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MINEDH mentiu: não há gráficas nacionais a imprimirem livros da 1ª, 2ª e 3ª classes

O Ministério da Educação e Desenvolvimento Humano faltou à verdade ao afirmar que os livros da primeira, segunda e terceira classes estavam a ser impressos a nível nacional. As gráficas que, supostamente, estariam a imprimir livros desafiaram o MINEDH a provar tais factos com documentos. Enquanto isso, os alunos fecharam o primeiro trimestre e arrancaram com o segundo sem manuais.

Precisamente no dia 12 de Outubro de 2022, Dia dos Professores, o Presidente da República anunciou uma novidade. “O Governo passará, também, a financiar com os seus próprios recursos o processo de produção dos livros escolares de distribuição gratuita. A partir de 2023, iremos alocar um orçamento destinado à aquisição dos livros do primeiro ciclo do ensino primário, ou seja, da primeira à terceira classe”, revelou Filipe Nyusi, no evento organizado pelo Ministério da Educação e Desenvolvimento Humano na Cidade de Maputo.

O chefe do Estado acrescentou que esta medida seria pioneira, uma vez que “seria a primeira vez que o Governo chama a si a responsabilidade de financiar a aquisição de livros escolares”.

Volvidos dois anos, Moçambique ainda não entrou no mapa dos países do mundo que imprimem os manuais escolares internamente. Ademais, houve introdução de uma iniciativa inédita no sector da educação no país, que é a impressão e distribuição do caderno de actividades. Isto nunca tinha sido implementado no sector da educação.

Na verdade, o sonho de produzir livros a nível nacional ganha forma com um anúncio de concurso público pelo Ministério da Educação e Desenvolvimento, de 29 de Março de 2023.

Nele, empresas nacionais interessadas e elegíveis são convidadas a submeterem as suas propostas para impressão e distribuição dos livros escolares da 1ª, 2ª e 3ª classes. Eram os primeiros passos para a tão propalada produção do manual escolar dentro do país, que, afinal, não nos levaria para muito longe.

É que, conforme apurou o “O país”, cerca de um mês depois, isto é, em Abril de 2023, o concurso terá sido cancelado, porque não acomodava os interesses do principal financiador para a produção do livro escolar: o Banco Mundial.

O que o financiador exigia, no acordo bilateral com o Ministério da Educação, era que o concurso para a produção do livro fosse internacional. E foi isto que matou o sonho da produção interna do livro, mas o Ministério da Educação desmentiu, ao afirmar que havia gráficas nacionais a imprimirem os manuais.

“Nós lançámos um concurso, ganharam as empresas nacionais, e são essas que já estão a entregar os livros que imprimiram. Um pouco mais de 60 por cento dos cinco milhões de livros já estão a ser distribuídos. Os concursos que foram lançados para a produção interna estão a ser produzidos, mas tem também o concurso internacional. Os livros do primeiro ciclo, segundo a garantia que temos, são impressos pelas gráficas nacionais”, assegurou Manuel Simbine, porta-voz do Ministério da Educação e Desenvolvimento Humano.

A garantia foi tão segura que fez com que o porta-voz mencionasse as empresas nacionais que, supostamente, estariam a imprimir os livros: a Minerva Print e a Académica Limitada.

Atrás de respostas, a nossa equipa de reportagem contactou as duas gráficas que o Ministério da Educação disse terem ganhado o concurso público para a impressão dos manuais da primeira, segunda e terceira classes. As duas empresas negaram ter imprimido os manuais e desafiaram o MINEDH a provar com documentos.

Questionada se terá imprimido os livros da primeira, segunda ou terceira classes, a Académica Limitada respondeu nos seguintes termos: “Nós não imprimimos livros da primeira, segunda e terceira classes. Aquilo é Português e Matemática na mesma brochura. São os chamados cadernos de actividade e foi apenas para a segunda classe. Foram pouco mais de um milhão de cadernos de actividade. Aliás, o único manual que imprimimos foi o de matemática da quarta classe e já entregamos ao Ministério da Educação. Sabemos, também, que já foi distribuído”, recusou a Académica Limitada.

A Minerva Print também nega ter ganhado concurso público para a impressão dos livros da primeira, segunda e terceira classes e desafia o Ministério da Educação a provar isso.

“Nós desconhecemos esse concurso para impressão dos livros escolares da primeira, segunda e terceira classes. Desafiamos o porta-voz do Ministério da Educação a mostrar, publicamente, quando é que o suposto concurso foi lançado e quando é que foi adjudicado a nós, Minerva Print. Certamente, eles têm os documentos sobre isso guardados em algum sítio. O porta-voz do MINEDH não pode dar a cara para querer manchar as outras instituições”, rebateu, a Minerva Print.

Entretanto, a gráfica confirma ter ganhado um concurso público, mas que não tem nada a ver com a impressão e distribuição dos referidos manuais.

“A Minerva Print até ganhou um concurso, mas para imprimir o livro de Matemática da quarta classe, e já fizemos a entrega. Nós, quando imprimimos os livros, a maior preocupação é fazer a distribuição por todos os locais. Se não fizermos isso, que é a nossa obrigação, estaremos a prejudicar todo o país. Participamos em algumas reuniões no Ministério da Educação, nas quais, o que estava em discussão era a impressão dos livros pelas gráficas nacionais, mas quando se fez o layout e se chegou à fase de impressão, fomos afastados”, fundamentou a Minerva Print.

