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O lado oculto da riqueza do Maiquel*

Por: Edna Matavel

 

Se no coração de mãe cabe o universo, Margarida falhou no conceito, levou o filho ao abismo em obséquio de uma riqueza momentânea.

Margarida nasceu numa aldeia muito afastada da cidade, onde o curandeirismo era a base de suas crenças. Os dias na aldeia eram lúgubres por conta dos rituais que eram feitos. O gado servia para sacrifícios nos seus rituais. Todo o final do mês, a família reunia-se numa árvore grande de massala, que ficava do lado traseiro da palhota milagrosa, para fazer o ritual de invocação aos espíritos. As crianças ficavam ajoelhadas diante da árvore, e davam bebida tradicional aos ancestrais enquanto os mais velhos entoavam uma canção. No mesmo local faziam fogo, assavam algumas galinhas para dar aos antepassados pela boca das crianças. Só não podiam comer os ossos nem usar faca para cortar. Os mesmos ossos serviriam para fazer o tinlholo na palhota. As crianças seguiam na dianteira porque eram consideradas inocentes e as suas almas frescas para os seres espirituais.

Margarida era uma dessas crianças. Ela era xará da esposa do seu avô e tinha muita responsabilidade. Em algumas noites, enquanto todos dormiam, ela tinha de espalhar sal pela casa, falando com os antepassados. Isso fazia parte de suas tradições.

Na última sexta-feira daquele mês, nas primeiras horas, foi até à palhota para envergar as roupas que eram da falecida avó, sua xará, amararam um xifungo na sua cintura e lavaram os seus pés com sangue. De seguida, foi até ao rio para lançar um frasco que continha todos os nomes das pessoas que estavam na aldeia. O banho que ela fez no rio, purificou toda a família.

Quando cresceu, a consequência de tudo o quanto fizeram com ela tornou-se visível da forma mais subjacente. Ela ambicionava casar e constituir família, mas estava amaldiçoada e a sua alma entregue ao defunto do avô.

Numa dessas noites, enquanto dormia, teve um mau sonho, em que estava ela num rio infinito, cheio de serpentes, batuques, com sangue espalhado em todo o chão. Quando despertou, foi até à palhota onde dormiam as curandeiras, toda ela espalhafatosa e contou o que viu enquanto dormia. Elas fizeram um tinlholo para desvendar o misterioso sonho. Tocaram batuque enquanto entoavam seus hinos tradicionais. Margarida começou a manifestar, vomitou sangue pela boca, rastejou até a casa grande onde o avô dormia, bem na entrada. Despiu-se, caminhando até ao quarto onde tinha uma cobra grande que simbolizava o homem e pilar da casa. Esse era o grande mistério para fortalecer aquele lar.

Ela viveu momentos turbulentos, carregando energias negativas. Margarida decidiu fugir para bem longe, foi morar na cidade.

Foi na cidade onde conheceu o marido, pai do seu único filho, mas as suas raízes a perseguiam. Dormia com o marido e, por um lado, sonhava com maridos da noite, não só, ela manifestava e desmaiava sem conseguir se relacionar com o marido, motivo que levou o homem a separar-se dela. Anos depois, ele perdeu a vida num acidente de viação. Meteu-se com a mulher dos nocturnos.

O filho cresceu ignorante e azarado, com uma vida desgraçada. Roubava o dinheiro da mãe para comprar bebidas espirituosas, certa vez chegou a casa embriagado e espancou a senhora acusando-a de feitiçaria. Ela não tinha outra solução a não ser voltar para aldeia pedir ajuda.

Numa manhã nublada, ela viajou até a aldeia levando uma camisa do filho, chorou e explicou o motivo que a fez voltar. A curandeira pegou na camisa do Maiquel, fez um feitiço para que ele deixasse de roubar e beber, deu um óleo amaldiçoado que para os olhos dela era abençoado, o mesmo seria para que o filho fosse obediente e obtivesse sucesso nos seus negócios. Não levou nem três meses para que Maiquel mudasse o estilo de vida, só não conseguia se concentrar numa única mulher.

Maiquel abriu um estaleiro e começou o seu próprio negócio, porém, não conseguia suprir as suas ambições. A sua mãe falou para ele que na aldeia tornavam as pessoas abastadas só com pequenos rituais. Ela ligou para a sua macumbeira. Convinha que levasse o filho para fazer um banho na palhota. Levaram consigo uma garrafa de vinho branco, rapé, uma galinha cafreal e um lenço branco, fizeram todo o ritual e abençoaram Maiquel, todavia, Margarida não disse ao filho que no dia em que ela morrer, levaria com ela todo o seu sucesso. De três em três meses, ele tinha de ir à palhota renovar o pacto e levar a décima parte do valor dos lucros para os espíritos que abriam seus caminhos rumo à evolução.

Seu negócio cresceu, ficou conhecido como o homem da súbita riqueza, pessoas experientes estranhavam tal riqueza, era temido. Maiquel comprou carros luxuosos, gastou com mulheres e nunca se interessou em construir. Em momentos de abundância e ganância, para os menos sábios, investir e construir um tecto é uma preocupação pouco importante.

O tempo passou, a mãe foi diagnosticada com tumor cerebral. Não resistiu e perdeu a vida. Maiquel fez um velório digno de rainha em homenagem à sua mãe.

Ele só ficou a triunfar por dois meses. Seus carros avariaram e teve de vender quase tudo que possuía. O seu estabelecimento foi à falência. Viajou a terra da mãe para levar reforço, mas nem mais os remédios da maldição tinham poder. Todos os que um dia assistiram e aplaudiram as suas obscuras vitórias, também assistiram a sua ruína. Até de curandeira ele mudou, mas, o segredo para o seu sucesso partira com a sua mãe.

Em resultado de todos actos malignos, ficou deprimido, voltou a ingerir bebidas espirituosas, afundou na desgraça, vezes sem conta andava sem roupa na rua, sujo e descalço, virou um delinquente, tão jovem e ambicioso.

Tudo voltou-se contra si. Maiquel enlouqueceu com tamanhos pactos diabólicos em busca de poder. Ele foi sujeito até a pagar os erros da mãe.

 

 

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