo” tem cerca de 100 páginas e é composto por três cadernos: Mitografia; O Ciclo da Ilha e A Geografia do Afecto. Mitografia contém 14 poemas, ciclo da Ilha 15 e A geografia do afecto 35.

 

 

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