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Gabriel: o gigante de 2.5 metros morreu há 25 anos

Nasceu na Província de Gaza, há 72 anos, tendo saído de Moçambique em 1969 para Portugal, onde passou a ser exibido como artista de circo. O seu gigantismo fê-lo viajar por quase todo mundo. Era, na altura, o homem mais alto do mundo. Regressou ao país depois da Independência. Uma grave queda, a segunda na sua vida, em Janeiro de 1990, foi-lhe fatal: fez um traumatismo craniano e morreu no Hospital de Maputo com apenas 45 anos.

Gabriel Mondlane, conhecido pelo Gigante de Manjacaze, um homem com 2.50 metros de altura, constou do “Guiness Book” (Livro dos Recordes) durante largos anos.

O GIGANTE… “AO VIVO”

O meu irmão mais velho, o Cipriano, era jornalista do Diário de Moçambique. No ano de 1965, foi incumbido de ir a Manjacaze reportar o aparecimento de um jovem que aos 20 anos já ultrapassara os dois metros de altura. Passou a ser o assunto do momento.

Segundo me contou, quando chegou à casa do gigante, ele não estava presente. A mãe, após as apresentações, pediu para que aguardasse. Não tinha então a dimensão do que estava para aparecer. Minutos depois assistia, pasmado com o que via, pois por cima da copa das árvores, surgiu uma figura de tamanho impensável: era o gigante de Manjacaze, até então desconhecido na Nação. Tinha o privilégio de reportar algo até então desconhecido.

As reportagens foram “consumidas” com avidez no Lourenço Marques de então. Desde logo, os apetites dos empresários aguçaram-se e em pouco tempo o Gabriel Mondlane veio para a capital. A sua presença dominava as conversas. Tínhamos, em Moçambique, o homem – faltava confirmar – mais alto do Mundo. Isso passou a atrair curiosidades, muito particularmente da metrópole de então.

Eu, na altura com 16 anos, li e ouvi comentários, mas não tinha a dimensão de como seria o “tal” homem mais alto do mundo. Uma coisa é ver fotos e ler artigos nos jornais e a outra é estar diante dele. E isso acabou acontecendo.

Passava pela Avenida Manuel de Arriaga (hoje Samora Machel), num fim de tarde, quando vi muita gente de pescoço esticado, diante da montra da Reis & Basto Juvenil, um pouco acima da Pastelaria Scala. Juntei-me ao grupo, pus-me em bicos de pés e através da montra, vi o gigante. Não me impressionou. Admiti que era alto, mas… nada de especial. Porém, a surpresa estava para vir porque o Gabriel Mondlane foi convidado a sair do estabelecimento para uma “foto de família” na rua. Aí, a minha surpresa, feita estupefacção, não poderia ser maior.

Porquê? Afinal, o Gabriel não era grande, era… imenso. Do local onde ele estava antes, eu não conseguia vislumbrar que ele se encontrava… sentado! Quando veio para a Avenida e se foi pondo, aos poucos, de pé, vi a sua cabeça enorme subir, subir, subir… Parecia que para nunca mais parar!

Afinal, o homem era mesmo um gigante!

Soube depois que o Gabriel gostava muito de crianças e era uma pessoa calma e tímida. Estava longe da imagem que se projectava dos gigantes nas leituras infantis para obrigar as crianças a comer a sopa. Pelo seu olhar tímido, via-se que não convivia bem com a fama e com o facto de não poder passar despercebido. Aceitava a sua anormalidade com pouca naturalidade, quase como um castigo e com resignação. Sentia-se como que envolvido numa fama para a qual nada tinha feito para atingir.

VÍTIMA DOS “BUSINESS”

Veio depois a fama, mas com custos. Um empresário que não se pode dizer que tivesse muitos escrúpulos, tomou de imediato a “paternidade” do gigante. O Gabriel passou a ser exibido no interior de uma tenda da Feira Popular de Lourenço Marques. Pagava-se para entrar e havia uma cesta à sua frente com o letreiro “Obrigado”. Era para as contribuições, mais esmola que donativo.

Mas a sua presença nos holofotes de Lourenço Marques, foi sol de pouca dura. Havia apetites maiores. Apesar de ser um homem doente, meio deficiente, tudo da sua anormalidade servia para se fazer negócio. A sua cara enorme, o comprimento das suas pernas, o número 60 do seu sapato, enfim.

E foi assim que numa gala de despedida no Cinema Manuel Rodrigues, o gigante foi figura de cartaz na despedida para Lisboa, para onde iria satisfazer outros apetites. Houve música para todos os gostos, com referências de gratidão à Província.

Ultramarina que havia ”parido” um cidadão que iria ser mostrado ao mundo. No palco, com sapatos de tacão alto, um fato quase circense, o gigante foi apresentado pela última vez.

“Obrigado, Felicidade, Adeus”! Foram as palavras de despedida.

E foi assim que do alto dos seus dois metros e meio, pesando cerca de 180 quilos, o gigante de Moçambique como passou a ser conhecido. Chegou a Portugal, causando grande alvoroço e curiosidade: apoiava-se numa bengala e sorria quando alguém o cumprimentasse. Tinha umas mãos muito grandes… e uns pés que nunca mais acabavam.

Foi usado em circos ou eventos privados, como coisa rara e insólita. Depois viajou por todo o mundo. Gabriel Mondlane e o anão de Arcozelo – o homem mais alto e o mais baixo do mundo – estiveram no velório de Salazar. Lado a lado, em pose tensa e respeitosa, foram dar o último adeus ao ditador.

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