Moçambique parou hoje para celebrar a passagem dos 45 anos da criação do Estado moçambicano, depois de 10 anos de ressurreição geral contra o colonialismo. Mas devido à pandemia do novo Coronavírus, que assola o país e o mundo, as festividades foram contidas e reservadas a um número bastante reduzido do que o habitual.
As cerimónias centrais tiveram lugar na Praça da Independência, em Maputo, e iniciou pontualmente às 9 horas, quando a escolta de gala, acompanhando o Presidente da República e sua esposa, chegou ao local e onde foi recebido pelos titulares dos órgãos de soberania. Conjuntamente e em marcha cerimonial, dirigiram-se até à cripta, onde depositou uma coroa de flores. Essa foi a primeira parte do evento.
A segunda parte foi marcada pela condecoração de 10 dos 175 galardoados em todo o país. Entre eles estiveram antigos combatentes e artistas, com destaque para a antiga Primeira-Dama, Marcelina Chissano, representada pelo marido Joaquim Chissano, João Ferreira, a cantora Mingas, o músico Moisés da Conceição, o artista plástico Naguib, entre outros.
No final, Filipe Nyusi dirigiu-se à Nação e deixou um apelo vigoroso para os moçambicanos, depois de recordar o trajecto trilhado pelos moçambicanos antes e depois de se unirem para combater o colonialismo, com destaque para o massacre de Mueda e o tratamento desumano e desprezível com que o regime tratava os moçambicanos “há quatro décadas e meia herdamos um país pilhado pelo colonialismo e devastado pela Guerra colonial, não deve haver pressa em esquecer os malefícios do colonialismo para que não sejamos presas fáceis dos manipuladores de consciência que a todo custo tentam branquear a história do presente” alertou.
Recorrendo às estatísticas, Filipe Nyusi percorreu os vários momentos que marcaram os 45 anos da independência dos sectores sociais aos económicos para mostrar o quão o país avançou e que o Moçambique de hoje nada tem a ver com o Moçambique herdado a 25 de Junho de 1975.
Na Educação, Filipe Nyusi recorreu ao exemplo da Universidade Eduardo Mondlane para mostrar o quão o sistema colonial era cruel, pois dos quase 2 mil estudantes que a mesma tinha matriculados apenas 40 eram moçambicanos e desde 1975 até hoje foram graduados por aquela instituição de ensino superior mais de 27 mil moçambicanos em diversos graus académicos do ensino superior. Outro destaque é que naquela altura só existia a UEM, mas hoje há 57 instituições de ensino superior com mais de 250 mil estudantes matriculados.
Mas os avanços foram notórios noutros subsistemas de ensino. “Em 1975 no ensino primário público Moçambique tinha 671 617 alunos da 1ª à 5ª classe e 20 427 alunos da 6ª à 7ª classe. No ensino secundário geral, no 1º ciclo tínhamos 4 597 alunos e 1 330 no segundo ciclo. Já em 2019, ano passado, o país tinha no ensino público quase 7 milhões de alunos nas escolas de EP1 e EP2, e mais de um milhão nas escolas secundárias públicas gerais do primeiro e segundo ciclo, este movimento foi acompanhado também com aumento do número de professores”, disse.
Ao nível da Saúde, Filipe Nyusi aponto que “nessa altura o país tinha apenas 171 médicos e hoje temos 2 056 médicos no Sistema Nacional de Saúde dos quais 99% são de nacionalidade moçambicana. Hoje o nosso SNS conta com 8 180 enfermeiros 6 175 enfermeiras de saúde materno-infantil, enquanto que em 1980 tínhamos 2 613 enfermeiros e apenas 457 enfermeiras de SMI. Em 1975 a taxa de cobertura das consultas pré-natais era 47% e hoje é de 115%. A cobertura dos partos institucionais passou de 29% para 85%. Com as campanhas nacionais de imunização bem como de pessoal especializado conseguimos reduzir a mortalidade infantil para 65.7% em 2020. A nossa esperança de vida subiu de 41 anos em 1975 para pouco mais de 60 anos actualmente”.
