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Mascarada climática

Já durante quase três décadas, líderes de todo o mundo têm-se reunido para formular uma resposta global à emergência climática que se torna cada vez mais agudizada. Acontece que, em vez de responder aos desafios reais, a maior parte dos debates nos últimos anos tem-se concentrado no crescente fosso entre países desenvolvidos e países em desenvolvimento. A Cimeira de 2022, a COP-27 em Sharm El Sheikh, não foi uma excepção.

O custo da “transição verde” acrescentado às despesas no combate às próprias consequências das alterações climáticas tornou-se uma verdadeira pedra de tropeço nesta temática global… A parte do mundo, que na altura se desenvolvia sem travões, energicamente exerce pressão, ameaçando – com multas e sanções por não seguirem os princípios da “agenda verde” – aqueles “desafortunados” que não podem aguentar tal fardo pesado.

Na cimeira climática de Glasgow (2021), uma coligação de Estados em desenvolvimento apelou à criação de um novo mecanismo financeiro para este fim, mas a proposta foi rejeitada. Este ano, foi finalmente aprovado um acordo sobre um “Fundo de Perdas e Danos” para regiões directamente afectadas pelas mudanças climáticas. Os meios de comunicação apressaram-se a chamar a este acordo de última hora “um evento histórico, coroando anos de esforço por parte de campeões do clima e activistas dos direitos humanos”. No entanto, todas as principais modalidades ainda devem ser elaboradas até à próxima cimeira. Portanto, é muito provável que a chamada “luz de esperança” para os países carenciados seja, de facto, apenas uma mera fachada para uma verdade incómoda. Quantas vezes altas palavras destes campeões divergiram nos seus actos?!

Ao contrário da proclamada disponibilidade dos países desenvolvidos para prestar ajuda financeira os Estados mais pobres, apoiando os seus esforços em descarbonização, o problema de financiamento da “transição verde” está muito longe de ser resolvido. Em 2009, a OCDE prometeu 100 mil milhões de dólares ao tal chamado “Terceiro mundo” na reestruturação económica. No fim, apenas 26 mil milhões foram atribuídos, sendo na sua maioria sob forma de empréstimos, o que tornou as economias ainda mais vulneráveis. Só para comparar – os países da NATO nos últimos tempos têm gastado duas vezes mais em armamentos para o regime nazi na Ucrânia. E nos próximos anos hão-de gastar ainda mais para recuperar as suas próprias reservas de armas esgotadas. Alguém calcula as emissões?

Perante um tal cenário, a Rússia está plenamente solidária com as reivindicações dos países em desenvolvimento de tomar em consideração especificidades das suas economias. A fim de alcançar uma transição sem prejuízo para o país, a política climática deve estabelecer um equilíbrio entre a utilização de tecnologias verdes e a manutenção da estabilidade económica com recursos disponíveis para o seu desenvolvimento actual. Hoje em dia, na Rússia, mais de 33% da energia eléctrica produz-se dos recursos renováveis. Está a ser criado um sistema nacional de monitorização de gases com efeito de estufa, e foram atribuídos fundos para a digitalização e melhoria dos relatórios nacionais sobre a implementação do Acordo de Paris. Mas é indispensável aperceber-se da impossibilidade de se recusar completamente os hidrocarbonetos nos próximos anos, passo a passo, preparando o terreno para a “transição verde”.

Neste ano, a União Europeia mostrou-se desiludida com os resultados da COP-27 “pouco ambiciosos”, apontando para a falta de novos compromissos da redução de emissão de gases poluentes. Continuando a fingir o empenho na “transição verde” acelerada, de facto, a política europeia move-se na direcção oposta – recuo nas ambições climáticas.

Desde o início da operação militar especial, os países europeus, por razões políticas, puseram como objectivo principal um corte acelerado das fontes de energia russas. Face a uma escassez de gás, as empresas estão à procura de uma saída desta crise à custa de combustíveis muito mais poluentes. Tem-se aumentado rapidamente a utilização do carvão. Tudo isto, portanto, se faz às escondidas e não se revela à voz alta nas tribunas internacionais, devido a um aumento considerável das emissões globais de gases com efeito de estufa. As importações de carvão da UE não diminuíram nos primeiros cinco meses de 2022. Segundo os dados da Agência Internacional de Energia (AIE), o consumo de carvão-vapor da UE na primeira metade de 2022 aumentou 16%. Entre outras coisas, os planos para substituir o gás de gasoduto russo (interrompido pelo ataque terrorista) pelo Gás natural liquefeito (GNL), particularmente dos EUA, Qatar e Egipto, não podem deixar de suscitar preocupações, uma vez que o fornecimento deste combustível tem uma pegada de carbono mais elevada. O gás norte-americano é maioritariamente de xisto, cuja produção contamina enormemente a ecologia. Outrossim, transportações do GNL aumentadas apresentam maior risco de fuga de metano, cujo impacto no aquecimento global é mesmo maior do que o do carbono. Quem se importa com que tudo isto contradiga as promessas europeias de diminuir as emissões de metano?

Tentando desfazer-se da dependência energética da Rússia, a União Europeia cai numa armadilha de fontes mais poluentes. Assim, multiplicam-se os riscos para os países vulneráveis que continuam a sofrer as consequências das alterações climáticas com uma grave falta de recursos. Nestas condições, na COP-27 a fenda entre o Ocidente e o “terceiro mundo” (embora encoberta por um “acordo formal”) na realidade nem diminuiu. Continuando a impor uma agenda verde a todos, o Ocidente está a violar descaradamente, por todos os meios, as regras que ele próprio escreveu. As ideias arduamente defendidas pelo grupo dos ecoactivistas, de facto, acabam por ser sacrificadas aos interesses políticos de “conter” a Rússia, mas quem sabe quais serão amanhã…

Na realidade, o mundo inteiro está a viver uma convulsão climática global, que os especialistas em clima de todo o mundo estão a chamar de sinais alarmantes para todas as nações. Em Junho passado, um terço do Paquistão esteve debaixo de água numa inundação devastadora, a pior inundação de uma década observou-se na Nigéria, a pior seca em 500 anos – na Europa, em 1000 anos nos EUA… Contudo, como podemos observar, em vez de reforçar medidas conjuntas, alguns países continuam a especular nos problemas climáticos, revertendo mesmo os avanços anteriormente alcançados.

P.S. Os canhões e mísseis ucranianos diariamente bombardeiam a maior central nuclear na Europa – a de Zaporíjia, cuja segurança é garantida pelos técnicos russos. Mas quem vai lembrar que a energia nuclear é uma das mais “verdes” e limpas (mas nas mãos limpas) se um dos mísseis afinal atingir o coração da Central?!

 

Por Alexander Súrikov,

Embaixador da Rússia em Moçambique

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