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Criadores exigem investigação sobre mortes “estranhas” de gado em Maputo

Os criadores de gado da província de Maputo suspeitam da existência de uma nova doença que está a dizimar o gado bovino. Só no ano passado, mais de 600 cabeças morreram. Mesmo com o arranque da vacinação obrigatória, os criadores exigem uma investigação profunda para que se possa perceber o que há por detrás das mortes.

Com uma população de gado bovino estimada em 101. 370, Magude vive, nos últimos tempos, a ameaça das doenças que estão a dizimar os animais. A nossa reportagem deslocou-se ao distrito adentro à procura de homens que vivem do gado. Depois de quatro horas de viagem, chegámos à Fazenda Belo Horizonte, propriedade que abrange 1260 hectares e que pertence a Alexandre Navingo. Preocupado com o fenómeno de mortes, o criador teme perder as suas 253 cabeças.

Navingo que é, igualmente, Presidente da Associação de Criadores de Gado de Magude, disse que o cenário de mortes se repete todos os anos e estima que, nos últimos 5 anos, mais de 10 mil cabeças morreram devido a doenças. “Posso arriscar que, nesta altura, 75 porcento dos criadores do distrito estão a ter perdas devido à falta de vacinação do seu gado”, descreveu.

Para acabar com o fenómeno, no dia 10 de Abril deste ano, Celso Correia, Ministro da Agricultura, lançou a campanha de vacinação gratuita do gado. Mas, apesar de oportuna, os criadores consideram que a iniciativa foi tardia. “Se formos a notar, as mortalidades começaram no mês de Fevereiro para cá. A questão que colocamos é: essas vacinas vêm para prevenir ou para curar? Questionou o criador.

Segundo Navingo, o problema começou a agudizar-se depois de 2015, período caracterizado por uma seca severa. A situação tornou-se ainda pior, porque, na altura, o Governo deixou de dar a assistência aos criadores através da distribuição gratuita de vacinas. Em relação às doenças, os criadores dizem que o Governo não lhes dá a certeza do que está, efectivamente, a acontecer.

“Eu suspeito que não seja teleriose a causa dessas mortes, pode ser algo diferente. Já fizemos vários tratamentos para ver se ultrapassamos esse constrangimento, mas não está a surtir efeitos. Há necessidade de as autoridades de investigação pecuária fazerem um esforço para descobrirem a causa real dessa situação, porque não há desenvolvimento. Procurei fazer a minha investigação e tenho fortes suspeitas de que não se trata de teleriose ou pode ser teleriose associada a uma outra patologia como o botulismo”, avançou.

Com 500 cabeças, Azar Novunga é um dos criadores de referência do distrito. Devido a doenças, nos últimos meses, perdeu quatro cabeças. “Além da vacinação, o Governo deveria apoiar-nos com a investigação do que está a acontecer com o nosso gado. Várias vezes procuramos, através dos nossos recursos, medicar os animais, mas, vezes sem conta, não se recuperam e morrem”, repisou o criador.

Criadores de Namaacha também registam mortes

O problema não afecta apenas os criadores de Magude. A nossa reportagem pegou a estrada e viajou para o interior do distrito de Namaacha. Se os grandes criadores têm capacidade para comprar medicamentos, tal facto não acontece com os criadores do sector familiar. Gerson Chilaule é disso um exemplo.

“Essa doença é bastante perigosa. Ao sair do curral, o animal cai. É uma doença rápida. Quando os animais têm essa doença, defecam fezes com sangue. Eu tinha 24 cabeças e só fiquei com seis”, manifestou a sua tristeza o criador que disse que gostava de ter o controlo da situação.

“Às vezes, os animais morrem na mata durante a pastagem. Muitas vezes, os pastores não conseguem localizar o animal no mesmo dia. Quando os animais desaparecem, entramos na mata e encontramos já em decomposição”, relatou.

