Foram abandonadas à sua sorte, vivem da ajuda de quem lhes pode estender a mão para dar comida, dormem onde dá e o dia de amanhã só Deus sabe. “O País” traz a história de seis crianças que fazem grandes esforços para ultrapassar os obstáculos que enfrentam, no distrito de Boane, província de Maputo. O mais velho, com 15 anos de idade, cuida dos mais novos, com idades compreendidas entre dois e 13 anos.
Há crianças que sofrem caladas, exploradas em troca de comida e não tem onde dormir. Eis o caso das seis crianças a que nos referimos, que são um exemplo concreto da pobreza absoluta. Elas vivem numa casa construída com base na argila e outro material precário que, por pequena “fúria” da natureza, pode desabar e causar uma tragédia.
Esta realidade encontramo-la na localidade de Mahubo, em Boane, que dista a 44,7 quilómetros da capital moçambicana (cidade de Maputo) e a uma distância infinita da imaginação de todos e dos governantes.
No local, terra seca, roupas esfarrapadas espalhadas pelo quintal não vedado, baloiços improvisados com base em cordas de saco, culturas secas (quase que inexistentes) é a fotografia mais visível logo à entrada da casa de dois quartos.
Mais por perto, a fotografia muda radicalmente. A triste realidade com que vivem as crianças, depois de abandonadas pela mãe, evidencia-se. Crianças dormem na areia, não tem cobertores e muito menos sabem o que comer. Foi assim nessas piores condições que um ser humano poderia viver que Fátima abandonou seus filhos à busca de boa vida para si e seus filhos na vizinha África do Sul.
“Queríamos mudar de vida. Mudarmos a forma vivíamos antigamente ainda que não mudemos ao ponto de superar os outros, mas haver melhorias”, ansiou Valente Nhavotso, uma das crianças mais velhas de 15 anos de idade.
E nem é a vida que Fátima desejava para seus filhos, mas a pobreza, seca, fome…enfim a miséria fizeram com que ela tomasse a decisão mais difícil: “Quando vim para cá, vi a situação real das crianças. Elas não tinham onde dormir, não tinham esteira, mantas, e mesmo utensílios para confeccionar alimentos são penelas muito antigas. E nem casa de banho tem. Quando quiserem tomar banho, o fazem atrás da casa. Todos eles”, descreveu Jairo Augusto, um dos vizinhos das crianças.
E são eles seis irmãos. Todos entregues à sorte. O mais velho chama-se Valente Nhavotso, tem apenas 15 anos e frequenta a quarta classe. Um verdadeiro herói, muito cedo, o adolescente teve de assumir o papel de pai e cuidar dos mais novos depois de a mãe abandoná-los para ir a África do Sul à busca de melhores condições de vida para si e seus filhos.
“Eu consigo tomar conta dos meus irmãos mais novos até porque não tenho alternativa. Nos primeiros dias depois de a nossa mãe ter ido à África do Sul, foi muito difícil cuidar deles, mas com o passar do tempo me acostumei”, disse o adolescente, num tom de resignação.
Para os seis menores, falta de tudo um pouco. A casa é de dois quartos. O primeiro serve de cozinha e o segundo, serve de quarto. É pequeno, mas dormem os seis apesar de não ter colchão ou esteira para dormir, cobertores e até casas de banho. Qualquer necessidade é satisfeita numa mata próxima.
“Dormimos na areia. Não temos outra alternativa. Quanto à roupa, cada um de nós aqui só uma camiseta e umas calças. Já as mantas, usamos as que já estão rasgadas e deixadas pelo nosso falecido pai”, contou Valente Navotso, uma das crianças abandonadas.
As panelas já são antigas, mas também há muito tempo não confeccionam comida e o local onde faziam o lume o que sobrou é apenas cinza. Falta alimentação para as crianças. Comida, mas não alguém que encare isso como uma oportunidade para explorar os menores em troca de produtos para comer.
“Fazíamos pequenos trabalhos e ganhávamos algum dinheiro para comprar comida. Se não fosse dinheiro, nos davam comida. Em casa da avó Regina, por exemplo, tirávamos capim, cultivar e no fim davam-nos produtos alimentares. E aquilo doía”, revelou o menor, com uma voz carregada de tristeza e com uma lágrima à espreita.
