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Moçambique continua a ser o primeiro parceiro de Portugal na cooperação para desenvolvimento

Por: Eduardo Quive

Na sua primeira visita a Moçambique, na qualidade de Presidente do Camões, Instituto da Língua e da Cooperação de Portugal, Ana Paula Fernandes conheceu, no terreno, os programas desenvolvidos em parceria com instituições nacionais nas diferentes áreas. Com um plano de cooperação orçado em cerca de 170 milhões de euros, durante cinco dias, com escalas em Maputo, Sofala e Nampula, Ana Paula Fernandes vislumbrou os passos dados e o que está por realizar, nas áreas da Língua e Cultura, Educação, Infra-estruturas e Empreendedorismo.

 

 Esta visita a Moçambique, a primeira que faz desde que ocupa o cargo. Valeu pelo contacto directo com os desafios que o país enfrenta?

 

O Camões é um instituto que é responsável pela cooperação portuguesa, pela promoção da língua portuguesa no estrangeiro e também por toda a acção cultural externa. Nesse sentido, a minha visita centrou-se nesses três pilares. No primeiro dia, muito vocacionado para a questão da língua portuguesa e da cultura, porque tivemos a oportunidade de assinar, com a Universidade Eduardo Mondlane, um protocolo de colaboração que enquadra o Centro de Língua Portuguesa e também oferecemos ali um reforço da Cátedra, uma aposta também na formação para professores. Portanto, uma óptima reunião que tive com o Sr. Reitor. Também tivemos a oportunidade de inaugurar aqui a exposição dos 50 anos do 25 de Abril. Na Beira tive a oportunidade de inaugurar a mesma exposição no Centro Cultural do Camões. E foi muito importante fazermos isto, termos a capacidade de mobilizar recursos e apoio necessários para fazermos esta exposição também fora de Maputo.

Ainda na Beira, aí também estivemos a visitar o polo da Escola Portuguesa na Beira. Há vontade em podermos aumentar a capacidade de resposta para a quantidade de alunos. Neste momento, há cerca de 300 já na lista de espera e há toda a disponibilidade do nosso lado para trabalharmos no sentido de encontrarmos uma solução para aumentar a capacidade da Escola Portuguesa na Beira.
Depois fui fazer uma parte da cooperação, que é outro dos pilares do nosso trabalho.
E aí visitei todo o trabalho que estamos a fazer com as autoridades moçambicanas na Ilha de Moçambique, os vários projectos que temos nos diferentes eixos estratégicos, na área da Educação, no empreendedorismo, também na reabilitação urbana, com diferentes parceiros portugueses, como a UCCLA, a Fundação Aga Khan, a HELPO, etc. Uma grande parceria entre entidades moçambicanas e entidades portuguesas que constitui este grande desafio que é o cluster de cooperação na Ilha de Moçambique.
Mas também há actividades já desenvolvidas em Lumbo, aliás, como também foi identificado pelas autoridades moçambicanas, como uma necessidade também de criar infra-estruturas no Lumbo. E aí tivemos a oportunidade de inaugurar uma escola e também uma nova infra-estrutura no centro de saúde. Portanto, estamos a participar neste processo de crescimento e desenvolvimento de Moçambique, sempre indo ao encontro e sempre em colaboração com as autoridades moçambicanas, que são as que definem as prioridades e, obviamente, as linhas de actuação.

A inauguração do Centro de Língua Portuguesa na Universidade Eduardo Mondlane vem abrir uma nova página na cooperação? Que actividades este centro vai desenvolver?

A língua portuguesa é falada por 260 milhões de pessoas. Há a língua portuguesa falada em Portugal, há a língua portuguesa falada em Moçambique, no Brasil, em Angola, em todos os outros países da CPLP. É muito importante valorizarmos essa língua também em Moçambique, porque é efectivamente uma forma de valorizarmos o conhecimento dos escritores moçambicanos e aquilo que está escrito em Moçambique (em matéria de investigação na área da língua, o que também inclui a importante componente inerente à formação de professores). Portanto, o Centro de Língua Portuguesa tem, neste momento, a possibilidade de fazer formação de professores. A universidade é o centro de excelência para a investigação, para os estudos. Esta possibilidade de formalização do Centro de Língua Portuguesa contribuirá para que haja mais alunos a estudarem a língua portuguesa, a estudarem os escritores moçambicanos, a fazerem também as suas dissertações de mestrado e teses de doutoramento sobre esses escritores. Portanto, enriquecer, apostar e investir na cultura é também muito importante para o nosso desenvolvimento e para partilha de conhecimento entre povos. Isso é parte da cooperação. A língua, a cultura e a cooperação estão sempre interligadas.

