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O intimismo e a superação em Assa Matusse

O poeta olha o passarinho/ por dentro do seu canto

Rogério Manjate

Já nos referimos ao facto de muitos poetas – no sentido mais vasto da criação – encontrarem na dor um motivo para fabricar sorrisos, como se o sofrimento servisse para inspirar alegria. Assa Matusse faz parte desse conjunto de artistas que, recorrendo às suas próprias intempéries, faz da música um produto além do efeito estético. Uma prova é o seu álbum de estreia, + Eu, no qual a cantora efectua uma trajectória que, partindo de experiências intimistas, tão ligadas a si e aos seus, desagua na superação.

Na verdade, + Eu é um disco de apresentação de uma cantora que almeja ser um exemplo de luta, vencendo o medo, a solidão e o pessimismo mesmo por acreditar nas suas potencialidades. A primeira música, a que empresta o título ao CD, é peremptória a esse respeito, quando apresenta momentos de uma história sintetizada na força interior como garantia do sucesso. A letra é simples e a música não passa de três minutos e meio. Ainda assim, consegue transportar uma mensagem que em princípio deveria nortear quem persegue o horizonte e as suas incertezas. Com efeito, faz todo o sentido que “+ Eu” seja a primeira música do álbum, por conter uma caracterização dissimulada de quem a canta e a linha temática do que se pretende com esta aparição.

Explorando até à exaustão os ADN dos seus sujeitos poéticos, Assa não evita a sua origem. Pelo contrário, em “Menina do bairro”, canta seus labirintos, a meninice, sua e de todos que da miséria dos subúrbios concretizam sonhos sem olvidar de que lama foram feitos. “Menina do bairro” também exprime essa capacidade de superação, imposta mesmo em momentos desfavoráveis.

Enquanto canta, Assa conta quem é e, no caso do tema “Xihono”, questiona tudo o que a angústia justifica a todos que buscam respostas. Dizendo quem é, com toda elegância que se pode exigir, encarna a vida de moçambicanos que venceram a humilhação ao lutar pela sobrevivência na África do Sul. Além de ser a melhor música do álbum, nossa apreciação, “Nitxitxile” é a melhor representação de Assa Matusse. Ali temos uma estória narrada de outro modo. Ao contrário de um Regresso do morto, de Suleiman Cassamo, em que o protagonista volta a casa destruído, em Assa Matusse há uma mudança que no final faz do humilhado um vencedor em potência, não permitindo mais ser vulgarizado. No fundo, o valor semântico é idêntico a “Grito Negro”, de Craveirinha, mas aqui, obviamente, sem alusão colonialista.

Avaliando a temática das músicas e a forma como as mesmas são concretizadas, percebe-se que + Eu é um CD a revelar uma maturidade precoce, incomum numa estreia. Assa sabe conter-se na palavra. Evitando a vaidade de querer dizer tudo, acaba dizendo muito com tão pouco – como bem calha, por exemplo, no Balanço ou Mutema, de Deodato Siquir – e sem ser desnecessariamente explícita. Concorre para que as músicas sejam sedutoras o facto de Assa as cantar com emoção, como se sentisse tudo o que diz na sua plenitude.

Este + Eu funciona como uma espécie de antídoto para os que ainda trilham o difícil percurso rumo à superação dos seus problemas. É um disco tendencialmente moralístico, alicerçando-se na melancolia como factor primário para se ultrapassar perdas difíceis de aceitar – oiça-se “Carinho de mãe” – ao mesmo tempo que orienta a direcção da prosperidade. Aqui, “Pfukane” também revela-se com uma sonoridade de pasmar. 

Se “Carinho de mãe” e “Pfukane” dirigem-se mais para as mulheres, ao mesmo nível criativo encontra-se “Nsinyeni”, história de quem não sabe o significado da ajuda, do calor dos pais, que bem nos conduz ao drama dos “meninos de ninguém”.

Enfim, + Eu é um álbum para fortalecer o espírito. E a expressão dos sujeitos de enunciação assume-se como um mecanismo que induz persistência, pois sem isso a vida tem tudo para ser uma mierda.

 

Título: + Eu

Autor: Assa Matusse

Classificação: 16

 

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