Pente é um objecto usado para alisar e organizar o cabelo, de modo a ter uma apresentação agradável. Quanto mais fino o pente é, mais rigorosa é a sua organização aos fios de cabelo. Este objecto de beleza é usado, igualmente, para elaborar diversidade de tranças e penteados, sobretudo quando se trata do cabelo de homens e mulheres negras.
” A pente fino” foi a metáfora que Filipe Branquinho encontrou para nomear a sua mais recente exposição no Centro Cultural Franco-Moçambicano, inaugurada no dia 20 de Agosto e que pode ser apreciada até 5 de Outubro.
Filipe Branquinho, com a clara intenção de passar um pente fino nos olhos da sociedade, trouxe duas séries da mesma exposição: In gold we trust e B(l)ack, a série que aqui nos interessa tratar.
B(l)ack é uma homenagem estética e estilística ao cabelo natural crespo como há muito não se contemplava. O quadro Black XXX é apresentado ao observador essencialmente com um fundo branco e um padrão verde claro que faz a base do quadro. As laterais do quadro são caracterizadas por colagens de várias figuras ilustradas, dentre as quais: bandeiras, um soldado, uma máquina e dactilografar.
Na figura central do quadro, está uma beldade negra, preta de ébano, com cabelo crespo, bem trançado, uma trança longa, que desce pelas suas costas adentro.
As linhas do quadro são finas e regulares, uma vez que representam figuras reais. As formas das figuras são essencialmente humanas, soltando um olhar, ou um sorriso desenfteado que carrega um forte simbolismo na retrospectiva que o autor pretende trazer.
A forte presença de símbolos, como bandeira, foto de soldado em tempo colonial, traz ao quadro um regresso ao tempo socialista. Aliás, a série B(l)ack, como escreve o autor, com o L entre parêntesis, pode ser lida Back to Black, o que em português seria: de volta ao preto, ou, figuradamente, de volta à cultura preta.
As cores foram estetizadas como um halo, que usurpa a atenção do espectador para o centro do quadro e, depois, para as laterais. As cores ao fundo do quadro acendem o seu brilho, porém, deixando máximo protagonismo para a cor preta e laranja, que são o sol do quadro.
O preto carregado, que ilustra a mulher no centro, tem uma função narrativa inequívoca, de que o autor se dirige a este grupo de mulheres em especial, a trança tecida caprichadamente a cor de laranja cintila no quadro como uma gaveta de memórias que diz: Ainda lembras te como eras bela naturalmente? Ou já te esqueceste?
Os contornos da mulher negra no quadro, incluindo do cabelo, não só sensibilizam para a diversidade de usos ao cabelo natural, mas fazem um forte apelo ao bem-estar, a auto estima, ao sorriso da mulher negra. Apesar de estar de costas, ela está em overdose de beleza no quadro, uma pintada no mamilo esquerdo, acrescentou-lhe um toque de voluptuosidade.
Se a mulher negra é bela,nauralmente, sem betumes ou perucas, como ilustra a exposição, porquê, então, ela importa beleza ocidental e oriental? Possivelmente, o autor deseja que cada mulher consiga responder para si o porquê da importação de beleza estrangeira?
Além fronteiras, no Brasil, outros cantos do mundo, em filmes de Holywood, sobretudo históricos, a mulher negra é distinguida pelo cabelo crespo natural, tranças e afro.
Mais que um manifesto, o quadro Black XXX é uma busca cultural de valores e princípios. É um exercício de regresso no tempo, para ir buscar o que éramos e trazer ao quotidiano.
A máquina de dactilografar, as colagens sobre desporto, o rosto negro ao estilo dos anos 80 no canto supeior direito, e os dois casais de dança que figuram abaixo do seio da mulher, mostram que o autor conduz aos espectadores, a um resgate de valores, princípios e práticas que existiam e nos tornavam seres felizes na simplicidade, hoje, práticas esquecidas.
Olhando para a nossa actualidade, a mulher negra tem sido escrava da indústria estética ocidental, e quase do vestuário também. Quando nos perdemos pelo caminho, precisamos regressar ao ponto de partida para nos encontrarmos. Com esta exposição,série “B(l)ack”, Filipe Branquinho faz uma intervenção social pertinente, ao mesmo tempo que “A pente fino” alisa o seu talento e diáloga profundamente com a sociedade.
B(l)ack é um grito profundo de chamada de atenção à sociedade, sobretudo à mulher negra em relação à beleza estética importada. Se a mulher negra moçambicana esteve “cega” à sua beleza natural, nesta exposição, com certeza, encontrará a luz que precisa para cintilar essa beleza e cabelo natural.
O quadro Black XXX é uma obra em aguarela, acrílico, colagem, caneta fineliner e posca sobre impressão a jacto de tinta em papel breathing color, Elegance Velvet, 300 GSM, 100% cotton rag, Bright white matte 110 X 90cm.