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Fraca orientação vocacional leva a sucessivas mudanças de curso

Peritos em educação afirmam que há fraca orientação dos alunos no ensino secundário para escolha de cursos no ensino superior. O problema pode retardar a formação dos alunos e levar a frustrações profissionais. Os especialistas apelam para a necessidade de introduzir a figura do psicólogo nas escolas para resolver o problema.

Calisto Abdul inscrevia-se para frequentar o seu último ano no ensino médio. Com cerca de dez meses para concluir, disse estar ansioso para passar de classe e ingressar no ensino superior.

O adolescente, de 17 anos, pretende fazer Licenciatura em Engenharia Mecânica no próximo ano e contou que a sua paixão por carros o fez começar a pesquisar sobre o curso desde cedo.

“Gosto de trabalhar com peças de carros, máquinas e sinto-me fascinado por isso”, contou Abdul.

Já a sua colega Alia contou que tem o seu pai como fonte de inspiração, por isso sonha em ser advogada.

A escolha de curso tem sido, na verdade, para muitos candidatos ao ensino superior, um assunto complicado, tal é o caso de Agnência Justina.

“Em 2021, concorri para fazer Licenciatura em Administração Pública. Decidi mudar porque se eu tivesse sido admitida, não estaria bem nem feliz, por isso agora me candidatei ao curso de Cultura e Literatura Chinesa”, contou Agnência Justina, que cedo descobriu que devia repensar a sua escolha, diferentemente de Elton Chone, que, por influência da sua família, assistiu a aulas durante um ano, sem pensar que a frustração viria mesmo antes do fim.

“O primeiro curso a que concorri e foi-me admitido foi de Licenciatura em Jornalismo. Ao longo do ano, apercebi-me de que aos poucos me ia frustrando. Por isso mesmo, no ano seguinte, a minha família achou conveniente que eu me candidatasse novamente para fazer o curso que sempre quis, para futuramente evitar problemas”, explicou Chone.

Segundo o psicólogo clínico Hachimo Chagane, casos como estes não são raros e o resultado, quando ignorado, reflete-se no exercício da profissão.

“Há pessoas que estão a fazer o ensino superior e mudam de curso quase anualmente. Começam um, e depois descobrem que não é aquilo que queriam, inscrevem-se num outro. E, ao fim de quatro anos, percebe-se que não conseguiram concluir sequer dois anos. Já no trabalho, tem frustração. Na docência, por exemplo, os professores podem até formar-se e exercer a função, mas não são docentes”, explicou Chagane.

Por isso mesmo, Alfredo Maposse chamou atenção para a necessidade de olhar para a orientação vocacional, como factor crucial para a escolha do curso.

“Para termos bons profissionais amanhã, precisamos de capacitá-los desde a base. E, para que sejam bem formados, é preciso descobri-los desde muito cedo e a orientação é um dos remédios para o efeito, porque, logo à partida, se descobriria a inclinação de cada um”, explicou o psicólogo educacional e orientador.

A falta de orientação dos alunos têm-se também reflectido a nível das universidades. “Em 2021, tivemos números que não nos foram confortáveis. Cerca de 100 casos de admitidos estavam desalinhados em relação à sua área de formação. Para fazer o curso de Medicina, por exemplo, é necessário que haja uma formação prévia que se ajusta o curso”, explicou Betuel de Jesus, director do Registo Académico da Universidade Eduardo Mondlane.

As escolas secundárias orientam os alunos, a partir do segundo ciclo, mas reconhecem que não é o suficiente.

“Este processo de orientação não é fácil e, se o fazemos, não é como deveria ser porque também requer disponibilidade de meios. Seria bom se, a nível das escolas, tivéssemos psicólogos que estivessem a trabalhar nas próprias escolas, não só para a questão da orientação vocacional, mas também para todas outras intervenções que são necessárias para os alunos”, referiu Orlando Dima, director da Escola Secundária Francisco Manyanga.

Os psicólogos e especialistas em orientação vocacional e profissional defendem o reforço da orientação vocacional nas instituições de ensino médio.

“O Ministério da Educação e Desenvolvimento Humano deve institucionalizar órgãos de orientação vocacional nas escolas, porque este é um trabalho terapêutico e a decisão de escolha é difícil”, explicou o psicólogo clínico Hachimo Chagane.

A orientação vocacional ajuda na descoberta de habilidades apropriadas para o exercício de uma profissão, através de sessões de aconselhamento e testes práticos.

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