O trimestre está quase a terminar, mas nem todas as crianças têm acesso ao livro escolar no país. Mesmo assim, nenhum governante a nível central veio a público, por iniciativa própria, para explicar à sociedade o que está a acontecer, pelo que o jornal “O País” teve de ir à busca de respostas. Na sua primeira reacção, Carmelita Namashulua distanciou-se de possível culpa pelo atraso.
Enquanto o Ministério da Educação e Desenvolvimento Humano não se organiza, no terreno, os professores viram-se como podem. Viram-se também os alunos que não vêem as cores dos livros nas suas mochilas. Os que têm sabem que devem partilhar. Assim, vai o Ensino Primário num país onde era suposto que o livro fosse gratuito e de acesso a todas as crianças.
Na Escola Primária do 1º e 2º graus da Machava Sede, encontramos António Tembe, aluno da 7ª classe. Ele, tal como outros tantos da sua escola, faz parte das estatísticas dos que não têm livros. O aluno diz que o mais difícil é quando tem o trabalho de casa, vulgo TPC.
Para fazer frente a essa situação, alguns pais e encarregados fazem sacrifícios, comprando livros para os seus filhos. É o caso de Manuel da Silva que frequenta a 7ª classe; os seus pais conseguiram comprar dois dos quatro livros que deveria ter.
Na Primária 12 de Outubro, em Nkobe, a situação repete-se. Já na Escola Primária do 1º e 2º Graus da Machava Km 15, há livros para a 1ª, 2ª 5ª e 7ª classes. “Mas, temos problemas de livros da terceira e quarta classes, sendo que o problema é maior na terceira”, disse João Chirinda, director pedagógico da escola.
Associado a esse problema, está outro maior que pode afectar o processo de assimilação dos conteúdos. “É complicado trabalhar com alunos dessa faixa etária sem livros. Sabemos que a 3ª classe depende muito do livro e, sem ele, é muito complicado trabalhar”, reiterou.
ESCOLAS SEM LIVRO DA 6ª CLASSE
É muito complicado lidar com as sextas classes, pois, a partir de 2022, esta classe passa a ser leccionada por um único professor, mas, até hoje, o MINEDH ainda não distribuiu o manual para os alunos. A nossa reportagem passou por várias escolas da Cidade e Província de Maputo e todas não tinham o livro.
Na Escola Primária da Zona Verde, encontramos Helena Chirindza, a gerir uma turma de 58 alunos da 1ª classe. À nossa equipa disse que sempre tem feito o exercício de memorizar os nomes dos alunos, “pois só assim é que podemos alcançar as nossas metas. Só assim é que podemos saber as deficiências e os pontos fortes de cada aluno”, explicou.
Além desse exercício, teve um outro – arrancar o ano lectivo sem livros. “É difícil, mas tivemos que fazer esforço para que as aulas pudessem decorrer, porque, se ficássemos à espera do livro, não teríamos avançado.”
GOVERNANTES PRESSIONADOS A FALAR
Desde o início do ano lectivo, nenhum membro do Governo, a nível central, nem mesmo a ministra da Educação e Desenvolvimento Humano veio a público, por iniciativa própria, explicar aos moçambicanos o que está a acontecer. O trimestre está prestes a terminar e, porque nenhum governante tomava iniciativa, nem os 250 deputados presentes na Assembleia da República, o “O País” foi à busca de respostas. Foi justamente à saída do Parlamento que interpelamos o Primeiro-Ministro que defendeu que a situação “se deve à pandemia da COVID-19”.
Foi a resposta possível e não conclusiva, para um problema com barbas brancas. Com Carmelita Namashulua, também foi assim. Quis o destino que fosse interpelada justamente no Dia Mundial do Livro e, segundo vincou, “é um instrumento fundamental para a aprendizagem da leitura, para o desenvolvimento cognitivo, intelectual e cultural das crianças, jovens e adultos”.
João Chirinda, professor do ensino primário há 24 anos, defende que as aulas não são ao todo suficientes, principalmente nas classes iniciais, e fala dos impactos negativos. “Sem esse material adicional que incentiva as actividades particulares, vislumbram-se muitas dificuldades. Poderemos ter situações de alunos com aproveitamento muito baixo em termos de leitura, escrita, cópia e cálculos básicos”, lamentou.
Angelina Ngoenha, mãe com duas crianças no ensino primário, disse que a falta de livro faz com que seja difícil ajudar as crianças quando têm trabalhos de casa. Porque é muito difícil, Luís Duvame, outro encarregado, disse preferir gastar pagando mais com aulas extras para os seus dois filhos.
“MINEDH NÃO TRANSPORTA O LIVRO”
Namashulua sacode o capote e diz que o atraso do livro não é culpa do Ministério da Educação e Desenvolvimento Humano. “Se não tivéssemos tido constrangimentos no transporte, não teríamos essa situação. Quem transporta o livro não é o MINEDH. Houve um concurso internacional, as gráficas internacionais é que ganharam esse concurso, os livros foram impressos na República da Índia e o transporte cabe às gráficas”, defendeu-se.