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Numa curtição às antigas, TP50 tributa música moçambicana

Cinquenta e oito pessoas, das quais 46 no palco, realizaram o espectáculo “No tempo dos tocadores–um tributo à música moçambicana”. Para o efeito, depois de uma pesquisa aturada, o grupo TP50 recuou aproximadamente 100 anos da história do país de modo a contar a evolução da música nacional, sobretudo a que foi produzida na região Sul. Com esta iniciativa que, além da investigação, incluiu muita imaginação para aglutinar a herança artística de um povo em duas horas, TP50 esmerou-se em promover parte do que melhor foi feito no território nacional no século passado, reconfigurando contextos da época, vergando-se aos exímios tocadores da pátria amada.

Com efeito, o espectáculo realizado sexta-feira à noite, no Centro Cultural Franco-Moçambicano, na cidade de Maputo, teceu o tecido de uma história musical que se vai perdendo a cada ano. Tudo começou com a intervenção de Horácio Guiamba e Fernando Macamo. Representando duas gerações diferentes, com preferências e entendimentos assimétricos em relação à arte, ambos os actores introduziram o público, que foi reagindo como pôde, às canções populares, casos de “Cântico de nascimento”, “Watiwashana” e “Mbalele”. Quase sempre, as músicas ou canções tocadas foram antecedidas por explicações de cariz didática, numa encenação feita de humor. Portanto, com o teatro alicerçando o espectáculo em todos os momentos, TP50 apresentou autores, reconfigurou as suas circunstâncias e ecoou melodias com sonoridades aproximadas às originais. Assim ouviu-se “Mova”, um clássico com 80 anos de existência, da autoria de Daniel Marivate, cantado por Joel Libombo e Hortêncio Langa. Se nessa actuação o auditório teve que se deixar levar pelo ritmo melancólico, minutos depois o palco ficou bem animado, afinal dançou-se e cantou-se “Makwaela”, de Gil Mabjeca. A onda continuou electrizante com a sedução das makhuwas sintetizada na dança Tufo, que, tendo-se enraizado no subúrbio da Mafalala há anos, tornou-se um ritmo tão de Maputo quanto de Nampula, província onde predomina.

À medida que a noite prolongava-se, “No tempo dos tocadores” foi-se tornando uma sessão agradável. De outra forma não seria, com a invocação das afamadas “Laurinda” e “Elisa” no palco, essas beldades da Orquestra Djambu que não envelhecem, o Franco deixou de ser Moçambicano e passou a ser um autêntico Bar dos Comorianos, onde a conversa dos actores acontecia, no qual nenhum bêbado foi autorizado a entrar. Ali os bêbados só saiam, embriagados de música boa e de palavra abençoada, não fosse Calane da Silva ter declamado “Daiko”, de José Craveirinha, e “Samba”, de Noémia de Sousa. Tudo a condizer com música.

Entre vários, um dos momentos mais engraçados foi proporcionado por um casal de velhotes, que mostrou aos mais novos como se dança em bom compasso “Sanza zomi na mibale”, de Dr Nico. Viu-se coisa bonita no Franco, quer dizer, no Bar dos Comorianos, numa curtição às antigas. E porque não só temas de autores nacionais edificaram parte da identidade musical dos moçambicanos, no tributo dos TP50 cantou-se, igualmente, sons de músicos estrangeiros, “I who have nothing”, de Tom Jones, “Georgia”, de Ray Charles, e “Carta a Miguel Djedje”, de Zeca Afonso, português que encontrou em Moçambique terra para amar, quando deixou Portugal durante o regime salazarista. Depois disso, uma rapsódia empolgante com músicas de Dilon Djindji, quem gostava de ver a iniciativa repetida, Gabriel Chiau, Xidiminguana e, claro, Fany Mpfumo, “representado” pela filha e neta no espectáculo.

Na percepção de António Prista, Direcção-Geral dos TP50, a maior dificuldade na preparação deste tributo à música moçambicana foi seleccionar as músicas e o que se pretendia contar. Nada que comprometeu o objectivo da iniciativa: a transmissão de valores fora de moda, aparentemente caducados.

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