Há precisamente dois anos e 46 dias (10 de Setembro de 2020), Luís Gonçalves lançou, no Estádio Nacional do Zimpeto (ENZ), o prodígio Geny Catamo às “feras”. Ou seja, com os Mambas mergulhados numa crise de resultados, alicerçada numa frustrante e desgastante campanha para o CAN Egipto 2019, além de maus resultados na luta pelo acesso ao CAN Interno, Luís Gonçalves apostou em Geny Catamo no duelo diante das Maurícias, que ditaria o futuro dos Mambas na fase de apuramento para o Mundial Qatar 2022.
Qual sortudo, Catamo assinou, aos 74 minutos, o livro na marca dos 11 metros. Marcou o segundo golo dos Mambas na vitória diante das Ilhas Maurícias (2-0), chancelando a presença na fase de grupos! Melhor estreia seria impossível, escolha certa do antigo seleccionador nacional que identificou, desde logo, qualidades no activo do Sporting de Portugal. Voz autorizada, por isso, para falar do jogador que foi, uma vez mais, emprestado pelo Sporting por não caber no plantel de Ruben Amorim para época 2022-2023.
Mas mais do que falar de Geny Catamo, Luís Gonçalves abordou o passado, presente e perspectivou o futuro dos internacionais moçambicanos que evoluem em Portugal. Falou, sem reservas, da falta de oportunidades para singrarem nos chamados “grandes” do futebol português. E porque o produto interno dita o ritmo e qualidade a exportar para o estrangeiro, aponta caminhos para o sucesso.
Para não variar, Reinildo Mandava foi nomeado, sábado, “Homem do Jogo” na vitória do Atlético Madrid diante do Athletic de Bilbao, em jogo da 9ª jornada da Liga Espanhola. Trabalhou com Reinildo nos Mambas, certo, e acompanhou todo o seu percurso com uma passagem menos conseguida pelo Benfica de Portugal e, depois, o sucesso estrondoso no Lille da França e a afirmação no Atlético. O que, realmente, falhou e continua a falhar para que Reinildo e outros atletas nacionais não consigam impor-se nos melhores clubes de Portugal?
Nós temos que compreender que o jogador de futebol não é sempre igual ao longo da sua carreira e ao longo da sua formação. Reinildo teve uma experiência no Benfica que não correu da melhor forma, isto no sentido das oportunidades que não teve. Teve poucas oportunidades, também teve uma lesão. E, em determinado momento, o Benfica decidiu apostar noutros jogadores para a posição que Reinildo ocupava. Depois, Reinildo fez o seu trajecto por equipas secundárias de Portugal por empréstimo. Finalmente, representou o Belenenses e, daí, deu o salto para França e, actualmente, está no Atlético Madrid com grande rendimento e sempre a jogar ao mais alto nível. Mas, por exemplo, entendo que Zainadine, que é capitão do Marítimo, está há muitos anos a jogar em Portugal e poderia, eventualmente, ter tido oportunidade no Sporting, por hipótese, ou outro grande. Isto significa que há um caminho percorrido, mas também há muito por fazer. Os jogadores têm que trilhar o seu caminho. É claro que há aqueles que trazem melhor preparação e, depois, têm capacidade de resposta mais efectiva. Acredito que, com o tempo, isso vai acontecer. E, depois, cada caso é um caso. E Reinildo é mesmo exemplo disso.
Temos os casos de jogadores como Mexer e Zainadine Júnior, que não conseguiram ficar no Sporting, com o primeiro a rumar depois para o Rennes, onde não somente conseguiu impor-se como também conquistou, em 2019, a Taça da França…
Eu acredito que, sinceramente, não falta muito para o jogador moçambicano impor-se em Portugal. Já podia ter acontecido, já esteve em vias de acontecer. No passado aconteceu. O facto é que temos vários jogadores de muita qualidade a actuar em Portugal. Temos o Zainadine Jr. no Marítimo, por exemplo, onde estão também Clésio e Geny Catamo. Temos também Bruno Langa a jogar no Chaves, só para falar de alguns que estão na primeira liga. Há outros jogadores em divisões secundárias, mas não deixam de aportar qualidade e demonstrar que o atleta moçambicano tem qualidade. É preciso que se aposte nele. Talvez os três grandes não estejam despertos para a qualidade do jogador moçambicano e, para isso, contribui o facto de os resultados não serem tão conseguidos ao nível de selecção nacional. Mas também temos o facto de o Moçambola estar todos anos com problemas e ser uma prova considerada com pouca qualidade. Talvez por isso não olhem tanto para o jogador moçambicano. Eu acho que, a breve prazo, vai acontecer, porque os jogadores que rumam a Portugal têm demonstrado qualidade e, no caso de Reinildo, é paradigmático.
Geny Catamo, jogador que lançou na selecção nacional, foi emprestado pelo Sporting ao Marítimo, clube a atravessar um crise sem precedentes, depois de ter falhado a pré-época por problemas físicos. Já no ano passado havia sido emprestado ao Vitória de Guimarães. Como analisa, particularmente, a situação deste atleta com boa margem de progressão?
