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Ministério do Interior desobedece à ordem de despejo do tribunal

Foto: O País

Ministério do Interior desobedece à decisão do Tribunal, segundo a qual deve abandonar a propriedade de uma família na Província de Maputo. O terreno é usado pela guarda-fronteira para produzir hortícolas.

O caso começou em 1995, quando uma família de apelido Machele adquiriu um espaço no bairro da Machava. Na altura, conforme contam, estava sob tutela do Conselho Municipal, apesar de anos antes a guarda-fronteira ter ocupado aquele espaço num momento de emergência, tendo, depois, saído do local.

A confusão começa sete anos depois da morte do pai (Machele), isso em 2010, quando os filhos decidiram reaver a propriedade, que, em vida, o pai os informou que era deles.

“Com documentos e tudo, aproximei-me à pessoa que estava responsável por cuidar do espaço, o senhor Mazive, e ele disse que, para mais informações, devia deslocar-me para a guarda-fronteira. Fui para lá e expliquei que a propriedade nos pertence, temos todos os documentos e disseram que devia fazer uma carta a explicar. Fi-la, mas, quando andei atrás da resposta, disseram que já não pertenciam ao Ministério da Defesa, mas ao Ministério do Interior, por isso devia ter a resposta lá”, detalhou Custódio Machele.

Conforme explicou, ao dirigirem-se ao Ministério do Interior, a primeira resposta que tiveram foi a de que a propriedade seria devolvida, mas isso não aconteceu.

Machele disse que, durante oito anos, a família tentou chegar a um acordo, de forma amigável, o que não aconteceu. Por isso, em 2018, decidiu recorrer ao Tribunal Judicial da Província de Maputo, como forma de encontrar um desfecho para o caso.

“Em 2019, tivemos a sentença, e foi a nosso favor. Viemos à primeira entrega judicial da nossa propriedade, mas, naquela semana, montaram uma aqui uma tenda (onde ficam os militares) e montaram esta chapa com a escrita ‘Serviços Sociais da PRM’ e encontramos aqui vários militares, fomos embora e não conseguimos nada”, explicou.

Assim, sem sucesso, recorreram pela segunda vez ao tribunal, e o veredicto voltou a sair, em 2022, a favor da família Machele, mas também, no momento da execução, o tribunal foi impedido de fazer o seu trabalho.

“Quando chegámos, estavam aqui três Mahindras, numa demonstração de forças, a fazer-nos um terrorismo urbano.”

Sem sucesso naquele ano, o tribunal decidiu, agora, e pela terceira vez, a favor da família Machele.

E esta quarta-feira, o Tribunal Judicial da Província de Maputo foi ao local executar a sentença, o que, mais uma vez, não aconteceu, porque chegou um contingente armado da PRM, para impedir, alegando ordens superiores.

Houve confusão no local. Os agentes exigiam que os mandatários do tribunal e a família se retirassem do local e que procurassem os serviços sociais da PRM para qualquer acção que quisessem tomar.

A família e o tribunal, por sua vez, recusavam as ordens dos agentes, dizendo que ninguém está acima da lei e que os deviam deixar executar a ordem do tribunal.

“Antes de virmos aqui, fomos junto do mandatários do tribunal, fomos ao Comando Provincial, como manda a lei, requisitar agentes para acompanhar a execução da sentença, mas a resposta foi que não havia efectivo, mas o estranho é que, minutos depois de chegarmos aqui, veio todo este contingente. Dizem que temos de ir falar com os seus superiores, porque eles não têm conhecimento de nada, o que não é verdade e nem faz sentido”, relatou o representante da família Machele.

O “O País” ouviu o jurista Mpasso Cambledge, que explicou que a atitude da Polícia é ilegal, uma vez que ninguém está acima de uma ordem do tribunal e que a lei deve ser cumprida por todos, tanto por instituições privadas, quanto públicas.

“Este argumento de os agentes ordenarem o tribunal a ir ter com os ‘chefes’ para informar a execução da sentença não tem cabimento legal. O tribunal decidiu e este não se pode deslocar ao Ministério do Interior para prestar qualquer esclarecimento. Aliás se o tribunal devia ter feito alguma coisa, isso tem que ser expresso por via de peças processuais, caso o tribunal não tenha procedido nos termos da lei”, esclareceu.

Cambledge explica que, caso o ministério queira ficar com o espaço, pode fazê-lo através da expropriação, desde que compense a família.

Esta quarta-feira, as partes não chegaram a um entendimento. A única coisa que a família conseguiu foi alterar a informação contida nas placas, de “Propriedade dos Serviços Sociais da PRM” para “Propriedade Privada”.

Enquanto captava as imagens no terreno, os agentes da Polícia tentaram impedir o trabalho da equipa de reportagem do “O País”, arrancando a câmara.

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