As lamentações repetem-se. Olímpio Chavango, residente em Mafuiane, que, nos últimos meses do ano passado, perdeu 14 cabeças, disse que a situação é agravada, porque a doença é rápida e fatal. “O animal não fica abatido, ele apresenta-se bem fisicamente, mas, quando deixa de comer e beber, é o sinal de que já está muito doente e em dois dias morre”.

Governo desmente existência de doença nova e culpa criadores pelas mortes 

O “O País” procurou as autoridades da Pecuária da província de Maputo para perceber a razão das mortes do gado. A chefe do sector, na Direcção Provincial da Agricultura, começou por reconhecer a existência das mortes. “No ano passado, tivemos o registo de 603 cabeças que tiveram morte causada por teleriose”, introduziu Anabela Gaspar, chefe do sector de pecuária na direcção provincial da Agricultura e Pescas.

Na sua locução, a dirigente negou a existência de uma nova doença na província. “Não temos notificação de doença nova na província. As doenças, que temos, são as conhecidas, são diagnosticadas e são possíveis de combater”, garantiu Anabela para, depois, avançar a razão das mortes.

“As principais causas das mortes do gado na província são doenças causadas por carraças, nem sempre é teleriose. Há casos em que é a anaplasmose, babesiose entre outras enfermidades, mas possíveis de tratar”.

Em sua defesa, a Direcção da Agricultura de Maputo disse ter criado condições para a vacinação e banhos carracicidas para eliminar as caraças nos animais, mas os criadores não obedecem aos protocolos.

“O que acontece com os nossos criadores é que, quando não vêm a caraça visível no animal, acham que está tudo bem. Muitos criadores não obedecem aos protocolos de tratamento dos animais. Não levam os animais aos balhos. Os protocolos devem ser seguidos e, quando não se seguem, as mortes são certas”, explicou.

Quanto à alegada demora no arranque da campanha gratuita de vacinação do gado, o sector também rebateu, dizendo estar confortável com o calendário.

“Essa vacinação obrigatória do gado bovino contra carbúnculos, bruceloses, febre aftosa, dermatose nodular é feita de Abril a Julho. Dentro desse calendário, é possível garantir imunidade do animal durante todo o ano. Se há doenças que acometem o gado, em Janeiro, Fevereiro e Dezembro, essas não são doenças preveníeis por vacinação, podem ser causadas por carraças ou por parasitas dentro dos animais. Sabemos que os nossos criadores não têm cultura de desparasitar os animais”, justificou.

Mais do que vacinar o gado, as autoridades dizem que os criadores devem saber investir na sua criação para garantir a cura das doenças e evitar as mortes. “Além de dar banhos carracicidas, é preciso que o criador dê tratamento ou medicação aos seus animais. Os medicamentos contra a teleriose, por exemplo, devem ser adquiridos nas farmácias privadas. O nosso país não produz vacinas para tratamento de doenças, mas sim produz vacinas. O que acontece é que, quando os criadores fazem contas, acham que investindo na compra de medicamentos é gastar dinheiro. O nosso trabalho, neste momento, é sensibilizar os criadores para que possam ter cultura de vender, pelo menos uma cabeça e, com uma parte do dinheiro, adquirir os fármacos para salvar o resto da sua criação”.

Pecuária chama atenção para perigos de consumo de animais não inspeccionados

Contradições à parte, enquanto alguns criadores incineram os animais mortos por doenças, outros preferem comê-los. As autoridades veterinárias chamam a atenção sobre o perigo do consumo dos animais não inspeccionados.

“Podem apanhar uma intoxicação bacteriana, mas a teleriose não é zoonosa, significa que não passa do animal para o homem. Existem doenças que podem passar para os seres humanos como tuberculose, temos a brucelose que pode causar esterilidade masculina, por isso é importante ferver o leite”.

Lembre-se que o país tem um efectivo de 2.2 milhões de cabeças de gado bovino, sendo que a província de Maputo contribui com cerca de 500 mil. A meta das autoridades é a de vacinar 80 porcento do total do efectivo existente.

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