Esta pergunta sobre Geny Catamo deve ser feita a Ruben Amorim, porque, em três épocas consecutivas, o treinador do Sporting incluiu o jogador na pré-época e, infelizmente, esta temporada não realizou este estágio por questões físicas. Claro que perdeu, de certa forma, o comboio, mas não deixa de ser um activo do clube que está na mira a breve prazo, de certeza. Creio que a sua passagem pelo Vitória de Guimarães foi positiva. Claro que isto também vai dos treinadores ao momento das equipas. Geny está agora no Marítimo, equipa que não está a atravessar um bom momento. Mudou de treinador muito recentemente, mas acredito que, mais cedo ou mais tarde, vai afirmar-se. Acredito que vai regressar ao Sporting para, realmente, ter o seu lugar. O que falhou, concretamente, não sei responder. A qualidade do jogador existe. É um jogador que tem talento, qualidade e margem de progressão que é importante. Mas, por vezes, e é aquilo que eu digo, falta um pouco mais de aposta, porque o jogador moçambicano é visto com alguma desconfiança, porque vem de um campeonato um pouco mais fraco. Acredito que a breve prazo Geny vai voltar ao Sporting.
“MOÇAMBOLA PODIA SER UMA PROVA MAIS ATRACTIVA”
O Moçambola tem qualidade suficiente para produzir jogadores com qualidade de serem exportados?
O Campeonato Nacional, o Moçambola, é o que é. É uma prova que sempre desperta interesse. Eu continuo a seguir, particularmente. Claro que, com mais recursos, sendo melhor organizado e sendo uma marca mais atractiva, podia ser uma prova que chamasse mais atenção e despertasse interesse de clubes estrangeiros e internacionais. Eu não me canso de dizer que o jogador moçambicano tem talento, e é preciso dizer isso várias vezes para valorizar o jogador moçambicano. Claro que o Moçambola, apesar de algumas questões ou confusões que venho acompanhando à distância, vai fazendo o seu caminho. Podia ser uma prova mais atractiva, sem dúvida, mas não deixa de ser a maior prova de um país que é apaixonado pelo futebol. Realmente, no fundo, arrasta multidões, e é importante ter isso em conta. É muito importante que o Moçambola seja acarinhado. É muito importante que tenha mais condições para ser mais atractivo para que o futebol moçambicano melhore.
O que deve ser feito para que o Moçambola se torne num produto vendável e mais atractivo?
Claro que, para o Moçambola ser mais atractivo e mais interessante, tem que haver uma série de questões que têm que acontecer. Recentemente, li que houve uma equipa que perdeu por falta de comparência de Moçambola. É pena verificar-se que isso acontece e cada equipa ou clube traz as suas razões. São coisas que passam para fora, e é importante toda a gente saber o que se passa em Moçambique. É acompanhado em todo o mundo também. Portanto, esta publicidade não é boa. É importante criar condições para que a prova decorra com a maior regularidade possível, competitividade, de forma saudável e que seja um contributo para que o futebol moçambicano ganhe uma melhor visibilidade em todo o mundo.
A formação joga, claramente, um papel fundamental no processo de construção de jogadores com qualidade. Como é que olha para a formação em Moçambique? Estamos no caminho certo?
O tema da formação e infra-estruturas é muito antigo em Moçambique. Eu já participei em vários debates, na altura quando era seleccionador nacional. Eu também promovi vários debates, porque é importante. Claro que é mais difícil produzir jogadores com infra-estruturas deficitárias, pisos que, realmente, não têm qualidade até para as competições internacionais para a própria selecção nacional jogar. É difícil. Mas como eu também sempre disse e continuo a dizer, acredito que há muita gente boa no futebol moçambicano que quer levar o barco para frente, como se costuma dizer. A formação é fundamental. Quando falo de formação, falo da formação de jogadores, treinadores e dirigentes. É importante para quem lidera os clubes perceber, também, quais são as prioridades, o que é muito importante, e nunca perder de vista o horizonte de evolução do futebol moçambicano, mas também tomar em atenção as necessidades dos seus clubes. Há que mudar e continuar a trabalhar. Mas, apesar de todas as dificuldades que nós conhecemos, há algumas que não só são estruturais mas, por vezes, têm a ver com certas políticas desportivas que os próprios dirigentes utilizam. É difícil, mas existe talento em Moçambique e vão continuar a surgir jogadores, e é preciso que os treinadores estejam muito atentos e aqueles que trabalham nos escalões mais baixos saibam, acima de tudo, lidar com estes jovens e promovê-los. É preciso ensinar estes jovens e desenvolver um gosto e paixão pelo futebol, para que eles continuem a sonhar e a querer fazer aquilo que eles mais gostam. Aliás, muito recentemente, tivemos boas prestações ao nível das selecções nacionais. Isto faz que possamos pensar que, apesar de todas as dificuldades que continuam a existir, temos jogadores de qualidade em Moçambique. Naturalmente, e disso eu sei, mesmo com as condições difíceis, o trabalho dos treinadores continua a dar frutos. Agora, é preciso dar o salto. Precisamos de melhorar o nível com investimento sério na formação e nas infra-estruturas.
Luís Gonçalves fez o seu papel, ajudando na afirmação de vários atletas, além de ter contribuído com ideias em debates, e não só, sobre os caminhos que o futebol moçambicano deve seguir para se transformar numa indústria. Pensa em voltar ao país e continuar a contribuir para o desenvolvimento do futebol moçambicano?
Se eu considero a hipótese de regressar a Moçambique? Claro que sim. Se considero a hipótese de treinar uma equipa que participa no Moçambola? Por que não? Eu respondo como sempre respondi estas questões. Sou um treinador profissional e estou sempre aberto a propostas, a convites e diálogo no sentido de analisar quais os projectos interessantes. Quanto à selecção nacional, Chiquinho Conde está a fazer um óptimo trabalho. É o homem certo no lugar certo. Espero que Moçambique alcance os seus objectivos para o bem da nação, porque isso é o mais importante.