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“Fazer Mosquito em Moçambique foi como regressar ao útero materno”

João Nuno Pinto é realizador português e nasceu em Moçambique lá vão várias décadas. À terra natal, o cineasta voltou para gravar uma longa-metragem baseada em factos reais, que foi escolhida para abrir o Festival Internacional de Roterdão, na Holanda, mês passado. Além de Mosquito, título do filme em causa, João Nuno Pinto conta, a seguir, como foi produzir a longa e o que Moçambique representa para si.

 

Mosquito é um filme sobre o seu avô e sobre Moçambique.  O que mais o motivou a trazer esta história?

Tudo começou com histórias que eu ouvi em casa, sobre o meu avô paterno que não conheci. Quando eu nasci, ele já tinha falecido. Quando o meu avô tinha 17 anos de idade, quis combater os alemães. Nessa altura, foi enviado para Moçambique, onde percorreu mais de mil quilómetros a pé, à procura da guerra. Agora, imagine um jovem que nunca tinha saído da sua aldeia, no Norte de Portugal, de repente está em África, em Moçambique, há 100 anos, num lugar sem estradas, numa situação em que a ocupação do colonizador era ainda muito insipiente, perdido no meio do mato… por todos os relatos que existem, deve ter sido um horror. Durante essa viagem, alguma coisa se passou, o que fez com que ele não voltasse para Portugal. Ou seja, o meu avô sobreviveu e quis ficar em Moçambique. Foi graças a ele ter ficado que o meu pai e eu nascemos em Moçambique.

 

A motivação?

Quando comecei a trabalhar no filme, no entanto, mais do que contar a história do meu avô, interessou-me muito mais contar a história desta guerra e da sua demência. Ainda mais uma guerra que não é de defesa de um país, mas de luta no outro território que se considera de alguém pelo direito de se ter ocupado. Isto leva-nos ao segundo ponto do filme, que fala da colonização, do horror da colonização e da subjugação dos outros povos. Este era um tema que eu julgava importante abordar e falar, principalmente em Portugal, para provocar uma discussão sobre o que significou, de facto, ser um país colonizador e ocupar um país que não é o nosso. Este filme acaba por confrontar o meu passado, de onde eu venho.

 

Há uma missão nisso?

Eu tenho uma missão a fazer, que é provocar esta reflexão e mostrar que a colonização não foi boa. É importante olharmos para o passado e tirarmos lições, de modo a podermos aplicar decisões certas no presente. Nada melhor do que percebermos o errado que fizemos no passado, para que a história não se repita.

 

Como foi regressar ao país onde nasceu com este filme?

Regressar a Moçambique para fazer o filme foi uma experiência incrível. Tão bom do que fazer um filme é o processo de o fazer. Fiz quatro viagens interessantíssimas. Percorri Moçambique de Sul a Norte, do Índico ao Niassa. Fiz mais de cinco quilómetros de carro, só na primeira viagem para pesquisa. Conheci pessoas extraordinárias. Fazer este filme em Moçambique foi como regressar ao útero materno, ao meu berço, a um lugar onde eu sinto-me bem e em casa, um lugar onde eu nasci. Não há palavras para descrever essa sensação. Este é um filme feito sobre o amor. Nasceu do amor e da dívida que eu tenho perante Moçambique e o povo moçambicano.

 

Boa parte dos actores que integram o elenco de Mosquito são moçambicanos. O que acha dos actores moçambicanos?

Ter trabalhado com actores moçambicanos foi outra experiência maravilhosa. Os actores me acolheram e acolheram o filme com uma generosidade incrível. Foi uma das experiências mais enriquecedoras que eu já tive no cinema. Os figurantes, mulheres e crianças que também entraram no filme, foram incríveis. Foi algo que eu só conseguiria fazer em Moçambique. Essa entrega dos actores e a forma como tudo ocorreu não teria sido possível em Portugal ou num outro país. Fico emocionado só de pensar no que aconteceu durante as filmagens e nesse amor todo com que fui recebido. E isso está impresso no filme.  

 

Que benefícios podem advir de Mosquito para Moçambique?

Só na estreia do filme estiveram cerca de três mil pessoas do mundo inteiro, em Roterdão. O nível de exposição do filme é algo impressionante. Julguei que seria incrível despertar este interesse sobre a história de Moçambique no mundo. E, de Facto, todo o feedback é bom. Para Moçambique e para os moçambicanos que trabalham com o cinema, penso que é o reconhecimento de todo o seu esforço, afinal é possível fazer filme de qualidade e de nível mundial em Moçambique. Eu mando um abraço fraterno a todos os moçambicanos e ao meu país do coração.  

 

PERFIL

O cineasta João Nuno Pinto nasceu em Moçambique em 1969 e mudou-se para Portugal aos 5 anos de idade, logo a seguir à independência. Os últimos anos têm sido divididos entre Lisboa e São Paulo. Em 2010, estreia a sua primeira longa-metragem de ficção, “América”, uma irónica reflexão sobre Portugal enquanto país destino de imigração. Também é autor de Skype Me (2008) e Don’t Swim (2015).

 

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