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Há postos de recenseamento eleitoral sem condições para pessoas com deficiência

Foto: O País

Falta de rampas e de intérprete de línguas de sinais e outras condições dificultam o recenseamento de pessoas com deficiência em alguns postos. O jurista Guilherme Mbilana diz que os membros do STAE podem ser responsabilizados por tais situações. Já a CNE diz que sempre orientou o STAE a ser inclusivo.

Uma escada pode ser, para uns, um meio de acesso rápido a um local, mas, para outros, é sinónimo de inacessibilidade. Tal acontece com pessoas com deficiência nos postos de recenseamento.

Foi o caso de Miguel Chambal quando pretendia recensear-se na Escola Primária Completa 24 de Julho, na Cidade de Maputo.

Miguel usa carinha de rodas para se locomover e para chegar ao posto de recenseamento, que fica na parte de trás do edifício da escola em alusão; teve de passar por uma escada com cerca de dezasseis degraus divididos em duas partes. Um exercício que não podia fazer sozinho, por isso a ajuda de pessoas que se comoviam com a situação foi fundamental, para chegar e sair do recinto escolar.

“As escadas são bem altas, são suicidas. As pessoas que me apoiam correm o risco de tropeçar e todos cairmos. A partir do momento que há obstáculo para se fazer aos postos de recenseamento, praticamente, as pessoas são deixadas de fora”, desabafou.

O mesmo exercício é feito por todas as pessoas com deficiência para se recensear naquele posto de recenseamento e em vários outros no país.

O Fórum das Associações da Pessoa com Deficiência (FAMOD) tem estado a observar e a monitorar a acessibilidade aos postos de recenseamento desde o início do processo. Através de seus observadores, tem notado várias irregularidades. A falta de rampas para o acesso de pessoas que usam carinhas de rodas e de intérpretes de línguas de sinais para deficientes auditivos são algumas delas.

“Até aqui, fizemos monitoria de acessibilidade em três províncias, aqui em Maputo, Niassa e Manica. Em cada uma dessas províncias, cobrimos 10% dos postos de recenseamento. Em termos de barreiras de acessibilidade, encontramos postos, que têm graves barreiras, alguns com mínimas condições e alguns acessíveis a pessoas com deficiência”, disse Crodoaldo Castiano, director-executivo da FAMOD.

Mas, quando colocados à balança, houve mais postos de difícil acesso que outros, tal como explica um observador da FAMOD.

“Oitenta por cento dos espaços observados não são acessíveis. Além deste processo aqui, vamos entrar para o processo de campanha eleitoral, que também não será inclusivo. Haverá pessoas surdas que não vão ouvir o que será dito, mas, no dia da votação, terão de ir votar”, lamentou Zeca Chauque.

A FAMOD entende que falta vontade para se ultrapassar o problema e alerta para o risco de exclusão deste grupo social no dia de votação para as autárquicas, a 11 de Outubro próximo.

“Com um pouco de atenção, era possível evitar termos este tipo de postos de recenseamento com graves problemas de acessibilidade. Esses postos podiam estar localizados na parte frontal da escola ou noutra parte mais acessível”, disse o director-executivo.

O artigo 125 da Constituição da República, no seu quarto número, alínea d, sobre os portadores de deficiência, determina que “o Estado promove, em cooperação com as associações de portadores de deficiência e entidades privadas, uma política que garanta a facilidade de acesso a locais públicos.”

O jurista Guilherme Mbilana diz que, neste caso, o Estado deve ser entendido como Secretariado Técnico de Administração Eleitoral, que se subordina à Comissão Nacional de Eleições.
“Isso significa que o Estado é representado pelo STAE a nível distrital, de cidade, de província, e pelo órgão central”, explicou.

A Lei da Eleição de Autarquias Locais, a lei 7/2018 de 3 de Agosto, vai mais além:“Aquele que impedir qualquer eleitor de exercer o seu direito de voto é punido com pena de prisão de até três meses e multa de quatro a seis salários mínimos da Função Pública.”

Guilherme Mbilana alerta que os membros do STAE podem ser responsabilizados: “Quem deve ser penalizado por conta disto são os agentes eleitorais ou autoridade que tem esta responsável; pode ser na pessoa do próprio director do STAE a nível do distrito, ou o seu representante ou então a autoridade, como tal ”, esclareceu.

O presidente da Comissão Nacional de Eleições reconhece o problema e diz que sempre houve orientação para que haja a inclusão de pessoas com deficiências quer no acto de recenseamento quer na votação.

“Antes de iniciarmos o processo de recenseamento eleitoral, encorajamos todas as brigadas a localizarem-se em posições a que mais gente pudesse aceder, particularmente a pessoas com deficiência. Nós queremos apelar aos brigadistas, revisores e directores do STAE para corrigir a situação”, disse Carlos Matsinhe.

O processo de recenseamento iniciou no dia 20 de Abril e tem sido marcado por denúncia de várias irregularidades.

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