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Desbloqueio de cereais não vai aliviar crise em África, alertam analistas

O desbloqueio de 25 milhões de toneladas de cereais nos portos ucranianos não vai produzir forte impacto no alívio de preços dos fertilizantes, cereais e derivados em África. O posicionamento é defendido pelos analistas políticos Wilker Dias e Arsénio Zunguze.

No compito geral, é uma medida que traz um certo alívio à crise que o mundo vive com a alta de preços, atendendo que só a Rússia e a Ucrânia produzem 30% dos cereais consumidos no mundo, mas o impacto não será significativo nem imediato para Moçambique, em particular, defende Wilker Dias, analista de Relações Internacionais.

Dias encontra, no severo, o impacto da escassez de cereais nos países da África branca, um exemplo claro de que, para o continente, o desbloqueio poderá trazer uma certa consequência positiva mínima e de longo prazo nas quantidades e na redução do preço.

Wilker Dias adverte que a baixa não será na proporção que se espera, porque há outros factores, como é o caso do preço dos combustíveis, porque “para o próprio transporte dos cereais, precisamos dos combustíveis e, se não temos os combustíveis a preço acessível, não tem como ter os cereais a serem comercializados ao preço anterior, ou seja, haverá uma certa compensação dos custos operacionais no preço final”.

Ademais, isto pode demorar para se reflectir na economia moçambicana, também porque o acordo foi assinado há poucos dias e é preciso fazer um certo acompanhamento, de acordo com a visão do analista Wilker Dias, que chama os moçambicanos a terem cautela. “É importante fazermos o acompanhamento da situação e das quantidades que saem.”

Dias reconhece que esta decisão foi, em parte, influenciada pelo apelo feito pelo presidente da União Africana, Mack Sall, na sua visita à Rússia, facto que se entende ser crucial para que parte dos produtos beneficie os mercados africanos.

“Isto acabou por mexer a sensibilidade. Mas, também acredito que, embora tenha havido  uma pequena influência africana, há, em primeiro lugar, interesses russos, com vista a reduzir o impacto das sanções da União Europeia”, disse, para de seguida explicar que “há fertilizantes e cereais, também na Rússia, que precisam de ser exportados, pelo que é evidente que esse desbloqueio tenha sido estratégia muito bem desenhada pelo Governo de Putin”.

Face à situação, o analista Dias prefere que a economia do país não esteja refém das dinâmicas dos países europeus e defende o desenvolvimento de uma economia endógena.

“Eu acredito que isto deve constituir um factor de preocupação para Moçambique, desenhar estratégias para alavancar ainda mais o sector da agricultura. Isto sim.”

Segundo Dias, Moçambique deve procurar estratégias a nível da região para impulsionar a produção de fertilizantes, porque há capacidade interna e produtores de topo. “Não se pode prever redução de preços. O preço é influenciado por outras variáveis. Neste momento, temos os preços influenciados pela alta dos combustíveis.”

Por seu turno, Arsénio Zunguze, analista económico, entende que, com o desbloqueio de cereais, haverá uma estagnação de preços, ou seja, o fenómeno vai frear as intenções de alguns países de aumentar preços dos produtos básicos, principalmente, trigo e derivados.

Para ser elucidativo, os preços não vão baixar, segundo o interlocutor. Zunguze explica que, havendo escassez, houve necessidade de se recorrer a mercados alternativos, e os produtores, tendo-se apercebido disso, agravaram o preço e, apesar do desbloqueio dos portos da Ucrânia, um dos principais exportadores, não se pode prever redução de preços.

Na explicação do economista, o preço é influenciado por outras variáveis. “Neste momento, temos os preços influenciados pela alta dos combustíveis, que vão continuar a travar qualquer tentativa de reduzir o preço dos cereais”, disse, para de seguida acrescentar que é uma falácia pensar que os preços vão baixar. Há uma máxima da economia que diz que os preços nunca baixam. Portanto, os preços não vão baixar mais, a percepção dos produtores é que haverá oferta, e o sacrifício que faziam vai reduzir. Entretanto, só a qualidade da oferta é que vai melhorar”.

O facto de haver imprevisibilidade quanto ao término da guerra é também um dos factores arrolados por Zunguze. Entende o analista que isto vai fazer com que os agentes económicos que dependem do trigo não reduzam os preços, porque não sabem até onde vai durar essa abertura dos portos.

O académico vai mais longe ao apontar que economias como Moçambique não podem esperar alívio do custo de vida com esta medida russo-ucraniana, visto que as pressões inflacionárias não são só ligadas ao trigo.

Segundo acusa Zunguze, as pressões inflacionárias têm a ver com a falta de capacidade do Governo em permitir que o sector privado possa servir o Estado, para manter os empregos e manter a capacidade tributária que tinha antes.

“Por causa da situação de imprevisibilidade, o Banco de Moçambique tem adoptado uma política monetária restritiva e uma política fiscal que não é expansionista. O custo de vida não vai baixar porque o Governo não tem resposta para as outras pressões inflacionárias que existem. O que vai acontecer é que o preço dos produtos derivados do trigo pode ficar estacionário”, argumentou.

O mesmo cenário é esperado na componente dos fertilizantes, ou seja, também se pode projectar impacto não significativo, equiparado ao dos cereais, visto que o diesel (crucial na matriz produtiva) sofreu agravamento.

“O que está a acontecer é que vai permitir que aquilo que eram as expectativas, de agravamento de produtos de primeira necessidade, não vai acontecer com a mesma velocidade esperada. O factor energético é fundamental. Portanto, o impacto vai ser estagnação”, disse Zunguze, a finalizar.

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