 

O “peso” da educação sem os livros escolares

O livro escolar que tinha sido prometido aos alunos para a segunda semana depois do arranque do ano lectivo, ainda não está disponível. Encerramos o primeiro trimestre e arrancamos com o segundo sem os manuais. O Ministério da Educação mandou produzir e distribuir cadernos de actividade para a segunda classe, impressos pela Académica Limitada. Isto nunca tinha acontecido na história de Moçambique.

A falta do livro escolar para as primeiras três classes do ensino primário está a tornar dificílima a missão de ensinar.

“É um martírio. Todos nós sabemos que a primeira e segunda classes são iniciais. Tudo bem que o professor tem de ter estratégia, redobrar os métodos e fazer tudo o que estiver ao seu alcance, mas não é fácil trabalhar sem o livro. Não é fácil mesmo”, desabafou Alzira Sampaio, professora da primeira classe, numa das escolas da Cidade de Maputo.
São palavras carregadas de revolta de quem sente, no seu dia-a-dia, o peso do ensino-aprendizagem sem os manuais escolares. “Não tem sido fácil. Por isso, a direcção, internamente, acabou por adoptar a estratégia de recorrer ao livro antigo, esperando, ainda, o novo livro que é para usarmos”, explicou Paulino Matola, professor na Escola Primária Bê-à-Bâ, Cidade de Maputo.

E há quem nunca tenha visto isto em toda a sua carreira como professor. “Estou a trabalhar há 28 anos. Nunca vi um cenário igual, de o trimestre terminar sem o livro da primeira classe”, afirmou a professora Alzira Sampaio.

Nunca tinha visto, mas hoje, não só vê, como também é obrigada a adaptar-se ao contexto da actuação do Ministério da Educação e Desenvolvimento Humano.

“Por vezes, nós vamos espreitar no livro antigo, só para tirar aquelas imagens e desenhar no quadro, mas as crianças não sabem desenhar. Elas (as crianças) só sabem pintar bola e os desenhos ficam ali no quadro. É difícil trabalhar assim”, detalhou Alzira Sampaio.

Por ser difícil trabalhar nas classes iniciais sem o livro escolar, o Ministério da Educação introduziu, pela primeira vez, o caderno de exercícios da segunda classe.

A ideia era facilitar o trabalho do professor na sala de aula, mas, na prática, a realidade é outra. “O caderno de actividades tem poucos exercícios. Nós, às vezes, recorremos a outros livros para termos os exercícios e escrevemos no quadro ou mesmo escrever no próprio caderno do aluno”, explanou Isabel Ntsenane, professora da segunda classe.

Em algumas escolas da capital do país, as direcções tomaram a decisão de usar os livros tidos como descontinuados por conta da demora na chegada dos manuais escolares.

E para não comprometer o próprio processo de ensino-aprendizagem, o porta-voz do Ministério da Educação estava quase seguro de que os livros chegariam até Março.
“Dada a nossa cadeia de produção e distribuição de livros, tendo em conta os vários intervenientes e o facto de que cada um deve observar as normas, só agora é que começámos a receber os livros e iniciamos a distribuição no dia 11 de Março. Recebemos. Pode ainda não haver os manuais… Até agora que estamos a falar, há um pouco mais de cinco milhões de livros da primeira, segunda, terceira, quarta, quinta e sexta classes que estão a ser distribuídos. Uma e outra escola é que ainda podem não ter recebido os livros no momento em que estamos a falar”, garantiu Manuel Simbine, porta-voz do Ministério da Educação e Desenvolvimento Humano.

Isto não é verdade! Nem no momento em que estávamos a gravar a entrevista e muito menos até ao fim do trimestre, alguma escola tinha recebido os supostos livros.
E, na Assembleia da República, o Governo deu uma outra explicação sobre os livros.

“O Ministério da Educação e Desenvolvimento Humano está em processo de recepção e distribuição do material de aprendizagem adquirido para o ano de 2024. Com efeito, já foram recebidos alguns materiais de aprendizagem nos três portos principais do país, nomeadamente, Maputo, Beira e Nacala e transportadores foram contratados e já iniciaram a sua distribuição para os Serviços Distritais de Educação, Juventude e Tecnologia, e estes para as escolas”, revelou Daniel Nivagara, ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior.

E isto é a prova de que o plano de produzir o livro escolar no país fracassou.

 

O inédito caderno de actividades no Sistema Nacional de Educação

A ideia do Ministério da Educação era, também, introduzir um caderno de actividades para a primeira classe, tal como o fez com a segunda, mas alguma coisa falhou.
O jornal O País apurou, de fontes ligadas à educação, que os cadernos de actividades da primeira classe até foram impressos e distribuídos pelos alunos, na última semana de Fevereiro, isto é, quase um mês depois do arranque do ano lectivo.

As escolas da Cidade de Maputo, capital do país, foram as primeiras a receber o caderno de actividades da primeira classe, mas, imediatamente, houve uma campanha para a sua recolha: o material didáctico foi impresso com erros.

Um mapa de Moçambique sem Chimoio e, segundo o qual, a província de Gaza está localizada na zona Centro do país, bem ao lado da Beira. É um dentre os vários erros que ditou a retirada do caderno de actividades da primeira classe das escolas.

Para garantir que nenhum caderno de actividades ficasse nas escolas, no acto da recolha, os técnicos do Ministério da Educação faziam uma comparação minuciosa entre o que foi entregue e o mapa com a quantidade de livros requisitada.

A nossa equipa de reportagem apurou que os cadernos de actividade da primeira classe estão trancados a sete chaves num dos armazéns do Ministério da Educação, na Cidade de Maputo.

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