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Manuel Chang recebeu USD 7 milhões do Grupo Privinvest

Foto: O País

O Tribunal Judicial da Cidade de Maputo pronunciou Manuel Chang por seis crimes e  três antigos gestores do Banco de Moçambique por abuso de cargo ou função. Segundo a acusação a que o “O País” teve acesso, o antigo ministro das Finanças terá recebido sete milhões de dólares do Grupo Privinvest para facilitar empréstimos ilegais

É uma nova fase do escândalo das dívidas ocultas. No ano passado, foi conhecida a sentença para os 19 arguidos do processo querela 18/2019-C, no âmbito das dívidas ocultas em que se envolveram valores que ascendem a mais de 2,2 mil milhões de dólares norte-americanos.

O valor era alegadamente para financiar três empresas que comporiam um Sistema Integrado de Protecção e Monitoria da Zona Económica Exclusiva, em Cabo Delgado. O projecto era composto pela EMATUM, MAM e ProIndicus.

Mas, além do projecto já referido, foram abertos processos autónomos contra outros arguidos que, até, no primeiro, alguns, eram apenas declarantes. Um desses processos é o também de querela 58/2020/10ª e que já tem o despacho de pronúncia, ou seja, já se sabe quais são os crimes que o tribunal aceita julgar.

Se no primeiro, o problema eram os subornos para a aceitação do projecto pelo Governo, neste, é a contratação ilegal dos empréstimos, em que se violaram vários instrumentos que regulam a matéria.

E é por isso que os arguidos são antigos gestores do Banco de Moçambique, de quem devia vir um parecer tecnicamente positivo para que o Estado contratasse dívidas. Com eles, está também o então ministro das Finanças, detido na África do Sul há mais de quatro anos. Os visados são, nomeadamente, Manuel Chang, Ernesto Gove, então Governador do Banco de Moçambique, Waldemar de Sousa de Sousa e Joana Matsombe. Vamos, agora, aos factos que vêm à pronúncia.

Comecemos por Manuel Chang, por sinal, a pessoa sobre quem recaem seis tipos legais de crime, dos quais um está duplicado, o que acaba por perfazer sete. E, por quê? Porque, supostamente, Manuel Chang teria recebido sete milhões de dólares por ter facilitado a contratação dos empréstimos. A sua preponderância terá sido no seguinte:

  • Na identificação, aconselhamento e orientação para a concretização do suposto projecto de protecção da zona económica exclusiva;
  • Na emissão de garantias ilegais comprometendo o Estado no pagamento das dívidas contraídas para o financiamento das três empresas.

O esquema devia funcionar assim: o Estado dava garantia para as dívidas, as empresas iam à procura de financiadores e, encontrado o dinheiro, faziam-se os pagamentos para que o Grupo Privinvest fornecesse os equipamentos às empresas. Na fraude, a Privinvest daria, posteriormente, dinheiro aos envolvidos, alguns dos quais altos quadros do Estado para o que Teófilo Nhangumele chamou de “massagear o sistema”. Um dos beneficiários foi Manuel Chang, que, entretanto e como os outros, não recebeu o dinheiro na sua própria conta.

A acusação narra que Manuel Chang recorreu a um amigo de nome Luís Filipe Pereira Rocha Brito, empresário da área de importação de carros, com quem a relação tem mais de 15 anos.

De acordo com o Ministério Público e, agora, também a pronúncia, Chang “fê-lo porque estava ciente de que o seu amigo, na qualidade de empresário e importador de viaturas, dispunha de contas bancárias no exterior”.

“Assim, por forma a dificultar o rastreio dos valores a receber, o arguido Manuel Chang mandou comunicar a Jean Boustani (Gestor do Grupo Privinvest) que o valor fosse remetido para contas bancárias tituladas por duas empresas de Luís Brito, situadas em paraísos fiscais, designadamente Thyse International, Inc., uma empresa off shore com sede na British Virgins Island, e a Genoa Assets, SA, também off shore, sediada no Panamá”, diz a acusação.

O valor não foi recebido de uma só vez, a transferência foi feita em várias tranches até que se perfizeram os sete milhões de dólares em contas, onde geraram rendimentos que a acusação não apurou.

A acusação revela ainda que “o referido valor veio a ser recuperado pelas autoridades moçambicanas competentes, em processo de restituição voluntária …”.

Por estas e outras razões, Manuel Chang é acusado pelos seguintes crimes:

  • Dois crimes de violação da legalidade orçamental;
  • Associação para delinquir;
  • Corrupção passiva para acto ilícito;
  • Abuso de cargo ou função;
  • Crime de peculato;
  • Branqueamento de capitais.

Já os funcionários do Banco de Moçambique, que, por sinal, não teriam recebido nenhum dinheiro, são, os três, acusados pelo mesmo tipo legal de crime, que é o de abuso de cargo ou função. Isso porque, segundo a acusação, não fizeram a análise como devia ser, fizeram-na apenas para cumprir um mandamento formal da lei.

Ernesto Gove, Waldemar de Sousa e Joana Matsombe aguardarão pelo julgamento, porque não se encontra a necessidade de o deter. Em relação a Manuel Chang, que já se encontra detido na África do Sul, o Ministério Público entende que deve ser detido em Moçambique.

Aliás, os advogados destes três arguidos tentaram que o processo fosse separado, o que não foi aceite pela acusação com o argumento de que isso dispersaria a prova, sendo que os factos estão interligados.

Depois da pronúncia pelo tribunal, o normal era que seguisse o julgamento, mas alguns advogados recorreram porque entendem que não há matéria criminal nos arguidos que geriam o banco central.

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