Aos 22 anos de idade, Luís Bernardo Honwana estreou-se com Nós matamos o cão-tinhoso. O livro teve como editor o escritor e jornalista João Salva-Rey, fundador d’A Tribuna. Nesse jornal de referência durante a dominação colonial portuguesa em África, também colaboraram José Craveirinha, Rui Knopfli, Rui Nogar, Eugénio Lisboa e Gita Bernardo Honwana Welch, irmã de Luís Bernardo.
Desde cedo, a colecção de sete contos, designadamente, “Nós matamos o cão-tinhoso”, “Inventário de imóveis e jacentes”, “Dina”, “A velhota”, “Papá, cobra e eu”, “As mãos dos pretos” e “Nhinguitimo” não passou despercebida da sociedade lourenço-marquina dos anos 60 do século passado. Pelo contrário, nos jornais da época, críticos e artistas fizeram recensões literárias. Às vezes, elogiando o livro e, noutras vezes, criticando-o severamente.
Entre os críticos da época, destaca-se o escritor Rodrigues Júnior, autor de romances como Sehura, Muende e Calanga. Para Rodrigues Júnior, à época um dos influentes autores moçambicanos, Luís Bernardo Honwana, aquando da publicação do livro de estreia, não era nem um escritor nem um jornalista. Inclusive, numa das suas publicações na imprensa da época, Júnior disse o seguinte, em relação a Honwana: “Falta-lhe, ainda, o trabalho que não tem feito à altura de o considerarem já um Escritor e um jornalista. Luís Bernardo, não é um génio. É, contudo, um homem inteligente. E, de certo modo, um homem culto (…). O seu livro conta histórias – histórias, só. Mas nem mesmo como histórias se pode aceitar. Não são verdadeiras. O que nelas se conta é, por vezes, acusação. E acusação injusta – que não fica bem a um moço bom como o Luís Bernardo é”.
Ou seja, Rodrigues Júnior defendeu que Nós matamos o cão-tinhoso é um livro mau, com histórias que nunca deveriam ter sido escritas. Por exemplo, “As mãos dos pretos” e “Nhinguitimo”. No entanto, esses pronunciamentos foram veementes reprovados por autores como Malangatana, em defesa da qualidade literária do livro. No entanto, ainda assim, a obra foi recolhida pelo regime e poucos moçambicanos puderam ler a primeira edição (1964).
No mesmo ano em que lança o seu primeiro livro, Luís Bernardo Honwana é preso pela PIDE. Na manhã desse dia, a mãe e a avó do escritor tinham ido ao cemitério pôr flores nas campas dos seus entes queridos. No regresso a casa, Nely Nyaka e a sua mãe Jinita Libombo encontraram as irmãs de Luís Bernardo a chorar. “Elas contaram que os agentes entraram ao mesmo tempo pela frente e pelo quintal, dirigiram-se ao quarto do Luís, deram-lhe voz de prisão, e levaram-no, depois de vasculhar toda a casa, minuciosamente, e de apreender algumas revistas em inglês e vários papéis do Luís”, lembra Nely Nyaka, no seu livro Mahanyela – a vida na periferia da grande cidade.
O episódio da prisão do escritor também foi retratado no livro Memórias, de Raul Bernardo Honwana. “Em 23 de Dezembro de 1964, juntamente com vários outros patriotas moçambicanos da zona de Lourenço Marques, o meu filho Luís foi detido pela PIDE, na nossa casa de Xipamanine, às seis horas da manhã. Mais tarde, disseram-nos que eles eram todos acusados de actividades subversivas de apoio à FRELIMO e contra a soberania de Portugal em Moçambique. Incomunicável durante muito tempo, por vezes dado como desaparecido, por vezes confinado a celas disciplinares, o meu filho sobreviveu. Muitos foram mortos na cadeia naquele tempo”.
Ao nível familiar, a prisão de Luís Bernardo trouxe consequências. Pois, como já trabalhava, ajudava os pais no sustento do lar. Por isso mesmo, os Honwana enfrentaram momentos de dificuldades financeiras do que as habituais. Como resultado disso, a irmã do escritor, Gita Bernardo Honwana Welch, teve de se empregar, ao terminar o 5.° ano do Liceu, para ajudar os pais, continuando os estudos à noite. Ainda assim, a maior aflição financeira deveu-se aos estudos de Fernando Honwana, que, desde 1962, por sugestão do irmão Luís estudava na Swazilândia, no colégio multirracial denominado “Waterford School”.
Luís Bernardo é que pagava as contas do irmão Fernando, que, em 1986, foi uma das vítimas mortais da queda do avião presidencial em que seguia Samora Machel, em Mbuzine. Com a sua prisão, que durou aproximadamente quatro anos, o escritor não pôde mais continuar a contribuir para a formação do irmão.
No seu livro Memórias, Raul Bernardo Honwana lembra que pensou em retirar o filho do colégio, já que não conseguiria pagar as suas mensalidades. Mas não foi necessário. A ajuda surgiu e, em 1968, Fernando terminou os estudos secundários com distinção. Inclusive, com a ajuda de amigos dos pais, matriculou-se, de seguida, na Faculdade de Ciências Sociais da Universidade de York, em Inglaterra. O irmão de Luís Bernardo terminou o curso em 1971 e em 1972 seguiu para Dar-es–Salaam, para se juntar à FRELIMO.
A decisão de Fernando Honwana seguir para Tanzânia revela como a sua família pensava em relação ao futuro de Moçambique. Mesmo trabalhando na administração, Raul Bernardo Honwana não se deixou corromper. Por exemplo, quando o libertou, em 1962, a PIDE pediu-lhe que passasse a ser informante. Inclusive, entregou-lhe um cartão de “colaborador”. Raul Bernardo Honwana não colaborou. Quando, já em casa, mostrou o cartão ao filho Luís, este rasgou-o imediatamente.
Na prisão, Luís Bernardo ficou preso quase quatro anos. Foi difícil para os Honwana, pois, houve manobras que apontavam para tentativas de assassinato do escritor. No seu Mahanyela, Nely Nyaka lembra: “A nossa prima Leopoldina, que vivia em Marracuene, veio à nossa casa no Xiphamanine. Ela informou-nos de que agentes da PIDE tinham estado em Marracuene a perguntar, pelos bairros, se alguém tinha visto o Luís Bernardo Honwana, um preso que tinha fugido da cadeia. Isto nos convenceu ainda mais de que tinham matado o Luís, porque a PIDE simulava fugas, quando queria fazer desaparecer alguém”.
Graças à intervenção de advogados amigos, como Adrião Rodrigues, Santa Rita, Pereira Leite, Rui Baltazar, Almeida Santos, o caso de Luís Bernardo, José Craveirinha, Malangatana e Rui Nogar ficou badalado até ao nível em que a PIDE teve de os libertar mais tarde.
Quando saiu da prisão, o livro Nós matamos o cão-tinhoso tinha sido banido, mas a independência nacional de Moçambique estava para breve. Com a mudança dos tempos, a obra literária tornar-se-ia uma das mais importantes da literatura moçambicana e africana.