O académico e escritor, Lourenço do Rosário, diz que é injusto que se diga que, em Moçambique, os intelectuais não falam sobre os assuntos da nação. Para ele, o problema é que não há quem ouça os académicos quando fazem análises da realidade do país.
Hoje, Lourenço do Rosário lançou o quarto volume da colectânea “Singularidades: estudos africanos”. Trata-se de um livro que foi lançado, pela primeira vez, em 1996 e que é um conjunto de textos que o autor escreve com diferentes fins, entre artigos de opinião, crónicas e até prefácios e posfácios.
O livro, lançado hoje, em Maputo, foi apresentado pelo poeta Ricardo Santos, que disse ser bastante importante que se “escute” este autor “irrequieto e irreverente”.
Enquanto escutava Ricardo Santos falar de si e das suas obras, Do Rosário ia esboçando um sorriso de agradecimento e, até, de lisonjeio. Ricardo Santos foi breve, então o mestre de cerimónias tinha de chamar o autor para breves palavras sobre o livro.
Sucede que Do Rosário não quis usar esse momento para falar da obra. Quis, porém, destacar outras coisas que lhe vão à alma. Usou do espaço para falar de uma classe de que faz parte, a dos intelectuais.
Segundo ele, há uma injustiça que se comete à volta desta classe, e essa injustiça consiste na corrente de ideias segundo a qual os intelectuais não falam. Ele nega isso. “Os intelectuais e os académicos moçambicanos falam, mas não têm quem os ouça. Este é que é o problema. Há muita gente a escrever nas redes sociais, nos jornais, nas palestras sobre a nossa realidade, mas não é ouvida”, começou por explicar.
Quando fala dos intelectuais, não se limita àqueles que escrevem. Do Rosário menciona, também, os cantores e todos aqueles que intervêm de diferentes formas. Sucede que, como ele disse, “o destinatário” não está lá presente.
O jornal O País perguntou de quem é, afinal, o ouvido que não está disponível para ouvir pessoas como Lourenço do Rosário. Ele respondeu dizendo que é todo o “poder”, mas não ficou por aí, destrinçou o “poder”.
“Todos os poderes; o económico – os nossos empresários não participam no desenvolvimento do nosso país, participam no crescimento deles próprios, não só os políticos”, clarificou.
Quem fala e não tem quem o escute pode esmorecer. Entretanto, não é isso que acontece aos intelectuais, na opinião de Do Rosário. “Pelo contrário. Agora, as pessoas não esperem que, ao falar, os intelectuais incentivem subversões ou revoltas. Isso não é o nosso papel”.
Antes de interagir com jornalistas, como que a usar a atenção de todos, Do Rosário já tinha dito que esta injustiça não pode ficar assim. “Essa injustiça que se faz em relação aos opinadores devia ser refeita começando por virar os canos das armas para aqueles que não nos ouvem, porque, de facto, é importante que se verifique que a palavra tem voz, mas não tem eco”.
Agora, a outra grande questão é: por qual motivo os intelectuais não são ouvidos? Para esta pergunta, Do Rosário formulou uma hipótese. “Provavelmente porque as pessoas que devem ouvir e modificar a sua forma de desenvolver o cuidado para com os necessitados não estão com os ouvidos muito abertos”.
SOBRE A SOBREPOSIÇÃO DE PODERES DO PRESIDENTE DA REPÚBLICA
O jurista Abdul Carimo diz que os estatutos do partido Frelimo contêm uma ilegalidade, devido à subordinação do Presidente da República ao partido Frelimo, e entende que a Procuradoria-Geral da República já devia ter intervindo para resolver isso. Carimo diz que o Comité Central deve corrigir este erro o mais breve possível; um pensamento com que Lourenço do Rosário concorda e diz que, mais do que a PGR, a sociedade civil deve fazer esta reflexão.
Antes do artigo de Óscar Monteiro, Teodato Hunguana tinha feito uma intervenção, no ano passado, criticando o facto de o Presidente da República ser, também, do partido com maioria parlamentar. Tanto um quanto outro entendem que devia haver a intervenção do Conselho Constitucional nesse sentido.
Hoje, o jurista Abdul Carimo disse que sente falta de uma outra entidade: a Procuradoria-Geral da República. Assumindo que a Procuradoria tem acesso aos estatutos, Carimo diz que ela devia ter intervindo na qualidade de “guardião da legalidade”.
Lourenço do Rosário concorda, mas diz que, mais do que a PGR, é importante que a sociedade civil discuta a legislação, e congratula o facto de ter sido uma pessoa como Óscar Monteiro a, hoje, trazer este assunto, até porque “eles foram os responsáveis pelos estatutos que tinham consagrado esta situação”.