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O julgamento

O Tribunal Judicial Provincial de Gaza tem a grande responsabilidade de julgar o caso de assassinato, a 7 de Outubro, de Anastácio Matavele, activista social e director executivo do Fórum das Organizações Não-Governamentais de Gaza (FONGA).

As audiências arrancam já com fortes desconfianças de manipulação do processo. É que há dias, a juiza do caso respondeu com um silêncio absoluto  ao pedido do advogado da família Matavele. Ele solicitou, na fase de instrução contraditória, que fossem feitas diligências para a obtenção de extractos das conversas telefónicas mantidas entre os arguidos nos dias 5, 6 e 7 de Outubro do ano passado.

O objectivo do proponente era esclarecer e completar a prova indiciária. Entendia que os áudios poderiam ajudar a descobrir a verdade material, com fortes hipóteses de chegar à posse de algumas revelações importantes para a acusação definitiva.

Surpreendentemente, a juíza, com todos os poderes ao seu dispor para indeferir o pedido caso julgasse irrelevantes as diligências, em despacho fundamentado, manteve-se pura e simplesmente calada.

Ela deixou passar uma oportunidade ímpar de autorizar o requerimento, às operadoras de telefonia móvel, para o fornecimento dos extractos dessas conversas entre os arguidos antes e no dia do cometimento do crime.

Esta atitude apática do tribunal gazense quanto ao pedido do advogado é tida como “parcial e tendenciosa” e terá, de certa forma, contribuido para a obstruição da descoberta da verdade material, sobretudo a identidade dos verdadeiros mandantes do assassinato a tiro de Anastácio Matavele.

O grande desafio deste julgamento será chegar aos mandantes porque quanto aos executantes do crime, esses, estão nas mãos da justiça. Há uma tendência por parte de alguns polícias envolvidos em dar o dito por não dito. Nos primeiros interrogatórios, revelaram, e ficou registado, que receberam instruções para não lhe matarem, mas deixarem-lhe sem a possibilidade de poder andar.

Nas fases subsequentes de instrução do processo, os mesmos disseram que não receberam orientações de ninguém para atirarem contra o activista social, como que a darem a entender que tudo foi por conta e risco próprios.

A província de Gaza, bastião do partido no poder e com uma grande dose de intolerância política, está em prova neste julgamento, sobretudo porque é a primeira vez que lida com um caso desta envergadura. Além de polícias, está arrolado o edil da vila de Chibuto pelo partido Frelimo por a viatura usada pelos criminosos estar registada em seu nome.

O assassinato ocorreu em plena campanha eleitoral para as presidenciais, legislativas e das assembleias provincias e há uma semana da votação. Anastácio Matavele era um dos observadores do sufrágio em representação da sua organização.

Este crime hediondo acabou por manchar o processo eleitoral, em geral, e na província de Gaza, em particular, esta que ainda não tinha esgotado o debate à volta da disparidade do número de eleitores recenseados para as eleições de Outubro de 2019. É que a Comissão Nacional de Eleições tinha 300 mil a mais em relação aos dados apresentados pelo Instituto Nacional de Estatística, que é autoridade na matéria.

A morte a tiro de Anastácio Matavel deixou de ser um simples homicídio e ganhou uma outra dimensão, a de um crime político dado ao espaço e ao tempo em que aconteceu. Desde então, o caso está a ser vigiado por organizações da sociedade civil moçambicanas e pela comunidade internacional que se revelou chocada com o crime.

Os Estados Unidos de América, por via da sua embaixada em Maputo, a União Europeia, através da sua equipa de observação eleitoral, a Amnistia Internacionmal, órgão de defesa dos direitos humanos, e outras organizações e governos estrangeiros condenaram o acto bárbaro, exigiram o esclarecimento do caso e a responsabilização dos autores do crime.

Estes parceiros estratégicos de Moçambique, que se juntam às vozes internas,  incluindo a comunicação social, nacional e estrangeira, estão todos de olho neste julgamento e esperam que a justiça seja feita em termos de condenação exemplar aos implicados.

Dependendo do conteúdo da sentença a apresentar, o desfecho do mesmo poderá promover ou despromover a imagem já em si degradada dos órgãos de administração da justiça e a do Tribunal Judicial da Provincial de Gaza.

Se se chegar à conclusão de que o tribunal passou ao lado daquilo que era a expectativa do público em termos de justiça feita, terá disparado contra o seu próprio pé ou afundado cada vez mais a imagem do sector da justiça. A ser assim, pode dar razão àqueles que olham para a justiça moçambicana com desconfiança no sentido de que é facilmente manipulável pelo poder político.

O facto de os presidentes dos tribunais Administrativo, Supremo, Constitucional e o Procurador Geral da República serem nomeados e tomarem posse perante o Chefe de Estado, coloca-lhes numa situação de vulnerabilidade e retira-lhes o sentido de independência em relação ao poder político.

O descrédito à justiça moçambicana ficou patente no caso Manuel Chang. Vozes, internas e externas, levantaram-se a defender que o antigo ministro das Finanças, peça-chave do dossier das dívidas ocultas, preso há mais de um ano na África do Sul, devia ser extraditado para os Estado Unidos de América porque em Moçambique não havia garantias de um julgamento sério e sem interferências políticas. 

Está claro que não há nenhuma pena que possa compensar o assassinato de Anastácio Matavele, por maior ou pesada que seja.  A vida não tem preço. Mas há sentença que pode deixar a sua família confortável. O país e o mundo com a certeza de que foi feita a justica. É, o mínimo, o que estamos a pedir ao Tribunal Judicial Provincial de Gaza.

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