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Dos encantos da palavra em Mbate Pedro…

Quanto tempo leva para aprender que uma flor tem vida ao nascer?

Maria Gadú

Vácuos é uma flor a sonhar ser vagem. Bem dito, é o próprio fruto de uma semente fértil por sobreviver a todas intempéries, quais tremores de terra capazes de abalar uma substância constituída pela resistência do vazio. O que mais se perde, quando se está nu, mas verdadeiramente puro?! Eventualmente, nada. Logo, há-de ser por isso que Mbate Pedro (re)escreve o seu quarto livro despido de tudo: das amarras literárias, da pressão da vitória efémera e das expectativas do leitor.

Na condição de um poeta educado, esgotando-se até à exaustão para salvaguardar o pacto rubricado com a escrita, Mbate, nesta proposta, parte para longe a fim recuperar “o barrulho escutado quando uma flor cai lá do alto” (p. 17). Um momento mágico quanto cheio de naturalidade; um momento beleza, em que o chão vai colhendo parte do que melhor gera. No livro, obviamente, quem colhe, o que quer que seja bem feito pelo milagre da gestação, é quem ousa ler a poesia cuja essência habita no jogo de palavra efectuado com suavidade; de palavras comuns, é facto, mas a sugerir sentidos complexos, que nos levam a almejar perceber o que se pretende dizer ou a desistir, deleitando-se pela estupefacção. Porque todos estes vácuos que paradoxalmente preenchem os sujeitos desta composição poética correspondem ao labor da palavra vivida, sentida e partilhada. Tal situação, não passa modesta, pois, do início ao fim, a poesia aqui trazida evolui no ritmo que quase boicota qualquer interesse de se largar o livro. As vozes das entidades enunciadoras tornam-se tão presentes que parecem sussurrar palavras de excitação feitas de mel, a invocar um amor Bethânia, feito de composição cubista (numa renúncia à perspectiva), como diria Caetano Veloso.
 
Estes Vácuos confrontam-nos com uma versificação ponderadamente perfurante e comovente.
 
Se é verdade que o livro nos conduz a um lirismo focado, ganhando corpo num monólogo de quem fala para não minguar calado, não é mentira que os poemas nos dão uma outra dimensão, subjectiva, de ver o mundo real.
 
Nos encantos da palavra em Mbate, descobrimos as impurezas das nossas vestes, os desencantos do que vai mal em casa – que concorrem para estes Vácuos, precisamente – e “o desespero que me é dado a/ assistir nos rostos bafientos e medrosos/ dos poetas novatos” (p. 62). Tudo isto, possuído pela reivindicação de colorir a poesia com a sua matéria-prima, a palavra, nua como a flor a sonhar ser vagem. E é aí onde a poesia acontece, na capacidade que a alma do poeta tem de se livrar dos paraísos terrenos em troca de um lugar santo: perto do mar e longe da cruz.

Em Vácuos, mais do que no livro anterior, Mbate Pedro consegue impressionar ao dar-se mais tempo para pintar as páginas da existência… com uma poesia distante das perspectivas quotidianas. Assim, Vácuos, título inquietante quanto oportuno, solidifica, com efeito, que a angústia e a repugnância podem ser transformadas numa obra que nos preenche o vazio de coisas sãs. Simultaneamente, a macha gráfica e o verso bem dito – com simplicidade, a lembrar-nos que poesia não é escrever difícil –, fazem desta obra um marco a registar. Por isso, discordamos daquela personagem do Jorge: não é verdade que “médico SÓ sabe dizer palavra bonita e ter caligrafia ruim”.

 

Titulo: Vacuos
Autor: Mbate Pedro
Editora: Cavalo do Mar
Classificação: 16

 

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