Mesmo explorado em troca de comida, Valente Nhavotso nunca se cansou de assumir uma postura de um pai protector para seus irmãos até em situações mais difíceis de se imaginar que um adolescente poderia passar. O seu irmão mais de novo, de apenas dois anos, ficou doente.
“O mais novo teve uma doença relacionada com o remédio de lua. À noite, tive que acordar e levá-lo para casa da avó Fátima com fomos juntos à igreja. Esse episódio sucedeu por duas vezes. Foi muito complicado lidar com criança doente”, lembrou Valente Navotso.
E são a avó Fátima, membros da igreja, vizinhos e alguns voluntários que estendem sua mão para ajudar às crianças no que puderem, numa altura em que na maior parte dos distritos da zona sul do país faltam alimentos devido à seca.
“O que eu tenho, cozinho e sirvo-lhos para todos poderem comer. Além de ajudar com alimentação, dou-lhes banho, mesmo não sabão garanto que tomem banho”, relatou Fátima, uma das vizinhas que tem ajudado as crianças.
Virgínia Saveca, também vizinha das crianças, ajudava com o pouco que podia. “O que eu como da minha casa tenho de tirar um pouco que tenho e lhes dou para cozinhar. Tendo em minha casa, cozinho e sirvo-lhos. Seja xima ou caril, todos nós (os vizinhos) e fazíamos o controlo do que eles comiam diariamente para sabermos comer o que lhos dar. Se não dermos é porque não temos”, contou, Virgínia Saveca.
É assim que vivem as seis crianças já há dois meses desde que sua mãe foi à vizinha África do Sul. E a sua ida divide opiniões. Senhor Jairo, um dos vizinhos, afirma categoricamente que a mãe dos menores despediu. “A mãe fez o seu máximo para o bem dos seus filhos. A mim, pelo menos, ela despediu e assim o fez para outras pessoas do bairro. O que as pessoas devem aceitar é que ela despediu”, mas Leonardo Chivunga, secretário do bairro, disse que não teve informação.
“Tendo a senhora ido embora, não tive informação sobre sua viagem. Não chegou de me dizer algo relacionado com isso e nem ao chefe de quarteirão informou”, recusou o secretário do bairro.
Sem informação sobre a viagem da viúva e mãe de seis filhos, as autoridades locais fizer não tiveram como ajudar os menores.
“Eu não sabia que as crianças viviam nessas condições deploráveis”, afirmou categoricamente, acrescentando que se tivesse tido informação teria reportado o caso às autoridades locais sobre as péssimas condições que vivem os menores, “entretanto não consegui fazer isso porque fiquei a saber que estavam sob os cuidados da igreja”.
Nos últimos dias, o amor ao próximo que era demonstrado pela igreja ao ajudar às crianças esfriou e os vizinhos já não têm o que dar. “Eu já não sei o que dar a essas crianças, não sei”, disse, indiferentemente, Lúcia Banze, uma das vizinhas dos menores.
Sem saber mais como ajudar as crianças, o senhor Jairo, um dos vizinhos, escreveu para o Gabinete da Primeira-dama, Instituto Nacional de Acção Social a solicitar ajuda, mas até aqui não teve resposta.
“Fiquei a tremer depois de ver a situação com que vivem as crianças.
Mas depois tirei o medo e busquei ajuda a pessoas singulares e instituições para que pudessem ajudá-las. Submeti as cartas, mas até aqui não tive resposta”, afirmou Jairo Augusto, num tom de desespero.
Diante da inércia das instituições, um grupo de jovens conseguiu chegar à casa das crianças e criou um movimento para angariação de apoio para os meninos.
Aliás, foi desta forma (movimento solidário nas redes sociais) que na manhã de sexta-feira, uma delegação do Instituto Nacional de Acção Social (INAS) chegou à casa das crianças. Chegando lá, levar os meninos para o hospital com objectivo de fazer consultas. O mais novo sofre de infecção no umbigo, mas só foi isso que fizeram…consultas no Hospital Provincial de Maputo e voltaram com pipocas nas mãos.
À nossa reportagem, a comitiva não quis prestar declarações, mas revelou que só poderá ajudar aqueles menores depois de fazer o levantamento das necessidades.
Até ao fecho dessa edição, fontes seguras tinham garantido que a mãe dos meninos já tinha regressado da África do Sul.
