Nos últimos dias, o mundo está de olhos na cimeira do Clima de Sharm El Sheik, no Egipto. São cerca de 200 Chefes de Estado e de Governo reunidos para discutir medidas de redução da emissão de gases com efeito estufa, que estão na origem da subida da temperatura no mundo, originando as alterações climáticas.
Para muitos, as mudanças climáticas são apenas um mito. No entanto, aqueles que sentem os efeitos na pele sabem que são reais. Por isso, este é um tema que ainda não é levado muito a sério em vários sectores, principalmente em países em desenvolvimento, como Moçambique.
Muitos acreditam que Moçambique e outros países pobres têm de conseguir uma licença para continuar a poluir em troca do desenvolvimento, porque foi assim que se desenvolveram os países mais poluentes.
Esta visão é problemática, porque o planeta terra já não aguenta mais poluição e, como resposta, surgem as mudanças climáticas, cujos efeitos são cada vez mais frequentes e violentos para todos nós.
Os países pobres, como o nosso, têm de procurar formas de se desenvolver em termos ecológicos, adiantando-se, tornando as suas economias menos poluentes, porém altamente rentáveis. Isso é possível!
Para um país ser rico não depende exclusivamente da exploração de combustíveis fósseis ou de outros recursos que tendem a prejudicar a vida do ser humano. Usando o raciocínio, é possível ter uma economia mais competitiva, amiga do ambiente e resiliente aos efeitos das mudanças climáticas.
Moçambique é dos poucos países que pode, rapidamente, fazer a transição para a economia verde, enriquecer e tirar milhões de pessoas da pobreza. Para tal, é preciso aproveitar as cimeiras do clima para negociar com os países ricos e mais poluentes, de modo a pagarem-nos ou a indemnizarem-nos pelos estragos que causam ao planeta. Esse pagamento tem de ser usado para a verdadeira transição de que precisamos.
Ora, quando se fala das mudanças climáticas, Moçambique não é apenas vítima. O nosso país é dos grandes poluidores. Um estudo realizado pelo então Ministério da Terra, Ambiente e Desenvolvimento Rural (MITADER), que avaliou o desmatamento no país, entre 2003 e 2016, indicou que deitamos abaixo, anualmente, 269 mil hectares de floresta.
Isso é apenas um quarto do desmatamento ocorrido ano passado, no Amazonas, e que deixou o mundo em alerta máximo. É apenas um terço de toda a área que ardeu na Europa este ano. O mais intrigante é que 86% dessa área é desmatamento feita pela agricultura itinerante, ou seja, familiar. E só 13% corresponde ao desmatamento causado pelo sector da indústria madeireira – vale lembrar que a agricultura é responsável por cerca de 25% das emissões de carbono.
Dados do Centro de Informação de Ciências Climáticas indicam que, anualmente, Moçambique emite para a atmosfera 111 milhões de toneladas de gases com efeito estufa, o que representa cerca de 10% das emissões da China, que é o país que mais polui no mundo, com 10 mil milhões de toneladas por ano. A China tem um PIB anual de 17,73 triliões de dólares, enquanto Moçambique produz apenas 15 mil milhões. Ou seja, temos um PIB mais de mil vezes menor que o da China, no entanto, poluímos 10% do que eles poluem. Ainda segundo o Centro, acima citado, é mesmo com a destruição de florestas e a agricultura que mais poluímos. O desmatamento emite 75 milhões de toneladas de carbono enquanto a agricultura e a pecuária, juntas, mandam para atmosfera um total de 18 milhões de toneladas de gases poluentes.
Cientistas entendem que a floresta está directamente ligada às mudanças climáticas e os dados de Moçambique provam isso. Muitos cientistas defendem que não basta cortar a emissão de gases poluentes, é preciso tirar o carbono que está na atmosfera. E só as árvores é que podem fazer isso de forma eficaz. O que significa que, ao cortar mais árvores, estamos a tirar a capacidade de o planeta reduzir o aquecimento global. Plantar mais árvores é a solução que a humanidade tem à sua disposição para combater as alterações climáticas. Por isso, na anterior cimeira de Glasgow, essa foi a principal recomendação: plantar mais florestas e reduzir drasticamente o desmatamento.
Por um lado, através da fotossíntese, as árvores retiram da atmosfera o dióxido de carbono, libertam o oxigénio e enviam o carbono para o solo, onde desempenha um papel fundamental: alimentar os triliões de microrganismos que têm a função de degradar a matéria orgânica e fornecer nutrientes e imunidade às plantas.
Por outro lado, as árvores, através da transpiração, garantem a humidade do ar, bem como 40% da chuva que cai no planeta. Os outros 60% vêm dos oceanos, rios e lagoas, através da evaporação. Estes dois processos, fotossíntese e transpiração das árvores, têm uma grande influência sobre o microclima, estabilizando as temperaturas e garantindo a regularidade das chuvas.
Segundo o estudo do MITADER, citado acima, as províncias com maior índice de desmatamento em Moçambique são Manica, Nampula e Zambézia. Sofala, Tete, Cabo Delgado e Niassa estão com desmatamento moderado, e com menor índice estão as províncias do Sul.
Nos últimos cinco anos, as províncias de Sofala, Manica, Nampula, Zambézia, Cabo Delgado e Tete ressentem-se, frequente e violentamente, dos desastres naturais, que, de forma repetitiva, afectaram quase 4 milhões de pessoas e mataram outras mil.
