Em Moçambique, a cultura é, muitas vezes, tratada como um ornamento nacional — uma vitrine de danças, trajes e monumentos que preenchem brochuras turísticas e discursos institucionais. No entanto, esta perspectiva redutora obscurece a verdadeira densidade do termo. Para a antropologia linguística, a cultura é um sistema vivo de significados partilhados que se constrói e se transmite, sobretudo, através da linguagem. Mais do que um conjunto de expressões artísticas, cultura é o modo como um povo interpreta o mundo, organiza o tempo, estrutura os afectos e molda os seus silêncios, ao mesmo tempo, se n adequando às tendências globais.
Alessandro Duranti, um dos principais nomes da antropologia linguística, afirma que a linguagem é um meio de acção cultural, e não apenas um reflexo da realidade social. Isto significa que, ao falarmos, não apenas comunicamos, como também criamos o mundo em que vivemos. Cultura, então, é uma performance contínua, uma negociação simbólica, uma reinvenção diária. É este carácter dinâmico e polifónico que a torna, ao mesmo tempo, fascinante e politicamente delicada.
Quando se exige que a cultura “sirva” o país, corre-se o risco de reverter esse fluxo vital, forçando-a a tornar-se instrumento de um projecto político ou ideológico. O país, enquanto entidade político-administrativa, tende à ordem, à homogeneidade e à previsibilidade. Já a cultura, por sua natureza, é dissonante, subversiva e plural. Historicamente, os regimes que buscaram domesticar a cultura, do fascismo aos autoritarismos contemporâneos, não hesitaram em apagar vozes marginais, silenciar dissidentes e padronizar os modos de sentir.
Nestes contextos, a cultura perde a sua força crítica e transforma-se em vitrina de obediência. Mas e se invertermos a pergunta? E se o país existisse, antes de tudo, para servir à cultura? Esta inversão não significa colocar a arte acima da lei, nem propor um modelo anárquico. Trata-se de reconhecer que o que torna uma nação verdadeiramente viva é a sua capacidade de escutar os múltiplos sotaques que a compõem, os ritmos que a perpassam, os conflitos que a atravessam. Servir a cultura, neste sentido, é garantir liberdade de expressão, fomentar a diversidade estética, apoiar a criação independente e proteger o direito de cada grupo de contar a sua própria história.
Num mundo onde a cultura tende a ser capturada pelo mercado ou domesticada pelo Estado, urge resgatar a sua função original: ser espaço de questionamento, de invenção e de resistência. Como escreveu Edward Said, "nenhuma cultura é monolítica, nenhuma permanece imóvel". A cultura vive do desconforto, e é nele que reside a sua maior potência transformadora.
A conclusão a que se chega, portanto, é clara: a cultura não deve servir ao país. Pelo contrário, é o país que deve estar ao serviço da cultura. Não como um mecenas que financia por interesse, mas como um guardião que protege o terreno fértil onde o pensamento floresce. Um país que sufoca a cultura está a comprometer o seu próprio futuro; um país que a alimenta, está a plantar as sementes da liberdade.