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“Eu não faço negócios estranhos com funcionários do Estado”, Teófilo Nhangumele  

Foto: O País

A audição a Teófilo Nhangumele durou aproximadamente duas horas, neste terceiro dia do julgamento do caso “dívidas ocultas”. Durante a sua reconstituição dos factos, o arguido disse que não faz negócios estranhos com os funcionários do Estado e sublinhou: “O funcionário do Estado, que quer ser milionário, deve sair do Estado”. Deste modo, Nhangumele explicava que a sua colaboração com o SISE, na qualidade de consultor, visava a protecção da costa moçambicana. Portanto, tratava-se de um projecto de informação e não de atum. Por isso, mais tarde, depois de ter sido afastado, pela parte moçambicana, espantou-se quando ficou a saber da EMATUM e das questões ligadas à empresa através da imprensa.

Ao reconstituir os factos, Teófilo Nhangumele afirmou que o seu envolvimento no projecto de protecção da costa moçambicana começou numa reunião em que participou, convidado por Cipriano Mutota, no Ministério da Ciência e Tecnologia. Naquela altura, reconheceu algumas pessoas no encontro, em que esteve Jean Boustani, sendo que a função de Nhangumele era de tradutor de língua inglesa para português e vice-versa. Na reunião, disse, foi apresentado mais um projecto, que envolvia barcos e satélites. De Boustani, ficou a percepção de que os quadros do ministério não tinham percebido o essencial do que tinha sido apresentado. Para o réu, com efeito, a tentativa de protecção da costa moçambicana era importante, porque o território nacional, naquela altura, era utilizado para o tráfico de armas sofisticadas, que poderiam perigar o Estado.

A partir daí, Teófilo Nhangumele e os seus colegas começaram a desenhar a proposta, e aí iniciaram as viagens para que se inteirassem do procedimento de gestão dos sistemas. Desenhado o primeiro conceito, com a identificação de problemas reais, Teófilo Nhangumele foi convidado a participar numa reunião na Presidência da República. O então Chefe do Estado, Armando Guebuza, não participou. Quem esteve no seu primeiro encontro na Presidência foi o ministro da Defesa (na altura, Filipe Nyusi), do Interior, dos Transportes (na altura, Paulo Zucula), das Pescas (Victor Borges), das Finanças (Manuel Chang), o então director-geral do SISE (Gregório Leão), Cipriano Mutota e Teófilo Nhangumele. No encontro, foi feita a apresentação do conceito sobre como iriam usar o equipamento para a realidade moçambicana, de forma específica. Houve boa reacção e sugestões para se aperfeiçoarem os documentos. Foi nessa altura em que Nhangumele comunicou a Jean Boustani que tinha informação animadora.

Terminado o trabalho dos números, foi marcada mais uma reunião na Presidência da República. No encontro, falou-se dos números, custos, capacidades e de como poderiam pôr a funcionar o sistema. “Lembro-me de ter reparado que, no segundo encontro, não estavam dois ministros: Zucula e Borges”. O arguido estranhou a ausência, porque entendia que eles eram importantes. Em vez deles, participaram na segunda reunião os outros que estiveram na primeira. A dada altura, disse Nhangumele, Armando Guebuza perguntou como iriam financiar, pelo que Manuel Chang respondeu que podia ver a questão do financiamento.

Teófilo Nhangumele reforçou que o projecto de protecção costeira era tão importante e incrível que, se as pessoas que estavam na sala de audiência, esta quarta-feira, pudessem ver o que se passa na costa moçambicana, mudariam de opinião em relação ao projecto.

Nhangumele disse ainda Jeran Boustani ajudou a encontrar financiamento do projecto no estrangeiro, e que Credit Suisse interessou-se.

Já numa fase adiantada, Nhangumele disse que o ministro da Defesa (na altura Filipe Nyusi) foi quem pediu ao Presidente Guebuza para se avançar com o projecto de protecção da costa moçambicana. Por sua vez, “o Presidente da República respondeu que se estivéssemos satisfeitos, podíamos avançar”. Então, o arguido tratou de falar com o então ministro da Defesa e com o então director-geral do SISE para se avançar com as assinaturas.

Ainda esta quarta-feira, Nhangumele lembrou que, a certa altura, Cipriano Mutota, seu amigo há muitos anos, o informou de que teve conhecimento de que iriam afastá-lo do projecto, porque não era do SISE. “Confesso que não gostei nada de saber disso. Eu fazia os cálculos, as tabelas, quem sabia do combustível que se gastava de Sul e ao Norte era eu. Perguntei como ficaria o projecto”. Foi o ministro da Defesa, Filipe Nyusi, que, na altura, disse que não trabalhariam mais com ele, e que devia entregar as pastas ao senhor Matlaba. A partir daí, deixou de falar com Cipriano Mutota, porque estava aborrecido, e com Jean Boustani, que deixou de lhe atender. Logo, não sabe dos projectos sobre a pesca de atum, porque não fez parte disso.

Quando o projecto ficou fechado, chegou então o momento de Teófilo Nhangumele ser pago pelo trabalho de consultoria prestado à Privinvest ao longo do tempo. Assim, viajou para Abu Dhabi e lá abriu a conta bancária para a qual foi depositado o valor. A informação de que tinha sido pago pelo serviço de consultoria prestado Nhangumele teve de Bruno Langa. “Fiquei feliz! Como não tinha como saber que o valor tinha sido depositado na conta bancária em Abu Dhabi, liguei ao Jean Boustani, mas ele não me atendeu”.

Cinco meses depois da última estada em Abu Dhabi, Nhangumele viajou e confirmou que o dinheiro lá estava. “Eu queria dar algum dinheiro para Mutota se orientar, porque Mutota ele é meu amigo. Mutota não pede dinheiro a ninguém. É uma pessoa muito simples. Mas não lhe dei”. Segundo o arguido, assim não o fez porque temeu arranjar problemas a Cipriano Mutota.

Resumindo, Teófilo Nhangumele disse que foi contactado para prestar serviço de consultoria em relação a um projecto de protecção costeira. Depois de avançar dados numéricos, foi afastado e, quando voltou a ter informação sobre o assunto, já não se tratava de protecção costeira, mas de pescado de atum.

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