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Nova lei de descentralização, Um desafio para Moçambique (continuação)

A nova lei de descentralização 04/2019 de 31 de Maio está a provocar "agitação" que não era de se imaginar no seio dos moçambicanos. As competências atribuídas à figura do governador "eleito" pelo povo, nas eleições de 15 de Outubro de 2019 e as competências atribuídas ao Secretário de Estado nomeado no decurso do mês de Janeiro de 2020 por confiança política do chefe do estado levam o processo de descentralização ao centro de debate envolvendo políticos, académicos e membros da sociedade civil. Mas afinal porque tantos questionamentos na lei que já está em vigor?

Várias respostas podem ser formuladas, mas no meu entender e de muitos que estão interessados no sucesso deste processo, é sem dúvidas porque na presente lei de descentralização, o poder não reside no povo. Ou seja, o povo foi encontrado em contra pé. O povo foi "enganado" na medida em que foi chamado às urnas no dia 15 de Outubro de 2019 para votar, convicto de que o partido vencedor iria avançar com o seu cabeça de lista a cargo de governador para dirigir a província com plenos poderes de sempre, tal como aconteceu no último quinquénio.

O povo foi "enganado" sim, pós não passava pelas suas cabeças que o governador de província não teria plenos poderes de sempre e muito menos que os poderes mais relevantes estariam com a figura de secretário de estado, aliás a lei em vigor não foi divulgada o suficiente antes do processo eleitoral para as pessoas consumirem, e de forma consciente irem votar sabendo das competências de cada uma daquelas figuras.

A circular número 09 datada de 29 de Janeiro de 2020 do Ministério da Administração Estatal e Função pública assinada pela respectiva Ministra Ana Comoane, no seu primeiro ponto refere que, e passo a citar: "As cerimónias de Estado a nível de província são dirigidas pelo secretário de Estado na província". No segundo ponto refere igualmente que " a placa de identificação da viatura protocolar Governo de Moçambique deve ser usada na viatura protocolar do secretário de estado na província e cidade de Maputo", fim de citação.

Mas afinal quem representa o estado no seu verdadeiro sentido? Será a figura nomeada por confiança política do presidente da República ou aquele que embora tenha sido indicado por uma lista partidária tal como é o nosso regime jurídico, tenha sido democraticamente eleito pelo povo?

Do latino gubernatore, "governador é cargo político geralmente eleito, que detém  a autoridade máxima do poder executivo em uma Província, Distrito ou então estado de uma federação". Partindo desta dimensão, no nosso caso parece contrário, ou seja a figura do secretário de estado nomeado pelo Presidente da República é que detém a autoridade máxima de poder. Desde logo, no meu entender é uma verdadeira contradição com princípios democráticos, ou melhor, um verdadeiro desrespeito pelo povo, povo este que foi as urnas com expectativas de ver seu governador de província a representar o estado.

Roberto Dahl cientista político americano refere que "a democracia é representativa quando o povo governa através dos seus representantes eleitos em escrutínios". Toda via Dahl diz que  os regimes actuais não constituem na realidade uma poliarquia ou melhor governo de povo onde as formas de governo permitem a participação activa do povo na tomada de decisões, respeitando os direitos de todos os cidadãos e garantindo a liberdade individual.

Ora, no último quinquênio tínhamos no país uma assembleia eleita mas com um governador nomeado. As decisões da Assembleia provincial não eram vinculativas ao governador.  Hoje o cenário é paradoxal. Temos um governador legitimado pelo povo que o elegeu mas o mesmo não tem poderes, porque quem manda é a figura nomeada pelo chefe do estado. Mas afinal que democracia temos? O poder do povo para o povo, e com povo está aonde? Será que estamos perante uma não soberania da democracia ao nível de província? Eis as questões que deixo para reflexão.

Mas afinal, porque tanto interesse em atribuir a figura do secretário do estado de província nomeado poderes relevantes em detrimento do governador eleito?

Na abordagem do secretário-geral da Renamo que esteve em Quelimane no dia 30 de Janeiro de 2020 cuja reportagem foi exibida pela estação televisiva Stv no jornal da noite, este referiu que a nova lei de descentralização é contrária ao que seu partido tinha proposto através do seu falecido líder Afonso Dhlakama, quando reivindicava a governação das seis províncias alegadamente porque aquele partido teria vencido as eleições de 2014.

André Magibire explicou que tudo o que está a acontecer na presente lei visava ofuscar o exercício das funções dos governadores provinciais onde a Renamo sairia vitoriosa nas eleições gerais de 2019. Para ele, a lei apresenta conflito de competência. Na sequência avança que o seu partido vai analisar minuciosamente a lei e caso se note alguma anomalia, o partido vai avançar com o pedido de inconstitucionalidade de algumas normas no processo de descentralização em curso.
Já o Presidente da República no dia 31 de Janeiro a quando da abertura oficial do ano lectivo no distrito de Muembe província do Niassa também entrou no debate da coabitação entre os governadores eleitos e secretário do estado. O presidente Filipe Nyusi reconheceu que "por ser um modelo novo pode haver problemas, mas que devem ser resolvidos ao longo do processo para que o país avance". A abordagem do presidente da República no meu entender, deixa claro que a nova lei de descentralização pode não observar aspectos democráticos daí que temos estado a acompanhar os arranjos que estão a ser dia a pós dia anunciados pelo governo.

Lutero Simango membro do MDM falando no programa pontos de vista exibido no dia 02 de Fevereiro na Stv, referiu que a sua bancada na Assembleia da República, chamou atenção para a não criação de nova figura dentro de governação de província. A sua bancada segundo explicou, defendia que a criação de uma nova figura tal é o caso de secretário de estado, é anti-democratico e não aceitável e que ninguém deve limitar o exercício dos governadores provinciais eleitos.

Referindo-se aos poderes das duas figuras, defendeu que a única entidade que deve limitar poderes do governador são as assembleias provinciais e não despachos vindo do ministro da função pública e administração estatal. "A única saída é revisitar a constituição da república e delinear as coisas de forma correcta".

O protocolo do estado emitido sobre os procedimentos protocolares no âmbito de feriados nacionais ao nível de província indica no seu primeiro ponto que: "O secretário do estado  provincial é a entidade que dirige a cerimônia".

E qual o papel do governador de província? A única resposta que encontro na circular número 09 acima referido é de acompanhante. Ou seja, o governador que foi eleito pelo povo, durante as celebrações de feriados nacionais ao nível provincial  só irá a praça para também acompanhar as cerimónias tal como o povo pacato irá fazer.

 

 

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