O Governo anunciou, esta semana, novos salários mínimos para o sector privado, com aumentos que variam entre 150 e cerca de dois mil Meticais. Entretanto, o economista Mukhtar Carimo considera que não houve coerência, atendendo que não foi considerada informação relevante na determinação dos salários.
Os aumentos anunciados à margem da sessão do Conselho de Ministros resultam dos consensos alcançados no conselho consultivo de trabalho, onde os trabalhadores, sector privado e Governo debateram os ajustes.
O Executivo reconhece que os ajustes feitos não são os desejados, mas “os possíveis” face à conjuntura socioeconómica, caracterizada por focos de terrorismo em alguns distritos de Cabo Delgado, eventos climáticos extremos que causaram mortes e destruição de infra-estruturas sociais e económicas e conflito geopolítico russo-ucraniano.
O facto é que a classe trabalhadora contesta os aumentos a olhar para o actual custo da cesta básica.
Para o economista Mukhtar Carimo, que falava no programa O País Económico da Stv Notícias, não há coerência na fixação dos salários mínimos.
Carimo entende que a fixação de salários deve passar pelo cruzamento de informação determinante no quadro da conjuntura económica, nomeadamente, a inflação e custo de vida.
“É preciso cruzar informações em várias vertentes, se cruzarmos a informação da inflação com estes aumentos, vamos concluir que não estamos a ser coerentes. Vamos pegar no fundamento da Organização dos Trabalhadores Moçambicanos (OTM), que usa como base de cálculo a cesta básica, o que vai verificar é que não dá para sustentar em 15 dias as despesas de uma família de cerca de cinco elementos”, explicou.
O facto é que as empresas apresentaram, durante as negociações, constrangimentos relacionados ao ambiente de negócios, que minam a sua capacidade de aumentar a remuneração dos trabalhadores.
Para o economista, esta posição levanta questionamentos. “Quero lembrar que este ´era o possível´ já vem há largos anos, cerca de três e os aumentos têm sido nessa dimensão, até ao teto máximo de três mil meticais e desta vez fomos até ao máximo de cerca de dois mil meticais”, disse.
A OTM, que falava nas celebrações do Dia Internacional do Trabalhador, propôs um salário mínimo de 30 mil Meticais para fazer face ao custo de vida. O economista considera que um ajuste nessa dimensão é impossível nas actuais condições conjunturais da economia moçambicana.
Entretanto, Mukhtar considera que a fixação de salários “sem coerência” evidencia que “alguém está a falhar nesse processo”.
“Temos casos extremos e extraordinários de possíveis guerras que afectam a economia mundial, e intempéries vão acontecer todos os anos no país. Nós já sabemos disso. Agora é preciso questionarmos o que o país está a fazer, o que o Governo vai fazer para que, nos próximos anos, não tenhamos esse resultado e digamos que os aumentos eram os possíveis. Questiono-me como é que os moçambicanos conseguem viver com o que auferem”, avançou.
Segundo o economista, o país vai continuar nesse ciclo vicioso se não se encontrarem outras formas de ser, estar e gerir o país. Com essa colocação, critica a não criação de condições para as empresas pagarem mais.
“Há países iguais a Moçambique, do terceiro mundo, com a mesma pressão do custo de vida, mas que têm salários melhores. As directrizes do Governo são a base fundamental para a alteração do cenário. Tudo parte das decisões que o nosso Governo toma, porque isto é em cascata. A partir das decisões que o Governo toma, todos os outros actores da cadeia irão seguir para que possamos ter melhores resultados. O Governo traça as directrizes, traça os caminhos e diz-nos como chegar lá”, explicou.
Segundo o economista, não é razoável que o salário mínimo no sector privado seja abaixo do salário mínimo da Função Pública, porque os trabalhadores partilham dos mesmos custos de vida.
“Ser funcionário público ou privado não me pode causar benefício ou prejuízo, porque as necessidades dos trabalhadores e famílias são as mesmas. Não faz sentido essa diferenciação.”
Analisando os quantitativos, o economista entende que, por exemplo, na banca, os aumentos poderiam ser maiores considerando o nível de produtividade que se registou ao longo do ano passado. E quanto aos sectores com a produtividade mais baixa, o economista julga que deve haver questionamentos sobre porque é que na agricultura, por exemplo, a produtividade continua a ser baixa. “Onde há mão-de-obra mais barata é onde mais ocorre investimento privado. As grandes indústrias correm para lá. Vou dar exemplo de Bangladesh. As indústrias de roupa mais renomadas estão lá. Aqui está um grande paradoxo. Moçambique tem das mãos-de-obra mais baratas do mercado, mas essas grandes indústrias não vêm investir em Moçambique. E desta forma, melhorar, nós somos um país apetecível, mas algo está a falhar. Não motivamos também que essas indústrias produzam nos níveis do que se vê na banca?”, questiona.