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Mulheres grávidas vítimas de violência nos hospitais enfrentam trauma  

Mulheres grávidas vítimas de violência nos hospitais, no período pré-parto, parto e pós-parto, enfrentam traumas. As vítimas afirmam que têm medo de voltar ao hospital, por conta dos maus-tratos que sofreram supostamente nas mãos dos profissionais da saúde.

São relatos assustadores. Relatos de mulheres que viram o sonho de ser mãe transformar-se num autêntico pesadelo. Do hospital, por sinal um local de onde esperavam soluções, não têm boas recordações, pois tiveram o azar de cair nas mãos erradas. Viveram momentos de terror. Um terror que hoje se transformou em trauma.

É nas mãos erradas que Júlia Manjate (nome fictício), de 25 anos de idade, passou uma das piores experiências da sua vida. Mal foi ao hospital para dar à luz, a emoção de ser mãe pela primeira vez não mais foi a mesma. Segundo conta, ficou horas a fio na sala de dilatação sem nenhum atendimento, até que foi levada à sala de parto.

Sucede que, de acordo com Júlia Manjate, as coisas foram piorando, na medida em que, mais uma vez, não teve nenhuma assistência, na altura em que mais precisava. Sem atendimento, viu o cenário agravar-se quando as outras parturientes, segundo ela, pagaram valores monetários a uma das enfermeiras para serem atendidas.

“Quando as minhas companheiras pagaram valores monetários questionei à enfermeira o que seria de mim, pois não tinha dinheiro. Ela simplesmente olhou para mim e disse-me que não me iria atender”, conta Júlia Manjate, ajuntando que implorou tanto pela ajuda, mas sem sucesso.

A vítima conta que ficou quatro a cinco horas a contorcer-se de dores, até que decidiu agir sozinha. Sem nenhuma experiência, uma vez que era mãe da primeira viagem, tentou dar parto sem nenhuma assistência.

˝Comecei a fazer força para ver se o bebé saía. Gritei toda a noite de tanta dor. A enfermeira simplesmente veio à sala de parto levou manta e foi dormir˝, explica a vítima. Mas porque o desejo de ser mãe pela primeira vez era tanto, Júlia Manjate nem sequer olhou para os riscos que corria.

˝Sentei em cima do pinico e entrei em trabalho de parto sozinha. À meia-noite a minha bolsa estoirou. De tanto esforçar-me perdi forças˝, disse a vítima. Explica que, quando a cabeça do fecto saiu, foi quando a médica apareceu. Como se não bastasse, a vítima, conta que a mesma ao invés de prestar ajuda, começou a lhe atirar com palavras injuriosas.

˝Não podes vir aqui provocar barulho e incomodar-me, porque não fui eu quem te engravidou˝, lembra-se Júlia Manjate. O tempo passa, mas o trauma e as mágoas continuam. Júlia Manjate vive traumatizada, por conta do que passou no Hospital Geral de Chamanculo.

˝Até hoje eu guardo mágoas. Quando eu voltei àquele hospital, o meu desejo era de ter-me encontrado com aquela médica. Infelizmente isso não aconteceu, tendo em conta que já não posso reconhecer˝, disse, acrescentando que ˝perdi a vontade de voltar a ser mãe˝.

 

O DESESPERO DE UMA MÃE

Quem também caiu nas mãos erradas é Celeste Carlos (nome fictício), de 26 anos de idade. Após ter dado à luz apenas teve pouco tempo para ver o rosto do seu filho, pois o mesmo foi levado ao berçário. Afinal seria a última vez.

Conta que no dia seguinte apareceu uma enfermeira a pedir para que ela fosse ao berçário para amamentar o bebé. A vítima conta ainda que um pouco depois apareceu uma outra médica. O que não imaginava é que ela era portadora de uma notícia que não gostaria de ouvir.

˝A enfermeira disse-me que o bebé estava morto˝. Desesperada, Celeste Carlos teve de chamar a família para lhe ajudar a resolver o problema.

˝Quando o meu tio chegou não aceitaram-lhe mostrar o bebé˝, afirma, explicando que de seguida a mãe foi à morgue, pois segundo a informação que tinha, o bebé estava lá. Foi, no entanto, uma tentativa fracassada.

“Minha mãe tentou pegar o pulso do bebé para confirmar o meu nome, todavia não lhe permitiram˝, disse. Celeste Carlos é hoje uma mulher amargurada e tudo o que ela quer é que lhe devolvam o bebé, caso esteja vivo.

“É desumano alguém ficar nove meses para depois perder o bebé nessas circunstâncias. Como se não bastasse, não foi um parto normal˝, explica. À semelhança da Júlia Manjate, Celeste Carlos também enfrenta, no seu dia-a-dia, os efeitos do trauma. Afirma, inclusive, que tem medo de voltar à maternidade, sobretudo do Hospital Geral José Macamo, onde sucedeu o caso.

 

VÍTIMAS PRECISAM DE TRATAMENTO

A violência obstétrica é tida como um tipo específico de violência contra a mulher, onde geralmente ocorre alguns atropelos dos direitos da mulher grávida em processo de parto, incluindo a perda da autonomia e a decisão sobre o seu corpo, factos esses que muitas vezes têm causado sofrimento psíquico irreversível na mulher.

O psicólogo Nilton Chiziane explica que, a violência contra a mulher, independentemente do seu tipo, causa um impacto psicológico na saúde física, mental e social. Explica ainda que o trauma reflete-se seriamente na saúde mental da mulher, principalmente vivenciado em momento de parto e/ou pós-parto, este último considerado psicologicamente como turbulento e vulnerável para a gestante e o bebé.

Segundo Nilton Chiziane, a violência sofrida por essas mulheres pode trazer consequências psicológicas graves, com destaque para as fragilidades e instabilidade emocional. Afirma ainda que, pode também causar transtornos psicológicos, como depressão pós-parto, angústia, medo e tristeza. Para o efeito, Nilton Chiziane observa que para as vítimas vencerem o trauma, é necessário que sejam submetidas a um tratamento com psicoterapia e ajuda de grupos de apoio.

“Na psicoterapia ela poderá trabalhar melhor essas questões e, no grupo de apoio, ela vai poder observar que outras mulheres também passaram por isso e identificar como é que elas fizeram para superar esse mal”, explica.

Alerta que é preciso respeitar o direito que a mulher tem, como por exemplo, o mais alto padrão de saúde possível, incluindo o direito a um cuidado digno e respeitoso durante a gravidez e parto.

 

SOCIEDADE CIVIL INDIGNADA

No mês passado, quarenta organizações da sociedade civil manifestaram preocupação e protestaram contra a violência e tratamento desumano a que mulheres estão submetidas no período pré-parto, parto e pós-parto nos hospitais do país, aliado ao desaparecimento dos bebés.

A maior parte das queixas chega da Cidade e Província de Maputo. Só no último semestre deste ano, as organizações da sociedade civil registaram cerca de 15 denúncias de violência protagonizadas por profissionais de Saúde contra os gestantes e as suas parturientes. Destas, seis ocorreram no Centro de Saúde de Ndlavela, três no Hospital José Macamo e sete no Hospital Provincial de Maputo.

As organizações da sociedade civil exigem, por isso, uma intervenção das autoridades da Saúde para investigar os casos reportados e responsabilização criminal. Aliás, sobre responsabilização criminal, as quarenta organizações que fazem parte do Observatório da Mulher prometem depositar uma queixa-crime junto à Procuradoria-Geral da República. Entretanto, as autoridades de saúde ainda não se pronunciaram sobre o caso.

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