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Finlândia: um modelo de excelência em educação pública

Eram 04h50 da manhã quando aterrámos no Aeroporto de Helsínkia. Acolheu-nos uma fresca temperatura matinal de -7 graus centígrados. Vínhamos de uma noite passada a mais de 12.000 metros de altura e a uma velocidade de 860km/h. Depois de cumpridas todas as formalidades migratórias e de alojamento, começámos a nossa jornada as 08h30, num ritmo rigorosamente cronometrado. É fascinante como, na Europa, a noção do tempo e da pontualidade assumem uma dimensão praticamente sagrada, contrariamente ao que nos habituamos no quotidiano africano.

Helsínkia é a capital da República da Finlândia. No passado dia 6 de Dezembro de 2017, este país nórdico celebrou o centenário da sua independência. A Finlândia é também conhecida como o país do Pai Natal (segundo a lenda, o Papai Noel mora nas montanhas de Korvatunturi, na Lapônia-Finlândia), o país da Sauna (calcula-se que existem na Finlândia mais de 3 milhões de saunas – praticamente uma sauna para cada dois habitantes), o país criador do famoso Nokia 1100 (o celular mais vendido na história da telefonia móvel – 250 milhões de exemplares em todo o mundo). Em 2018 foi considerada pelas Nações Unidas o país mais feliz do mundo e o melhor lugar no planeta para se nascer.

No entanto, até a década 50, a Finlândia era uma nação pobre e ninguém podia prever que este país com cerca de 330.000km2 e pouco mais de 5.500.000 de habitantes, ao decidir revolucionar o seu sistema educativo se transformaria num dos países mais prósperos do mundo, ostentando um dos melhores PIB do planeta, sendo o número um em capital humano com base em indicadores como educação, bem-estar e emprego, e ainda reconhecido com várias outras classificações mundiais prestigiantes.

Porém, para a nossa comitiva, de profissionais da educação, a Finlândia é um destino escolhido especialmente pela qualidade do seu sistema de educação, classificado como o melhor do mundo.

Qual é o segredo do milagre Finlandês? Esta era a principal pergunta que a nossa expedição académica levava na bagagem.

Sob a neve macia, cobrindo o solo, as águas e os tectos, qual um manto branco e puro, ficámos a saber que a história da Finlândia – o país dos mil lagos (187.888 lagos exactamente) – mudou radicalmente nos meados do século XX, quando o parlamento tomou a decisão de permitir que todas as crianças pudessem estudar em escolas públicas de qualidade. Desde então, todos os finlandeses têm acesso à educação gratuita da pré-escola até ao ensino superior. Esta filosofia constituiu sem dúvida, a chave do sucesso desta nação.

Creio poder resumir em três ideias fortes os factores determinantes que permitiram situar entre as mais altas do mundo, a qualidade do sistema educativo finlandês e, consequentemente, conduziram este país ao topo do progresso, em pouco mais de 50 anos.

O primeiro elemento assenta no facto de o país ter assumido a educação como uma prioridade nacional.

Os finlandeses compreenderam e souberam, genuinamente, pôr em prática uma velha ideia que sempre fez parte do património pedagógico universal: tudo começa com a escola.

Reconhecendo a educação como uma prioridade nacional, os finlandeses ousaram “pensar fora da caixa” e, ao longo de décadas, experimentaram fórmulas de gestão da educação que nenhum país antes ousara implementar, tendo assim logrado resultados fabulosos.

O sistema educativo finlandês preconiza uma educação gratuita, igualitária e de qualidade para todos os cidadãos nacionais. A forma como a Finlândia materializa o princípio de gratuidade é sui generis. Na prática, toda a educação é financiada pelos impostos e não existe efectivamente no país mercado de educação privada. Impressionou-nos saber que até as instituições geridas por organizações particulares, que se consideram “privadas” recebem do Estado mais de 80% do seu orçamento. Em função do número de alunos que tem, cada instituição recebe do erário público o orçamento correspondente ao custo unitário da formação.

O princípio da educação e igualitária consubstancia-se no facto de o filho do empresário mais bem-sucedido e o filho do modesto empregado de balcão estudarem lado a lado, desde o pré-escolar até a universidade. A educação da criança deixa de depender da condição social ou financeira dos seus encarregados de educação e o Estado chama a si a responsabilidade de oferecer oportunidades iguais para todos.

O sistema finlandês decidiu igualmente considerar gratuito a refeição nas escolas, as actividades extra-curriculares, o material didáctico, porém não considera relevante o uso do uniforme escolar.

O segundo elemento de sucesso tem a ver com a forma como os alunos são tratados. Os alunos não são vistos como clientes, nem como usuários do sistema educativo. Os alunos são tidos como seres humanos e são orientados como indivíduos. A Finlândia não se dá ao luxo de perder uma única criança. Equidade, qualidade e competitividade constituem um menu bem equilibrado na receita da escola finlandesa.