A agricultura foi igualmente apontada pelo Chefe de Estado como sendo um dos sectores que mais cresceu e tendo actualmente maior peso no Produto Interno Bruto e constitui a principal actividade de rendimento de quase 70% dos moçambicanos. “Fazendo uma comparação entre a campanha de 1976/77 e a campanha 2019/20 constatamos que a produção do arroz por exemplo, que em 1977 atingiu a cifra de 110 mil toneladas quadruplicou para 440 mil toneladas na recente campanha. Na mesma ordem o milho aumentou de 680 mil toneladas para mais de 2 milhões, a mandioca vários de 3 milhões para 16 milhões de toneladas, a banana cresceu em volume de 4 mil para 480 mil toneladas passando a constar como um dos principais produtos agrícolas de exportação”.
O abastecimento de água potável e a asfaltagem de estradas são outros serviços que demonstram o crescimento do país segundo o Presidente da República “a população com acesso a água canalizada passou de 4% em 1975 para 62% em 2019. Quando declaramos a independência apenas 620 mil pessoas tinham acesso a água potável hoje 18.3 milhões de pessoas têm acesso a este líquido vital. Com a asfaltagem de 5 930 quilómetros a rede classificada de estradas evoluiu em 2 154 km passando a ter uma extensão de 8 084 km de estradas revestidas cobrindo 26% do país”.
A electrificação também ganhou ímpeto através da construção de novas infra-estruturas de geração mas também com a reversão da Hidroeléctrica de Cahora Bassa que passou para o controlo do Estado moçambicano permitiram que mais pessoas passassem a ter acesso à corrente eléctrica situando-se em 32% de moçambicanos o que representa cerca de 1,6 milhão de moçambicanos ligados à rede nacional de energia eléctrica.
O Presidente da República percorreu ainda as mudanças estruturais na economia do país, desde o processo de nacionalizações devido ao abandono do sector produtivo pelos antigos colonos à adesão às Instituições de Bretton Woods, nomeadamente Banco Mundial e Fundo Monetário Internacional, respectivamente em 1984, bem como a introdução do Programa de Reabilitação Económica em 1987 que significou a passagem de uma economia centralmente planificada para a economia do mercado. Recordou ainda os processos de atracção de investimentos que culminaram com a entrada de multinacionais que permitiram a efectivação de projectos como a Mozal, a exploração do gás natural em Inhambane, da reactivação das minas de carvão mineral em Tete, das areais pesadas em Moma, da pesquisa e exploração de hidrocarbonetos na bacia do Rovuma, grafite, rubis entre outros minerais em Cabo Delgado.
Desafios da paz e estabilidade
Filipe Nyusi não se esqueceu no entanto dos maus momentos que marcaram os 45 anos da independência, desde os ataques dos regimes do Apartheid e da então Rodésia, actual Zimbábwè, assim como a Guerra civil dos 16 anos. Mas também os conflitos militares mais recentes com a Renamo, assim como a em curso com a Junta Militar da Renamo e os ataques terroristas no extremo norte da província de Cabo Delgado.
Apesar dessas situações os moçambicanos sempre procuraram caminhos da pacificação “como irmãos e guiados pelo espírito de diálogo em diferentes etapas e momentos, dando continuidade aos ciclos que nos antecederam fomos capazes de colocar um ponto final a esta página negra da nossa história, inaugurando um novo capítulo de paz, harmonia e concórdia no nosso país. Esta é a concretização do compromisso que assumimos perante vós de dialogar com todas as forças vivas da sociedade e trabalhar para o alcance e manutenção da paz”, disse.
