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Febre tifóide agita Nampula

Há uma percepção de se estar perante um surto de febre tifóide em Nampula, mas o sector de Saúde desdramatiza e critica a actuação das clínicas privadas que, no seu entender, fazem diagnósticos de falsos positivos. A nossa reportagem recolheu dados de 10 clínicas privadas das cidades de Nampula e Nacala que, em Abril, registaram uma taxa de positividade de 32% em 1268 testes.

A febre tifóide é bastante conhecida na cidade de Nampula, porque tem sido recorrente o diagnóstico nas clínicas privadas, sob alegação de que, a nível dos hospitais públicos, não é detectada.

Ilídio dos Santos passou por essa situação muito recentemente. Depois de uma semana com dores de cabeça febre foi ao Hospital Militar onde foi submetido ao teste de malária que por duas vezes deu negativo.

 “De tanto sentir-me mal, acabei indo de novo ao Hospital Militar e fiz de novo o teste de malária que deu negativo. O enfermeiro que estava de serviço disse para que tinha que fazer o teste de tifoide como os sintomas são similares. Como nesse dia não se trabalhava no laboratório, acabei indo à clínica Muahivire e acabei pagando, fiz o teste que deu positivo”, testemunhou Ilídio dos Santos.

Para o teste de tifoide, na clínica privada, pagou 1000 Meticais e iniciou imediatamente o tratamento. “Depois disso, acabei fazendo o tratamento de acordo com o que o técnico me disse. Comprei os medicamentos e como se não bastasse fiz o tratamento em casa”.

A doença até passou, mas o que Ilídio não sabia é que o resultado que teve pode não ser muito realístico, porque, segundo explicação da Direcção de Saúde, o teste que as clínicas privadas fazem não é conclusivo para a febre tifóide. O nosso jornal contactou várias clínicas e laboratórios do sector privado na cidade de Nampula, mas nenhuma mostrou-se disponível para falar à nossa reportagem.

A nossa equipa de reportagem conseguiu, no entanto, ter acesso a dados de 10 clínicas privadas de Nampula e Nacala, uma vez que existe um protocolo que obriga todas as clínicas e laboratórios privados a canalizarem o relatório mensal à Direcção de Saúde reportando os casos testados e os que tiveram diagnóstico positivo. Desses dados, consta que, no mês de Abril, as 10 realizaram 1268 testes, com 407 positivos, correspondendo a uma taxa de positividade de 32%.

“Os rumores que têm vindo a ocorrer, para aquilo que são os estudos que temos vindo a fazer, nós como província de Nampula não temos surto de febre tifoide, isto tem que ficar claro, porque do estudo que fizemos de 2018 a 2019, a nível do Hospital Central, porque nós temos condições para diagnosticar a febre tifóide, das 2500 amostras que fizemos, menos de 10% tivemos a presença de salmonella typhi que é causadora desta doença”, justificou Munira Abdou, directora provincial de Serviços Sociais.

A febre tifoide é uma doença com manifestação que se aproxima à sintomatologia de malária, só que diferentemente desta última, a tifoide é transmitida por via fecal/oral e o agente causador é uma bactéria conhecida por “salmonela typhi”. A bactéria em causa pode ser encontrada em alimentos que estejam contaminados por uma pessoa portadora da doença que em alguns casos é assintomática. Daí que a febre tifoide seja tida como sendo uma doença relacionada à higiene.

O seu diagnóstico é feito em laboratórios equipados para a área de biologia molecular direccionada para detectar a salmonella typhi e ao nível da província de Nampula só o Laboratório de Análises Clínicas do Hospital Central de Nampula tem capacidade para o efeito.

“Há muitos pontos ao nível da cidade de Nampula em que está a ser realizado o teste de widal. Os testes de widal não são testes conclusivos para o teste da tifoide. São testes recomendados para fazer o rastreio inicial. Muitas clínicas ao nível da cidade de Nampula, assim como alguns profissionais de saúde, têm estado a realizar e a tomar decisões em função destes resultados de testes rápidos”, explicou Manuel Lázaro, chefe do Laboratório de Análises Clínicas do Hospital Central de Nampula.

O epidemiologista Manuel Lázaro entende que os casos tidos como positivos no teste rápido deviam ser em seguida encaminhados ao laboratório especializado que dirige para um segundo teste de confirmação, algo que não acontece.

A crítica é direccionada igualmente aos profissionais de saúde dos hospitais públicos que, em muitos casos suspeitos, não solicitam a análise para a tifoide.

O resultado do exame pormenorizado para detectar a bactéria causadora da febre tifóide no Laboratório de Análises Clínicas do Hospital Central de Nampula leva três dias para sair.

No entanto, no meio a tanta poeira, a autoridade de Saúde em Nampula está a dizer indirectamente que as clínicas privadas podem estar a fazer negócio com os chamados falsos positivos e são essas pessoas que são submetidas a tratamento de choque e podem no futuro desenvolver resistência aos fármacos que combatem a tifoide e isso pode constituir um encargo para o Estado que será obrigado a importar medicamentos de segunda linha que são tendencialmente mais caros.

Estranho, também, é que nenhuma entidade, nem a Inspecção de Saúde, lança mão nisso para evitar um dano maiores resultantes desses diagnósticos não conclusivos das clínicas privadas.

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