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O terrorista

Matias seguia, com muita dificuldade, dirigindo pela avenida Julius Nyerere depois de mais uma entrevista de emprego, decerto, frustrante. Ia ao leme de um corolinha, bravo corolinha, como ele o apelidava, daqueles com mais de 20 anos desde o seu fabrico, porém, teimava em o acompanhar para as suas frustrações diárias.

Ao passar pelo primeiro semáforo o jovem sentiu que não era o único frustrado, o corolinha parecia, igualmente, nutrir do mesmo sentimento. Não era a habitual falta de combustível, pois, sobre isso eles já tinham conversado e, após várias rondas de negociação, tinham chegado a um entendimento definitivo e efectivo: o corolinha tinha de aprender a viver a conta-gotas. A inquietação do corolinha, naquele fim de manhã, tinha suas raízes em dores maiores. Aparentemente, escasseava lubrificação ao longevo motor, ou então, um dos pneus sentia-se tonto de tanto girar, ou era o triangulo cansado de suportar o peso da viatura, em suma, era uma dor que o Matias não compreendia.

A situação fugia do controle, e o seu fiel companheiro choramingava, cada vez mais alto. Tinha finalmente quebrado o silêncio e acompanhava o seu pranto de alguns soluços pesarosos. Todos, que passavam pelo Matias na Julius Nyerere, lançavam-lhe olhares acusadores! Provavelmente acusavam-no de irresponsável, insensato e inconsequente por manter em circulação aquele pobre carro que visivelmente caía aos pedaços.

 “Não sou irresponsável” pensou o jovem! Pelo contrário, julgava-se esforçado. Ganhara uma bolsa para fazer o seu mestrado algures pelo mundo e, na sua partida, todos vaticinavam-lhe um futuro promissor. Conseguiu o mestrado com distinção, seguiu ininterruptamente para o Doutoramento. Mais uma vez, o bravo estudante voltava a se distinguir, mas desta vez era na avenida Julius Nyerere, por estar no leme de uma viatura barrulhenta e velha. Em ocasiões anteriores sentia que amigos e familiares tinham medo de ir na sua boleia, temiam contrair tétano ou doenças mais graves no interior daquela chaparia a cair aos pedaços.

Rezava, Matias, que nunca fora a nenhuma igreja, para que o semáforo sempre que o visse mantivesse a sua luz verde acesa, pois, não raras vezes, quando interrompia a marcha da viatura o motor calava-se e, às vezes, era necessário chamar um psicólogo ou um mecânico para faze-lo voltar a falar, causando mais distinção na estrada. 

Festava pelos três semáforos ultrapassados com sucesso quando, já perto do majestoso edifício da presidência, que se estendia ali mesmo, na avenida Julius Nyerere, a choradeira do carro cedeu! Aleluia! Continuava apenas a choradeira no lado do pneu que ameaçava descolar-se do carro a qualquer momento. “Esse pneu só ladra” pensou Matias, pois há muito tempo que emitia aquele som mas nada acontecia.

Não tardou até que se apercebeu que o carro se calou apenas para mudar de estratégia. Logo em frente ao edifício da presidência, o motor foi abaixo e uma fumaça denunciou-o. “estou lixado”! Disse o distinto estudante para si mesmo. Pensava que nada mais o surpreenderia naquele dia. De imediato veio uma comitiva de agentes da segurança civil, militar e alguns agentes da protecção à presidência. Talvez viessem lhe dar as boas vindas à presidência, mas não era o caso, vinham pedir-lhe para que removesse o carro dali.

Após compreenderem o sucedido, colocaram-lhe água no radiador e o carro voltou a funcionar. “Graças a Deus” pensou Matias. Sabia muito bem que era proibido estacionar ao pé da presidência e quanto mais deixar descansar uma viatura inoperacional. Como punição mais grave podia ir preso, processado como inimigo do estado e ser obrigado a pagar uma multa, o que neste último caso era pior.

Continuou a sua marcha, a vida era madrasta, continuava pensando. Sancionou os seus pensamentos. Coitada das madrastas. Interrompeu os seus pensamentos quando viu o semáforo da praça do destacamento feminino acender a cor laranja, em breve ficaria vermelho. Para não incorrer a riscos maiores, com a possível interrupção da marcha da viatura, Matias decidiu acelerar. Acelerou até onde pôde, acelerou até onde o bravo corolinha permitiu.

Matias venceu o semáforo, mas para tal, teve de desviar a direcção num ângulo de noventa graus pois pretendia subir pela avenida Keneth Kaunda! Péssima decisão do Matias, aquela era a avenida das embaixadas. Para seu azar, após alguns metros, quando tentava, controlar a velocidade do seu pobre carro a fumaça voltou ao ar e, para piorar, o pneu que só ladrava decidiu morder, porém, infelizmente, o fez sozinho. Os dois pneus companheiros da vanguarda soltaram-se do carro há alguma velocidade e, aos trampolins, contornaram o murro de protecção dos edifícios de duas embaixadas que por ali se encontravam e invadiram o interior dos edifícios causando diversos danos materiais.

Quando tentava, com recurso à força, abrir a porta da viatura que imobilizara-se instantaneamente a meio da Keneth Kaunda uma fumaça cobriu o rosto do Matias. Segundos depois, ninguém soube ao certo explicar como foi, mas viu-se um clarão acompanhado de um estrondo transformando o carro, minutos depois, em cinzas.

Horas depois, era noticiado em praticamente todos quatro cantos do mundo que, em Moçambique, houve um ataque terrorista internacionalmente orquestrado contra representações de vários países. O atentado fora perpetrado por um jovem que fora recrutado por um grupo terroristas e enviado para treinamento fora do país, sob disfarce de uma bolsa de estudos. Reportou-se ainda que o jovem armadilhou o carro, disfarçado de antigo, com bombas de última geração, porém, para seu azar, as bombas foram acionadas antes do tempo.

Todos acreditaram e reproduziram a história!

 

 

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