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Os três rostos de beldade ameaçada em Chichava

Sussurros do tempo – Lendas e mitos é a mais recente exposição de pintura e desenho de Bruno Chichava, que teve a curadoria de Yolanda Couto, e que esteve patente na galeria da Fundação Fernando Leite Couto.

“Beldade ameaçada” é uma obra que faz parte da exposição de Bruno Chichava, concebida com recurso à técnica mista sobre tela com as dimensões 62,5×62,5 cm em 2024.

O título de beldade ameaçada atribuído ao quadro, traz-nos uma reflexão de algum perigo eminente de carácter social ou cultural em relação à mulher, a expressão “beldade” foi um adjectivo gentilmente colocado ao em vez de “mulher”. Chichava, através deste título, lança um alerta de perigo em nome da mulher.

O quadro em alusão apresenta um rosto enigmático de uma mulher negra com um cabelo de rastas e vestuário tipicamente africano.

As linhas do desenho são finas e curvadas, a figura possui uma forma humana.

O rosto da mulher é um enigma, que hipnotiza a atenção do espectador, na perspectiva de lhe desvendar os olhos e os traços.

As cores foram empregadas como peças de um puzzle, na parte superior o azul serviu como um fundo em contraste com o preto e o castanho, simbolizando um lugar, um lugar qualquer onde está uma beldade, uma praça, uma escola, uma rua. O rosto da beldade bem ao centro da parte superior, pincelada de castanho, e alguns contrastes com o branco sobretudo nos lábios, a face da beldade é a parte mais metafórica do quadro e com maior intensidade de luz.

Na parte mediana e inferior do quadro, Chichava sintetizou o seu talento com um padrão de traços e combinações de cores particularmente estéticas, e vibrantes que coloriram o vestuário da beldade, um cachecol azul escuro e um manto castanho amarelado, com tracejados precisos quanto de uma fábrica de vestuário.

“Beldade ameaçada” é um quadro místico, uma espécie de Mona Lisa, na perspectiva em que se retiram daquele rosto, vários outros rostos. O primeiro rosto é a mulher duvidosa, que tem um olhar incerto sobre o seu próprio futuro, ela sabe que pode chegar onde deseja, mas sabe também que terá de se dedicar como ninguém por algum tempo, enfrentando lutas, estudando, trabalhando duro, ela não sabe se o seu percurso a fará chegar onde almeja porque a luta diária é pesada.

O segundo rosto, é a mulher que está ciente da crueldade social em relação ao seu género, ela tem os dois olhos apavorados, é a mulher que tem medo de ir à escola porque anoiteceu, tem medo de caminhar sozinha na rua porque se sente desprotegida, tem medo de abandonar o lar porque a sociedade vai lhe apontar o dedo, tem medo de vestir certas peças de roupa por causa dos malfeitores, esta mulher tem medo e revolta da indiferença social a vulnerabilidade do género.

O terceiro rosto apresenta ainda uma outra mulher… a que soluça no quadro, é claramente vítima de abuso sexual e agressão física, a sua vista direita é visível, mas a esquerda foi golpeada em pancadaria e tornou-se em hematoma, a sua testa ostenta as manchas de sangue da agressão, que escorre pela sua bochecha esquerda, e os socos que tomou fizeram sangrar a parte inferior direita dos seus lábios. Esta mulher chora de angústia, pelo abuso sexual e físico a que foi sumetida e pela impunidade dos prevaricadores. Cada rosto representa o sentimento quotidiano da mulher moçambicana, amedrontada pela sociedade e golpeada pela justiça.

“Beldade ameaçada” é uma obra que exprime um alerta social de que a nossa sociedade tornou-se mais hóstil, reproduzindo a violência (sub)urbana em 3 dimensões principais: Assaltos, sequestros e abuso sexual. Assaltos são frequentes em quase todos espaços urbanos, e as mulheres são vistas como vítimas fáceis, existem escolas onde adolescentes são assaltadas, essa realidade obriga-nos a repensar a segurança escolar.

Várias mulheres actualmente desaparecem sequestradas e aparecem molestadas, estranguladas e sem vida, nunca se tem culpados e nem sequer suspeitos, os pais das vítimas não tem onde reclamar, esta é uma realidade brutal que apela para grandes fragilidades na segurança pública de modo geral. Actualmente vemos novos escândalos de abusos sexuais protagonizados por rapazes contra raparigas cada vez mais menores nas escolas, a justiça parece tímida, enquanto as estatísticas assustam a sociedade e os prevaricadores não parecem desencorajados.

Beldade ameaçada até quando? Até quando as nossas filhas, irmãs, amigas serão beldades

ameaçadas? Sequestradas? Violadas? Chichava leva-nos a repensar com esta obra sobre a educação da rapariga, a segurança escolar, a segurança pública sobretudo da rapariga, leva-nos também a pensar sobre a qualidade de resposta da máquina judicial.

Ainda existe um rosto futuro oculto em beldade ameaçada, o rosto do dia em que ela se sentirá livre e segura.

Bruno Chichava é nascido em Maputo no Bairro da Mafalala, é formado em Artes Gráficas pela Escola Nacional de Artes Visuais, ENAV.

É um artista multidisciplinar que vagueia pelas artes plásticas, ilustração, design, Graffiti-art

(arte urbana) e activismo social, dedica-se a inclusão de crianças em situação de vulnerabilidade através do seu trabalho.

 

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