Que acções se esperam com a renovação do protocolo para o apoio à Cátedra de Português Língua Segunda e Estrangeira, da Universidade Eduardo Mondlane?
Nós, os países da CPLP, temos investidos muito em projectos de excelência em matéria de conhecimento da língua em diferentes países. Com a Cátedra e também com o Centro de Língua Portuguesa estamos a potenciar a capacidade de conhecermos mais e de criarmos mais conhecimento sobre aquilo que também escrevem em Moçambique, a investigação e também a publicação, a crítica e os estudos feitos por moçambicanos sobre a língua portuguesa que se fala em Moçambique. É muito importante disponibilizarmos o conhecimento ao mundo, compartilharmos esse conhecimento para valorizarmos a língua. Há três componentes fundamentais para uma língua ser valorizada: ser falada e escrita, ser conhecida e estudada e ser publicada nos diferentes formatos que possam existir. Portanto, a Cátedra e o Centro de Língua estarão presentes nestas três grandes dimensões e daí a sua importância.
Temos muita honra que a Universidade Eduardo Mondlane tenha aceite este desafio no seu centro de línguas.

Tem-se dito que há uma Beira antes e uma depois do Ciclone IDAI. Estão visíveis as mudanças uma vez que visitou o Hospital Central?

Nós sempre apoiamos Moçambique nestes diferentes ciclones que tem vivido. Tivemos a oportunidade de visitar o Hospital Central da Beira, que também é um parceiro com quem temos obras, através de várias organizações que têm estado a apoiar, com o financiamento da Cooperação Portuguesa, a reabilitação pós-ciclone. O hospital foi muito afectado pelo ciclone e nós temos estado, como Cooperação Portuguesa, a responder às necessidades do hospital central, que serve cerca de 9 milhões de pessoas. Concentrámos aí muito esforço de reabilitação e de apoio à resposta.

Na província de Nampula visitou programas realizados com apoio da Cooperação Portuguesa. Que resultados está a ter o Cluster da Cooperação Portuguesa na Ilha de Moçambique?

Estamos a implementar a terceira fase de um grande projecto de cooperação que envolve uma parte do empreendedorismo, com apoio a um grupo de mulheres e associações de mulheres que produzem peças de artesanato e as artes da Ilha de Moçambique, para que elas sejam integradas. Portanto, para que crie dinâmica de valorização do património através da venda de artesanato e também de melhoria de condições de vida. Há uma parte que é feita com a UCCLA, que é uma entidade que reúne as cidades e tem toda esta valência de capacidade de planeamento urbano. Aí contemplamos a reabilitação dos bairros, a organização das comunidades nos bairros. Não só o saneamento, mas também as infra-estruturas, o acesso à água. Temos as entidades que nos apoiam na questão das bibliotecas, como um lugar para desenvolvermos a abordagem das histórias pelo conto e o conto pelas histórias. Depois visitamos a fortaleza, onde também há, neste momento, pensada a reabilitação da capela.

 

Qual será a próxima fase no projecto de cooperação para a Ilha de Moçambique?

Em termos de eixos estratégicos, vamos fazer agora a avaliação da terceira fase deste grande plano de cooperação na Ilha. Vamos avaliar o impacto das diferentes áreas e vamos nos concentrar em determinados eixos, um dos quais, desde logo, a Educação, porque temos um projecto também com a Helpo, nas escolinhas, que consiste em fortalecer toda a dinâmica educativa. Vamos reforçar o apoio aos jovens para o empreendedorismo e para a criação de emprego. Uma parte grande da cooperação tem que ver com infra-estruturas, com saneamento e com a sustentabilidade da energia e do ambiente. Será essa a próxima fase da colaboração na ilha, sempre com esta dinâmica de valorização do património, acesso aos serviços de Educação e também capacidade de gestão urbanística que permite melhorar as condições de vida das pessoas.

Numa altura que se celebra os 50 anos do 25 de Abril, que foi também importante para a independência de Moçambique, como vê os direitos humanos e as liberdades no país?

A nossa relação com Moçambique, ao longo dos anos, tem sido sempre excelente!
Portugal estará sempre presente quando necessário, obviamente, e quando solicitado.
O que é importante na história é não repetirmos os erros do passado e aprendermos com os nossos erros para construirmos um futuro, e um futuro sempre melhor. Portanto, é muito importante olharmos para os 50 anos do 25 de Abril como essa oportunidade para reflectirmos sobre o que correu mal no passado, em termos históricos, mas também para reflectirmos sobre aquilo que correu bem, no qual devemos apostar. Melhoraremos sempre e faremos sempre mais e melhor, e isso é o processo histórico. Hoje temos que pensar a liberdade e a democracia no presente e no futuro. A Educação é uma ferramenta fundamental para construirmos sociedades livres, educadas, que saibam decidir e daí a necessidade de continuarmos a apostar na educação. Penso que o governo moçambicano também está à procura de parceiros para essa área, que é uma área que considera fundamental. A Educação é fundamental em Moçambique e em Portugal. É um investimento que tem que ser diário, constante, permanente e sustentável. E temos que ir ajustando a Educação às necessidades também dos jovens e às expectativas dos jovens, para que, efectivamente, os jovens continuem a conhecer a História, o que se passou no passado para poderem valorizar o presente e construírem o futuro.
Uma sociedade que esquece o seu passado, obviamente, é uma sociedade que perde parte da sua identidade. Se nós não reconhecemos essa identidade e não construímos e investimos nessa identidade, mais dificilmente somos capazes de pensar o nosso futuro. Esse é um desafio global, é um desafio dos Objectivos de Desenvolvimento Sustentável, muito bem colocado pelas Nações Unidas como um objectivo central do desenvolvimento, é um desafio entre sociedades como as sociedades europeias e como a sociedade portuguesa e, portanto, é um desafio para todos. E nós temos muito gosto de estarmos juntos com Moçambique para tentar encontrar as melhores soluções para continuarmos a investir na Educação desde a infância.