Recordou ainda que o diálogo produziu entendimentos que conduziram o país a estabelecer o projecto da descentralização que está em curso “o novo paradigma de governação descentralizada assenta na firme convicção de que a descentralização é o melhor caminho para aprofundar a democracia, promover a inclusão, a transparência, a cultura de prestação de contas e levar a tomada de decisões perto do povo”.
Em relação aos entendimentos militares congratulou o facto de ter iniciado a 5 de Junho o processo de Desarmamento, Desmobilização e Reintegração dos Homens Armados da Renamo, tendo sido já desmobilizados 300 guerrilheiros num total de 5 mil que deverão estar totalmente reintegrados na sociedade até Junho de 2021 “é importante para os moçambicanos que o processo ocorra num ambiente de confiança, seriedade e celeridade” alertou Nyusi.
Em relação ao ataques terroristas nos distritos a norte de Cabo Delgado, Filipe Nyusi considera que “procuram inviabilizar as conquistas da nossa independência e travar a nossa marcha rumo ao desenvolvimento económico conducente à melhoria das condições de vida e bem estar do nosso povo” acrescentando preocupação com os ataques nas províncias de Sofala e Manica protagonizados pela auto-proclamada Junta Militar da Renamo e que denunciou ter apoio de alguns moçambicanos.
E para fazer face a estas duas frentes de combate “as nossas Forças de Defesa e Segurança continuam a dar o melhor de si nos teatros operacionais centro e norte, por isso curvamo-nos perante a sua bravura e heroicidade” disse pedindo ainda o apoio da população para neutralizar essas investidas militares contra o país e garantiu total apoio do Governo às Forças de Defesa e Segurança.
Políticos falam da importância da independência
Armando Guebuza
Antigo Presidente da República
Nos 45 anos de independência houve aumento e crescimento de infra-estruturas. São alguns exemplos. Isto não quer dizer que tudo que nós que gostaríamos que se realizasse se efectivou, porque as forças [alheia à vontade do povo] não querem a independência de Moçambique, não concordam com a nossa independência e atacaram o nosso ponto mais fraco que é a paz. E nós, desde a independência, queremos a paz. Então [essas forças alheias à vontade do povo] foram criando problemas à paz, o que fez o país recuar um pouco. Mas mesmo assim, temos coisas que são notórias e que demonstram que valeu à pena termos a independência e que nos estimulam a continuar a trabalhar para que nós vençamos aqueles que estão contra o desenvolvimento e contra a paz e o nosso povo continuar a ter o bem-estar que necessita. Ficámos independentes em 1975 e anos depois começámos em guerras que não favorecem aos moçambicanos, não são conduzidas por moçambicanos, mas [estes] são usados e eles participam no esforço de evitar a independência tal como nós queríamos. Portanto, a situação de Cabo Delgado, de Manica e Sofala é a expressão dessa atitude reacionária de alguns sectores. Para acabar com isso, temos que continuar a trabalhar. Não é o tempo que conta porque o tempo desgasta também, mas o certo é que são os esforços que temos que fazer e acreditar que nós podemos vencer. Aliás, nós moçambicanos temos muitas bases para nos estimularem a acreditar nisso. Temos 500 anos sob o completo domínio dos colonialistas portugueses e, agora, estamos há três [anos] com isso [ataques em Cabo Delgado e centro do país]. Nós vamos continuar. Tenhamos esta confiança. Não sejamos cépticos.
