Em entrevista ao “O País Económico”, Virgínia Macuiane, co-autora do estudo “Enquadramento Legal do Capital de Risco em Moçambique”, fala das vantagens do capital de risco para as PME e defende que este mecanismo é a forma mais viável de investimento para este segmento do mercado.
As Pequenas e Médias Empresas em Moçambique reclamam da falta de financiamento. O capital de risco aparece como uma fonte para as empresas. Entre o financiamento via capital de risco e um empréstimo bancário, o que é mais viável para as Pequenas e Médias Empresas (PME)?
Tendo em conta as características das nossas PME, que normalmente são empresas familiares, algumas não têm a contabilidade organizada, muitas não têm um plano estratégico de médio a longo prazo, são empresas que vivem do seu dia-a-dia. Por estas e outras características são empresas que dificilmente conseguem um crédito bancário. O capital de risco tem a vantagem de associar duas coisas, o investimento – alguém entra com dinheiro, uma sociedade, um fundo ou um indivíduo particular – e assistência técnica – ajuda a empresa a melhorar naqueles aspectos em que ela precisa ser competitiva a nível do mercado. O capital de risco é sem dúvida uma das melhores alternativas paras as nossas Pequenas e Médias Empresas por este complemento a nível de apoio na gestão das empresas. Que é o que muitas delas precisam neste momento.
Os donos de empresas têm medo de abrir os seus empreendimentos para a entrada de novas pessoas porque temem, ou pensam que irão perder o domínio. Como fazer com que os empresários percam este medo?
Há duas formas de investir numa empresa. Pode ser via da participação no capital, mas também pode ser por via de uma dívida. O mais aconselhável é que seja por via da injeção de capital. Vou-lhe dar um exemplo, se sou um bom carpinteiro, sou bom na minha arte e o mesmo pode não acontecer no campo da gestão empresarial. O carpinteiro vai se focar naquilo que é produção, no que é bom. A nível de gestão, contabilidade, marketing terá que contratar pessoas que percebem destas áreas. Há aqui um processo de consciencialização sobre esta realidade, mas sentimos que já está a acontecer uma abertura dos empresários, em particular os jovens. O capital de risco não é uma ameaça porque está tudo bem descrito no contrato. Quando uma sociedade de capital de risco vai entrar numa empresa, antes de investir, esclarece em que condições vai deixar a mesma. Se na sua saída vai vender as acções ao outro dono da companhia, para uma outra empresa que pode estar interessada, ou que trabalha no mesmo sector ou pelo mercado de capitais. Tudo está muito claro, o capital de risco tem como característica o tempo de investimento temporário, tem como objetivo a valorização da empresa para posterior saída do investidor. Quando uma sociedade de capital de risco investe numa empresa é porque acredita que esta companhia tem potencial para crescer, quer participar desse crescimento e depois sabe que irá ter lucro desse crescimento.
Em Moçambique, nós já tivemos duas sociedades gestoras de capital de risco. O que ditou para o desaparecimento destas sociedades? Que motivos podemos encontrar para o não surgimento de outras sociedades desta natureza?
Temos que reparar que estas sociedades surgiram num certo contexto histórico. A primeira menção de capital de risco vem de 1987, e nessa altura o país estava a passar por um processo de transformação, saímos de uma economia centralizada para uma economia de mercado. Isto fazia parte de um pacote para que Moçambique entrasse no mundo como uma economia de mercado. E esta legislação vem a par com a das empresas públicas que também tinham um plano de serem cotadas em bolsa e se abrir capital. Acreditamos que na altura os fundos que surgiram, exactamente pelos players que lá estavam tinham muita intenção de investir neste tipo de instituições. Acredito que houve uma conjuntura económica que ditou que as coisas não fossem assim tão céleres como se pensou que seriam. O mercado na altura não estava preparado, não tinha empresas viáveis o suficiente para serem investidas em capital de risco.
Olhando para o cenário actual, podemos considerar que o mercado nacional já está preparado para acolher estas companhias?
Eu acredito que sim, porque a base de PME aumentou, principalmente as que estão na fase inicial. Já começa a existir uma camada de empreendedores, uma maior perceção sobre o tamanho e as necessidades do mercado, os produtores já percebem que o moçambicano quer consumir e já estão dispostos a criar produtos a nível nacional que possam ser consumidos. Então isto é realmente uma base para criar uma sociedade de capital de risco.
Quais são as áreas ou sectores mais aconselháveis para investimento por parte das sociedades gestoras de risco no país?
As áreas como local content (conteúdo local), os produtos Made in Mozambique e o empreendedorismo juvenil são as mais apetecíveis para o investimento para as sociedades de capital de risco, olhando para o contexto actual do nosso mercado. Nestas áreas, o capital de risco tem muitas possibilidades de vincar em Moçambique.
Que avaliação faz da economia nacional? Na sua visão, quais são os desafios económicos que Moçambique tem?
Os desafios para Moçambique são grandes. Nós, sem dúvida, temos que apostar numa economia de produção. O país tem mercado, mas é um mercado maioritariamente abastecido por importações, consume tudo que vem de fora. Temos que deixar de ser um país do sector terciário, de serviço. O país não tem falta de dinheiro, nós sabemos que qualquer projecto que se mostre viável, que tenha pernas para andar no mercado vai receber financiamento. A nível regional, continental até mesmo do mundo temos muitos fundos dispostos a investir em Moçambique. O problema não está somente no mercado, é preciso que as empresas a todos os níveis tornem-se mais competitivas, esse é que vai ser o desafio. As empresas devem olhar para dentro delas, criarem processos, procedimentos, não podem ter receio de abrir capital para pessoas que tenham experiência em entrar e apoiar a gestão. Moçambique tem recursos, a questão é transforma-los, a industrialização do país. É o sector produtivo que irá fazer toda a diferença na nossa economia.