E porque fala em Educação, Portugal tem sido importante na oferta de bolsas para formação em várias áreas. Como é que estão esses programas e que planos tem para que cheguem a mais pessoas, tendo em conta a crescente procura e necessidade?

Temos vindo, todos os anos, a aumentar paulatinamente as bolsas em Moçambique.
Neste momento, estamos com, penso, 75 bolsas para Portugal, quando eram cerca de 50 bolsas no ano anterior. Portanto, temos vindo a crescer paulatinamente, em termos de disponibilidade. Fizemos uma alteração ao regulamento das bolsas, de forma a incluirmos, por exemplo, algo que não existia antes, que são os subsídios para habitação, porque reconhecemos a dificuldade. Por exemplo, de encontrar habitação em Portugal. Aumentamos o valor das bolsas e aumentamos o número de bolsas disponíveis. Além disso, temos também bolsas para a área da cultura, da investigação, e estamos também disponíveis para, em cooperação com as autoridades nacionais, identificar as áreas em que será necessário continuar a promover as bolsas e as áreas em que deveríamos eventualmente oferecer novas bolsas.

A cultura é uma área muito importante! O investimento em arte, cultura e música é tão importante quanto a Medicina e a Educação. O que é fundamental é que haja também condições em Moçambique para que as pessoas possam trazer benefícios aos seus estudos e, nesse sentido, as bolsas que nós denominamos bolsas internacionais são igualmente importantes como as bolsas para os estudantes moçambicanos irem estudar para Portugal, seja em licenciatura, mestrado ou doutoramento.
Em termos de volume, superamos, assim, financeiro para todos os países da CPLP. É um trabalho que temos de continuar a fazer, porque consideramos que traz muitos benefícios para quem estuda e também para a sociedade em geral.

Em geral, qual é o ponto de situação da Cooperação Portuguesa em Moçambique e do Programa Estratégico de Cooperação (PEC) de 2022-2026? Quando estamos à metade e tendo em conta as realidades que mudam, quais são as perspectiva?

Nós estamos num momento de transição, em Portugal. Tivemos, esta semana, a tomada de posse do novo governo, e, portanto, há aqui uma necessidade de falarmos com a nova tutela. Como nós dizemos, avaliar e comunicar um pouco aquilo que é o ponto de situação relativamente a essa cooperação. As linhas principais continuam a ser o investimento na Educação. Foram essas as linhas que foram acordadas no âmbito do PEC. É muito importante o investimento em património e cultura, empreendedorismo e também em toda aquela colaboração que existe em matéria de segurança e desenvolvimento, em matéria de cooperação técnico-policial. Há aqui uma série de áreas que continuam a ser uma constante da relação entre Portugal e Moçambique. O que às vezes pode ajustar é o investimento de ano para ano. Moçambique continua a ser o primeiro parceiro em termos de volume financeiro de Portugal, nesta área de cooperação para o desenvolvimento, com um PEC total de 170 milhões de euros, que foi reforçado, como sabe, até por apoio ao orçamento para efeitos também de iniciativas de implementação e também na parte humanitária, por causa dos ciclones.
Portugal tem procurado muito apoiar Moçambique na situação em Cabo Delgado. Nós contribuímos com um milhão de dólares para a OCHA, para o apoio à ajuda humanitária em Cabo Delgado, em Dezembro do ano passado. Continuaremos a fazer, sempre que necessário, esse reforço do apoio humanitário. Mas, além do apoio humanitário, estamos também com a União Europeia num projecto chamado Mais Emprego, para criarmos emprego para os jovens. Ao mesmo tempo que estamos a dar a resposta humanitária, estamos a procurar, com a União Europeia, ter uma resposta às expectativas dos jovens e à dimensão de criação da sua própria sustentabilidade financeira e económica e melhoria das suas condições de vida, para podermos dar resposta às suas expectativas, o que é muito importante em Cabo Delgado. Isso será sempre uma área, nestes próximos tempos, até que a situação, esperemos, esteja resolvida.
A minha missão desta vez não foi fazer um ponto, situação, projecto a projecto. Foi, realmente, conhecer as dinâmicas presentes. Espero vir em breve para visitar outros projectos, também noutras regiões de Moçambique, em que colaboramos com as autoridades moçambicanas para podermos, depois, fazermos essa avaliação.

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