Verónica Macamo
Ministra dos Negócios Estrangeiros e Cooperação
A liberdade sempre soa uma conquista que não tem comparação, mas também um momento em que nós devemos reflectir sobre como fazer mais e melhor para que os moçambicanos possam ter mais e melhor porque a independência é muito importante. Mas ela deve ser consubstanciada por acções que tornem a vida dos moçambicanos cada vez melhor. Portanto, temos que arregaçar as mangas, temos que nos unirmos cada vez mais e fazer o que fazemos mais e melhor para o bem dos moçambicanos. Daqui para frente, o primeiro desafio é a paz. Quando olho para Cabo Delgado, o faço com nostalgia. Não faz muito sentido o que está a acontecer em Cabo Delgado. Nós somos um Estado laico e respeitamos a laicidade. Felizmente, não há ninguém que bate no outro ou machuca o outro porque escolheu uma crença diferente. A escolha da crença é um direito inalienável de cada um. Portanto, olho para este desafio como o maior porque não há desenvolvimento sem paz. A paz anda com o desenvolvimento e a guerra anda com a destruição. Temos que nos unir todos e combater [o que acontece em] Cabo Delgado, mas também temos que ultrapassar as descontinuidades que estão a acontecer no centro. Felizmente, o DDR está a andar bem, mas temos que continuar a trabalhar para que, efectivamente, cheguemos ao fim e dizer muito bem, já se cumpriu com o DDR, todas as pessoas estão desmobilizadas, reintegradas e a fazer a sua vida normal. Só posso desejar que o processo seja de sucessos e tenha êxito porque precisamos de paz. A paz para os mais novos terem a vida melhor do que nós.
Amade Miquidade
Ministro do Interior
É missão de todos os moçambicanos unir-se no combate a todos os males que ponham em causa a soberania nacional, a liberdade, a ordem, a segurança e tranquilidade públicas. Isto significa, em primeiro lugar, garantir as condições e todas as premissas para que o país possa registar a outra independência que é a económica porque a independência política já conquistamo-la e celebramos hoje. Mas a económica é um processo contínuo, permanente e que todos aqueles que sejam os inimigos da pátria moçambicana têm que saber que o povo moçambicano, unido de Rovuma a Maputo, do Zumbo ao Índico, está determinado em garantir que haja segurança no nosso país.
No que diz respeito à segurança e combate ao terrorismo, estamos bem, falando como ministro do Interior e membro das Forças de Defesa e Segurança (FDS). Os nossos jovens das FDS estão empenhados na luta contra o terrorismo, desferindo golpes após golpes contra os terroristas, trazendo uma certa liberdade, circulação de pessoas, fazendo com que os cidadãos voltem às suas zonas de origem. É um processo contínuo e complexo porque a actuação dos terroristas é feita de forma cobarde contra as populações civis.
Jaime Neto
Ministro da Defesa
O dia 25 de Junho, para mim, é dia de celebração da liberdade do povo moçambicano. Marca o início para materialização das conquistas do povo moçambicano. A partir dali, nós, os moçambicanos, começámos a tomar o destino da nossa pátria. Temos muitos desafios na área económica, social e manutenção da paz. Na zona centro há perturbação da paz e nós acreditamos que o povo moçambicano, tal como fez para a libertação da pátria, também vai trabalhar no sentido de debelar as fraquezas em termos de manutenção da paz que estamos a verificar no centro do país bem como no norte. O inimigo do centro é conhecido, o do norte não é conhecido, mas os moçambicanos, mais uma vez, estão a trabalhar no sentido de restituir o sossego em Cabo Delgado. Nos últimos dias, a acção das Forças de Defesa e Segurança têm sido para destruir a força inimiga e muitos lideres do grupo que está a combater-nos em Cabo Delgado foram mortos. Isso apraz-nos (…). O terrorismo se instala num país, não é uma coisa que logo a seguir vamos acabar, mas vamos empregar toda a nossa energia para resolver o problema de Cabo Delgado.
A acção dos terroristas não é só destruir bens e matar pessoas. Obviamente, raptam as pessoas para as acções macabras que estão a desenvolver. Então, é provável que esteja a acontecer isso [raptos], também já ouvi e acredito que as Forças de Defesa e Segurança vão continuar a trabalhar não só para libertar essas pessoas [raptadas] porque algumas já estão a sair das bases por causa do trabalho que estamos a desenvolver, mas também para evitar que novos raptos continuem a raptar as pessoas para alimentar as forças do terrorismo.