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“Heróis de hoje” na linha da frente contra a COVID-19

Profissionais que de dia e de noite travam a luta contra o Coronavírus e colocam-se em risco permanente para salvar vidas. Só na província de Nampula, 130 profissionais de saúde apanharam a doença desde que iniciou a pandemia e 97 são do Hospital Central de Nampula, dos quais 18 estão neste momento em tratamento domiciliar. Com exclusividade, falamos com pacientes internados no centro de isolamento na cidade de Nampula.

Manhã de segunda-feira, 01 de Fevereiro de 2021. Uma fila de adultos na direcção de umas tendas montadas logo à entrada do recinto do Hospital Central de Nampula. Uma funcionária da saúde faz anotações, enquanto inquire os utentes, um por um, de cada vez, e antes de os encaminhar ao interior das referidas tendas aproxima o termómetro ao corpo de cada um para à distância fazer a leitura da temperatura corporal. É assim desde que a COVID-19 mostrou-se ser um inimigo que precisa ser combatido com todas as armas que consubstanciam prevenção.

Com bata descartável de protecção, máscara, viseira e luvas, o médico da clínica geral, Chande Muteliha, tem à sua frente um paciente idoso que se queixa de tosse seca, febre, dor de cabeça e uma dificuldade ligeira para respirar. O homem parece cansado, a avaliar pelo sentar, todo combalido.

O paciente apresenta sintomas sugestivos à COVID-19 e é encaminhado à cabine de colecta de amostras, bem ao lado das tendas de pré-triagem. Este é o procedimento recomendado para todos os casos suspeitos. “Todo o indivíduo que entra na unidade sanitária deve passar por um pré-rastreio”, esclarece o médico.
As amostras são processadas através do sistema PCR no laboratório localizado no Hospital Central de Nampula, sob gestão do Instituto Nacional de Saúde. O trabalho é minucioso, fala-se de cerca de 5 horas, e o resultado sai em um ou dois dias.

O risco é permanente, apesar da taxa de positividade ser de uma média de três casos por dia. Há cinco anos na medicina, o clínico geral prefere falar de determinação. Até porque jurou no fim do curso de medicina salvar vidas. “Não diria que coloca-nos algum medo, mas sim uma precaução adicional. Acreditamos que estamos aqui porque estamos preparados. O que fazemos é garantir que estejamos protegidos”.

No banco de socorros trabalha-se, de certa forma sob pressão, por um lado, porque nem todos os casos suspeitos são detectados na pré-triagem, e também porque há profissionais de saúde que estão fora do trabalho porque testaram positivo para a covid-19.

Daniel Basílio, médico da clínica geral há um ano, teve que estar em quarentena durante 14 semanas, depois de ter estado em contacto com um paciente positivo. “Foi quando pela primeira vez registou-se um caso positivo da COVID-19 no Hospital Central de Nampula. Não é um cenário fácil, mas basta acreditar e intensificar as medidas preventivas. É possível vencer a doença”.

Por mais fortes que sejam os profissionais de saúde, a rápida propagação do vírus cria pressão no sistema nacional de saúde, num contexto em que a doença não escolhe vítimas. Na província de Nampula são 130 os que já tiveram o vírus, dos quais 97 no hospital central de Nampula e desses, 18 ainda estão em tratamento domiciliar.

“Felizmente não tivemos nenhum caso do pessoal internado. Todos esses infectados estiveram em tratamento ao domicílio e não tivemos qualquer situação que tenha culminado em óbito”, destaca Dalva Khossa, médica-cirurgiã pediatra e porta-voz do banco de socorros daquela unidade hospitalar de referência no norte do país. Com exclusividade, a nossa equipa de reportagem teve acesso ao Hospital da Graça, onde funciona o centro de isolamento e de internamento dos pacientes com COVID-19, na cidade de Nampula.

No local, as medidas de biossegurança são bastante rigorosas. Tivemos que usar uma roupa de tecido desinfectada; por cima um macacão descartável, dois pares de luvas, botas, touca e o próprio capucho do macacão, depois a máscara cirúrgica e a viseira.

O médico Guedes Nacuto, director clínico daquele centro de internamento, serve-nos de guia. Neste momento, estão internados três pacientes. Dois homens e uma mulher. Os dois homens aceitaram partilhar o seu sentimento com a nossa equipa de reportagem. Belmiro Mateus, um engenheiro e responsável da empresa Electricidade de Moçambique em Nacala, chegou com um quadro clínico complicado, mas agora a evolução da recuperação é bastante satisfatória.

“O paciente Belmiro está connosco ao 12º dia de internamento. Entrou com um quadro clínico de dificuldades respiratórias. Felizmente temos o nosso sistema de oxigénio, estamos a usar a botija, e colocamos a suplementação de oxigénio de emergência”.

Enfrentar a doença e o isolamento são duas frentes por vezes difíceis de conciliar. “O isolamento é o maior sacrifício. Tirando isso, é só deixar tudo nas mãos dos técnicos”, abrevia Belmiro Mateus, de máscara com reserva de oxigénio na boca e nariz, com os tubos ligados à botija enorme de oxigénio.
A equipa técnica trabalha em turnos (num total de seis) para garantir um atendimento contínuo de dia e de noite. Durante a nossa presença no local, registamos um momento emocionante em que o paciente Bernardo Nhatsave fazia ginástica no quarto e diante do médico Guedes Nacuto faz a seguinte declaração: o que eles foram atribuídos, acho que é mais que a força que eles têm, mas conseguem.

O médico lembra que é humano, por isso não podia deixar de se comover. “De facto são palavras que nos motivam, nos emocionam bastante. É muito bom ter um retorno destes, vindo de um paciente que a gente recebeu num estado crítico e com o andar do tempo apresentou melhorias. Ficamos muito comovidos e a cada dia vamos tempo muita garra, muita força para podermos retribuir aos nossos pacientes”.

Desde que foi aberto aquele centro de isolamento a 5 de Junho de 2020, já passaram estiveram internados 43 doentes, dos quais, 9 perderam a vida (desse número, seis foram só no mês de Janeiro findo). Quando o pior acontece, a consternação toma conta destes profissionais. “Temos um grupo [de Whatsapp] onde a gente partilha a informação do relatório dos pacientes, mas quando há este cenário de óbitos é notório o silêncio, um apagão neste grupo. Então, é uma tristeza para toda a gente”, conclui Nacuto.

Lutar contra a pandemia da COVID-19 significa uma mudança radical no dia-a-dia de quem está na frente de combate. “O relacionamento mudou bastante porque antes eu podia chegar em casa receber abraço de qualquer um, receber beijinho de qualquer um; agora não! Quando saio daqui a primeira coisa que faço é ir à casa de banho tirar a roupa, deixar fora, tomar banho; os sapatos ficam fora, e depois do banho é que vou ter contacto com a família. Então, mudou alguma coisa”, descreve Matilde Bento, médica de clínica geral há um ano.

03 de Fevereiro é Dia dos Heróis Moçambicanos. Normalmente celebramos os feitos dos que morreram para libertar o país do jugo colonial. Este ano, em plena pandemia viral sem piedade, assinalamos os feitos de todos os profissionais de saúde, de vários segmentos, que tombaram em plena batalha, assim como os que continuam em pé fazendo face a esta “terceira guerra mundial”.

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