Carlos Queirós, o brilhante técnico nascido no norte de Moçambique e que já brilhou nos cinco continentes, disse-me um dia que não assina contrato com uma equipa de um país que não conhece, se não tiver tempo para estudar, com alguma profundidade, a história e a cultura dessa Nação.
Não entendi à partida, mas ele explicou-se, estabelecendo, com propriedade, exemplos e comparações:
– O jogador africano, de uma forma geral irreverente, é avesso a regras. Isso tem a ver com hábitos histórico-culturais. Daí que os técnicos, respeitando isso, devam libertar à sua criatividade, tirando vantagens rumo ao objectivo comum que é o de ganhar;
– Já o atleta árabe, em regra vive um dia-a-dia de calmaria, tal como recomendam os rituais religiosos. Na sua juventude anda de chinelos e nas suas caminhadas, raramente ultrapassa alguém. Como mentalizá-lo para em campo, ultrapassar os adversários?
– Por seu lado, o japonês nasce com a matemática no berço. Ele recebe as instruções do técnico e depois pensa passá-las à prática, como se se tratasse de um regra de três simples. Se lhe indicam o posicionamento X, a sua reacção é Y. Se falhar, a culpa é do treinador. Mentalizá-lo para improvisos, bem ao gosto do africano, é um bico-de-obra.
Estes e outros elucidativos exemplos, foram-me transmitidos pelo eloquente Professor, numa gratuita aula de sapiência que registei com agrado.
O homem do jogador
A meditação em redor deste assunto, vem a-propósito do despedimento pelo Costa do Sol do técnico argentino Costas e a sua substituição pelo português Horácio Gonçalves, antes do fim do primeiro terço do Moçambola.
Longe de mim equacionar as competências de qualquer deles. O que ponho em causa é o imediatismo do clube, ao despedir um técnico estrangeiro que mal conhecendo os cantos do país, se esforçava ainda por (re)conhecer os da turma canarinha.
A opção foi por alguém que terá de iniciar a sua “aculturação” a partir do zero, o que o coloca claramente em desvantagem em relação aos adversários.
Pensa-se na competência do técnico e do jogador, subestimando o homem que é comandado pela mente, esta por sua vez sujeita a vários factores culturais, influenciados pela sociedade em que vive.
Pode-se vencer, a partir de improvisos. Mas, de facto, a acontecerem sucessos, o princípio de “a vitória prepara-se e organiza-se”, fica esvaziado.
Pensar no futebol apenas como pontapé na bola, subestimando a acção mental sobre a história e os hábitos culturais do cidadão, é pensar curto (e só) no imediato.