“Hoje não há crónica de jogo, porque não houve jogo”! Assim começava o texto do saudoso jornalista Boavida Funjua, encarregue pelo Jornal Desafio de ir a Tete, reportar a partida entre o Chingale e o Costa do Sol. Resultado final? 0-12, para os canarinhos! Entretanto, em Maputo, o Ferroviário derrotava, também copiosamente, por 7-0!
O Costa do Sol acabou por se sagrar Campeão, com pouca honra e diminuta glória. Terá sido, até hoje, a prova máxima mais “mafiada”, e em que o Ferroviário de Maputo, também “entrou na onda”.
MAFIA EM ACCÃO
O campeonato começou com uma disputa zonal. Apuraram-se à Fase final do Nacional de 1991, quatro equipas: Costa do Sol, Ferroviário de Maputo, Chingale e Clube de Gaza. O campeão sairia dos jogos, no sistema de todos contra todos, aos pontos, em duas mãos.
Nas partidas entre os candidatos mais fortes – canarinhos e locomotivas – o mesmo resultado: 1-2, com uma vitória para cada lado. Tudo ficou em aberto para a ronda final, em que só o número de golos definiria o campeão.
Para o Costa do Sol, diante do Chingale, ambos integrados na EDM, o número de golos teria que suplantar o da partida entre Gaza e Ferroviário, estes também “feitos” um com o outro. Quem iria golear, mais do que o outro?
Em Tete, propositadamente, o jogo iniciou-se com 15 minutos de atraso, para se poder “monitorar” o resultado da Machava. A “mafia” tinha sido orquestrada em ambas partidas.
Assim sendo, quando os canarinhos entraram em campo, já o outro resultado era de 3-0. A resposta não se fez esperar, com os golos a aparecerem de imediato. A dúvida quanto ao vencedor, permaneceu até depois do intervalo.
A partida da Machava terminou em 7-0. Com 15 minutos por jogar, os canarinhos foram alargando a sua vitória, até ao escandaloso número de 12-0. Tudo monitorado de parte a parte pela rádio, com um “ora-agora-marcas-tu, ora-agora-marco-eu”.
O Costa do Sol foi declarado Campeão Nacional, mas…
Após uma grande polémica, os resultados e pontos das partidas que referimos foram retiradas da classificação, por corrupção. Chegou a aventar-se a possibilidade de aquela época ficar sem campeão, mas as máquinas calculadoras acabaram por conferir um “golito” a mais ao Costa do Sol, no confronto com os adversários não candidatos.
O DIA EM QUE NÃO TROQUEI JORDAN POR 2 MIL USD
Setembro de 1992, Barcelona. O “dream-time” ia entrar em acção, pela primeira vez, naquela competição planetária. A melhor selecção do mundo de basquetebol iria exibir a sua classe, em Jogos Olímpicos. Eu tinha o “crachá”, ofereceram-me 2 mil dólares, recusei. Porquê?
Oportunidades para estar “dentro” de uma Olimpíada não surgem todos os dias, para ver estrelas como Michael Jordan, Scotie Pipen, Larry Bird, Magic Jonhson ou Charles Barkley.
Conferência de imprensa, sala cheia. Alguém pergunta a Barkley como se sentia nas vésperas de fazer parte da estreia do “dream-team” na Olimpíada.
Responde o ala norte-americano, em jeito de provocação:
– Quem é o nosso primeiro adversário?
– Angola – respondem-lhe!
– Estão lixados – diz o craque dos yanques.
Expectativa tremenda. O estádio comportava 6 mil espectadores. Muita gente iria ver lá de fora o jogo, através dos écrans, espalhados por todo o lado. Uma autêntica “guerra”, aceder ao papelinho mágico que permitiria a entrada. Sobretudo entre os jornalistas, indigitados a cobrir o evento. Havia quotas por país, por influência, pelo poder de cada um…
Pelos OI's moçambicanos, por eu ser o único presente, chegou-me a credencial mágica. Guardei-a, junto ao peito, mas no fundo do coração. A luta entre os principais OI's internacionais era tenaz. Com valores à mistura. Até que…
Um colega espanhol, que não tinha conseguido o acesso, estava inconsolável. Aproximou-se e argumentou tudo o que lhe veio à mente. Foi dizendo:
– Que eu vinha de um país pequeno, onde poucos se interessavam pelo acontecimento;
– Que poderia assistir a tudo através dos écrans gigantes;
– Que ver e reportar Jordan e companhia para Moçambique nada mexia com a minha terra;
– Que me oferecia 2 mil dólares pela cedência do lugar!
Proposta tentadora, em tempo de restrições na nossa terra. Daria para adquirir uma TV e deixar de ir ver a novela Roque Santeiro, que então “estava a bater”, à casa do vizinho; equivalia a algumas visitas à Intefranca de então, onde só com dólares se podiam comprar coisas que não existiam no mercado normal.
Porém:
O tempo também era outro, o do patriotismo. O termo “bolada” não existia, nem na acção, nem no espírito dos moçambicanos.
Daí que:
Com a maior naturalidade, rejeitei a proposta, sem pensar muito, na certeza de que não me iria arrepender.
O JOGO, AO VIVO
Foi, na realidade, um espectáculo para nunca mais esquecer. A “meta” de Angola, era perder por menos de 50 pontos. Quando a partida começou, até esteve a ganhar por por 4-3, nos primeiros segundos. Depois, o “placard” chegou aos 7-7. Fixei-me nos fotógrafos, que iam registando o andamento do marcador, pois eram números que ficariam para a história.
Depois…
As “bestas basquetebolistas” americanas começaram a acelerar e foi o fim. Os nossos kambas não conseguiram atingir a sua meta – que era perder por 50 pontos – acabando derrotados por 48-116 (68 pontos). Nas restantes partidas, os americanos venceram todos os jogos, tendo sido a menor diferença a seu favor, antes de chegar ao ouro, diante da Croácia por 32 pontos.
Um moçambicano, que assistia ao jogo ao meu lado, sentenciou:
– Afinal, a comunicação não mente. Estes são, na realidade, o “dream time”.
Pela minha parte, ficou a felicidade de assistir, ao vivo, um espectáculo inolvidável, apesar da não recolha dos 2 mil dólares. Não vivíamos o tempo das comissões, portanto não restou espaço para comichões! Até porque, naquela altura, os bons exemplos vinham do topo.