A Educação procura alcançar a realização plena e a felicidade de cada indivíduo. Os alunos finlandeses são os que apresentam índices de desempenho dos mais altos do mundo, no entanto são os que passam menos tempo por dia estudando. A escola ocupa as crianças com actividades que estimulam a criatividade, o raciocínio lógico e o conhecimento do mundo. A opção do sistema finlandês foi de, ao invés de preparar os alunos para as avaliações, prepará-los para a vida, propondo actividades escolares baseadas no seu ambiente quotidiano e adaptadas à sua idade. Uma criança é uma criança e não um adulto em miniatura, por isso deve fazer coisas de crianças.

O objectivo da educação é apoiar o crescimento pessoal como indivíduo e membro da sociedade. A escola ensina o que pode vir a ser útil na vida. Desde cedo, os alunos aprendem coisas do tipo: o que é um contrato, um talão de cheques, como calcular os impostos, e são treinados a fazer escolhas, análises críticas e a tomar decisões. Desta forma, as crianças crescem sem ter saltado etapas da vida da infância, da adolescência ou da juventude e são preparadas para se tornarem adultos responsáveis.

Difícil entender que na Finlândia a escola não é obrigatória, mas a educação sim é obrigatória, e que crianças não têm TPC, nem passam dias estudando antes das provas.

O outro factor de sucesso do sistema da educação da Finlândia mais frequentemente destacado é o estatuto profissional e social da profissão docente. A profissão é altamente respeitada.

A Finlândia adoptou uma política de valorização do professor que consistiu em determinar o nível de mestrado como condição básica para leccionar nas escolas, o que tornou o magistério uma profissão de prestígio criando um novo conceito de dignidade profissional. Existe maior competição para a profissão de professor do que a de médico, economista ou jurista.

Os professores possuem um alto nível de formação, com diplomas universitários e preparação psico-pedagógica, o que confere confiança no seu desempenho de tal modo que não há necessidade de inspectores na educação. A valorização profissional incide também, e obviamente, no reconhecimento salarial. O salário de um professor primário passou a ser quase metade do de um deputado.

O sistema de educação da Finlândia é provavelmente o melhor do mundo. O sucesso do modelo finlandês não é resultado apenas de políticas educativas, mas também de políticas sociais. Os finlandeses entendem que se o aluno está doente, tem fome ou tem medo não vai aprender. Então, as políticas sociais devem concorrer para assegurar um ambiente favorável a aprendizagem, proporcionando alimentação, saúde, amor e segurança a todas as crianças.

Tudo isto é fantástico, impressionante e muito desafiador. Porém não tem nada de ficção científica. E nós moçambicanos não precisamos de reinventar a roda, mas também não nos devemos limitar a importar práticas que podem não ser aplicáveis no nosso contexto. Todavia, podemos aprender da experiência dos outros.

A grande lição que podemos tirar do modelo finlandês é que nós precisamos de determinar que tipo de educação queremos na nossa sociedade e ousar definir as políticas mais ajustadas para levar o nosso país aos patamares que pretendemos alcançar. Temos de compreender que a competitividade de um país não começa na sua indústria, nem na quantidade dos seus recursos naturais ou na capacidade das suas forças armadas. A grandeza de uma nação depende fundamentalmente do que acontece na sala de aulas.

Está neste momento depositado na casa do povo a nova proposta da lei do Sistema Nacional da Educação. É muito importante que esta lei não se limite a actualizar assuntos plasmados na lei anterior, mas que traga inovações substanciais para que realmente ela contribua para a formação de uma nova geração de moçambicanos mais felizes, numa sociedade mais justa e com elevado grau de criatividade para edificar um Moçambique melhor.

Nelson Mandela disse certa vez que “a educação é a arma mais poderosa para mudar o mundo”.

É que, de facto, não há projecto social, político, económico que se estabeleça num país sem investimento na educação. Boa parte do futuro de uma sociedade está assente na educação e o exemplo finlandês indica-nos que, se dermos uma educação de qualidade aos jovens, estes catapultam o país.

A situação da educação em Moçambique é preocupante. Precisamos de uma educação que esteja ao serviço do progresso social e do bem-estar colectivo. Uma educação que não seja uma ferramenta para formatar pessoas. Moçambique precisa de uma educação que devolva a esperança aos jovens, que traga maior qualidade de vida ao cidadão e que dê respostas ao sentido mais profundo do ser humano.

Este desiderato, felizmente, não está fora do nosso alcance. Se soubermos mobilizar o conhecimento e a experiência já existente no país e ousarmos genuinamente pensar “fora da caixa” podemos sim, num espaço de duas ou três décadas proporcionar ao nosso povo uma educação que abra as portas para a felicidade individual e colectiva e que estimule a prosperidade e o bem-estar social.

 

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