Cresci a ouvir que Madagáscar servia como uma barreira contra ciclones para Moçambique, porque, sempre que houvesse um ciclone a formar-se no Oceano Índico, passava por aquela ilha e perdia forças quando entrasse no Canal de Moçambique. Hoje em dia, já não é bem assim. Antes pelo contrário, os ciclones até ganham forças. Segundo os meteorologistas, é a alta temperatura das águas do mar que causa os ciclones.
Segundo um estudo feito por climatologistas dos EUA, os maiores ciclones que já se abateram pelo planeta terra aconteceram num cenário de temperaturas altas. Pelo que alertam: se a humanidade não tomar medidas para baixar a temperatura, haverá mais ciclones e, cada vez mais violentos.
É cada vez mais consensual entre os cientistas que a floresta pode ajudar-nos a baixar a temperatura do planeta terra, claro, o que deve ser combinado com a redução da emissão dos gases com efeito estufa.
Mesmo para reiterar a importância das árvores/florestas e da agricultura na redução da temperatura, convido aos leitores a verem o documentário “Kiss the Ground”, na Netflix, onde o cientista norte-americano Ray Archuleta, com recurso a imagens retiradas dos satélites da NASA, mostra a concentração dos gases com efeito estufa depois das colheitas. Igualmente, mostra como essa concentração dos gases baixa drasticamente após as sementeiras e durante o período em que as culturas agrícolas se desenvolvem.
Retomando, a ideia da transição da economia verde, passível de ser adoptada por Moçambique, pode ter fundamento no facto de que a agricultura é a base de desenvolvimento do país e a principal fonte de renda para 75% a 80% da população.
Actualmente, o modelo de produção dessa agricultura familiar está completamente exposta aos efeitos das mudanças climáticas, que, para além de destruir os campos agrícolas, através de ventos fortes, inundações e/ou secas, propiciam a proliferação de pragas e doenças que destroem milhares de hectares de diversas culturas. Isso aliado à enorme dificuldade de acesso a pesticidas e outros insumos por parte desses agricultores, além da degradação dos solos por erosão ou uso intensivo de agroquímicos.
Essa é uma realidade nua e crua em Moçambique.
Soluções?
Há várias. Mas é uma conversa para a qual ainda me parece que não estamos preparados. A actual política pública de desenvolvimento da agricultura passa pela distribuição de milhares de tractores aos camponeses, o que significa que, nos próximos anos, a área desmatada vai aumentar. Só se usa tractor numa área sem árvores, para além de que revolver a terra com recurso a estas máquinas é uma das formas de tirar o carbono armazenado no solo para a atmosfera, o que concorre para agravar os efeitos das mudanças climáticas.
Ademais, penso que com um estudo aprofundado podemos, com certa surpresa, descobrir que um número considerável dos tractores distribuídos pode não ter sido usado e, se tiver, as áreas que lavraram ficaram inundadas e/ou as culturas foram perdidas.
A solução, a meu ver, passa por Moçambique adoptar a Agricultura Sintrópica e/ou Agricultura Regenerativa, com resultados positivos em vários cantos do mundo, quer para a adaptação da agricultura familiar, quer no aumento significativo da renda dos camponeses. As duas formas de agricultura geram abundância e diversidade de produtos agrícolas e reduzem, drasticamente, a dependência por agroquímicos: na fertilização e no combate a pragas e doenças. Por exemplo, uma família que produz em Sistema Sintrópico, numa área de um hectare, consorciando café, hortícolas, leguminosas, cereais, frutas e espécies florestais nativas, tem potencial para ter duas ou três vezes mais rendimento do que aquela família que desmata cinco hectares e planta apenas o milho (é uma experiência que pessoalmente estou a fazer em Manica).
Este modelo tem potencial para parar o desflorestamento (recuperar terras que as famílias deixaram de usar por esgotamento, por sucessivos anos de más práticas agrícolas), combater as queimadas descontroladas e, sobretudo, proteger estas famílias dos efeitos das mudanças climáticas. Por se tratar de pluricultura e não monocultura, em caso de ciclone, podem perder uma parte das culturas de porte mais elevado, mas as de porte baixo vão resistir e vão garantir a segurança alimentar.
É com enorme satisfação que vejo que grandes projectos de agricultura comercial, em Moçambique, estão a começar a adoptar este modelo de produção. É o caso dos projectos de café, em Chimanimani e Gorongosa, e o algodão em Nampula e Niassa, pertencentes ao Grupo João Ferreira dos Santos. Mas é preciso que o Governo adopte como política pública.
A pecuária também pode adoptar modelos de produção amigos do ambiente e bastante rentáveis como a Integração Lavoura, Pecuária e Floresta, em que nas áreas de pasto se plantam espécies florestais em consorciação com a produção de grãos (milho e soja, por exemplo) e a própria criação gado.
Só se adoptarmos estas práticas, teremos potencial para melhorar a renda de 75% a 80% da população moçambicana. Isso significa tirar essa gente da linha da pobreza, usando o princípio da economia verde e ecológica. Significa diversificar a economia, porque os camponeses com mais recursos vão aumentar o seu consumo de bens e serviços, atraindo outro tipo de actividades económicas para as zonas rurais. Se este ciclo funcionar, a educação, a saúde, a água, a energia, as telecomunicações e outros serviços públicos de qualidade vêm automaticamente. Porque quem tem dinheiro vai procurar sempre o melhor para si e para os seus, tal como explica a Teoria das Necessidades de Maslow.
Portanto, acredito que é possível uma Nação desenvolver-se adoptando um modelo de sustentabilidade ambiental, social e económica. Caso contrário, estamos a caminhar para o suicídio colectivo e para o fim da humanidade. E sem humanos, o planeta terra sabe como se auto-curar e não irá desaparecer.