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Conde lamenta condições oferecidas pela FMF mas promete equipa forte no CHAN

Em entrevista exclusiva ao jornal O País, o seleccionador nacional, Chiquinho Conde, revelou que a Federação Moçambicana de Futebol não considerou o plano feito pela sua equipa técnica para a campanha no CHAN, mas garantiu que se irá adaptar, mais uma vez, às circunstâncias existentes. Na mesma entrevista, Conde mostrou-se esperançoso que a selecção receba os seus próximos adversários, na campanha ao CAN, no Estádio Nacional do Zimpeto.

  1. Já é conhecida a lista dos 23 jogadores que vão disputar o Campeonato Africano de Futebol para jogadores internos, CHAN, a realizar-se em Janeiro do próximo na Argélia. Está feliz com os jogadores que tem à disposição?

R: O meu sentimento é agridoce, porque na nossa caminhada alguns estiveram sempre presentes, como é o caso do Ernâni, que infelizmente teve um problema físico e está afastado do grupo, não terá a possibilidade de jogar. Tem também o Foia, o Sebastian, o Danito, que por opção técnica não estarão connosco, tem o Edmilson, que foi transferido para o Kaizer Chiefs da África do Sul, que deixou um espaço por preencher. Por isso mesmo, a equipa técnica teve o cuidado de convocar sempre dois jogadores para cada posição, com excepção dos guarda-redes, que são três, e eu quis premiar, com a ausência do Ernâni, o jogador
Fasistêncio, sub-20, que fez uma boa campanha na Cosafa e esteve connosco também no grupo do sub-23. É um prémio porque, de facto, foi a revelação nesta posição, actuando no Ferroviário de Nampula. O Dayo, que estava também neste grupo dos 31 pré-convocados foi preterido pela campanha e nível que ele alcançou e nós temos dois pontas-de-lança e podemos introduzir alguns jogadores, como Melque e Ling. Então, foi, digamos assim, feito um estudo minucioso de modo a que nós possamos colmatar algumas posições e equilibrar. Por isso, acho que temos uma equipa equilibrada, já agora com o regresso de Kito, não esteve na campanha, entretanto é um jogador de selecção e acabou a época em excelente condição, e é um jogador seleccionável, embora já tenha uma idade significativa, mas o que vale é a sua performance em campo.

  1. O guarda-redes Ernâni Siluane, da União Desportiva do Songo, é o grande ausente devido a uma lesão. Ernâni foi titular em toda a campanha de qualificação, para além de ser o dono da baliza nacional, mesmo noutras campanhas, como a de apuramento ao CAN 2023, que terá lugar na Costa do Marfim. O que significa a ausência de Ernâni?

R: Para mim, é sempre triste retirar da convocatória um jogador, por lesão. Todos os que estão atentos à minha caminhada na selecção nacional vêem que Ernâni tem sido a minha primeira opção, quer no grupo CHAN… e quem esteve mais atento verificou que também no Malawi ele teve de ser substituído logo no início, e entrou o Ivan. Eu confio claramente em todos os guarda-redes que convocamos, três/quatro guarda-redes de características diferentes. Lamentando a ausência do Ernâni, que eu particularmente tenho um apreço grande por ele.

 

  1. Não menos importante da convocatória final é o facto de o mister ter resgatado o defesa Bhéu, da UD Songo, que há muito não fazia parte dos Mambas. O que pesou para esta decisão?

R: Houve a situação da saída do Edmilson. Na sua ausência, convoquei Edson, do Ferroviário da Beira, para ombrear nesta posição de defesa lateral com o Danilo, que, ao longo deste tempo, teve algumas oscilações no seu comportamento técnico-tático. Tínhamos mais um canhoto, que é o Daniel. A sua posição inicial é de lateral-esquerdo, mas, por uma questão de rotinas, tem estado a jogar na União Desportiva do Songo à defesa central e não tive a oportunidade de testá-lo a lateral-esquerdo. Portanto, nós optamos por aquele que fez uma boa campanha ao longo do Moçambola. Como disse, futebol é o momento. Eu convoquei o Bhéu para o jogo particular com a África do Sul, mas, infelizmente, por questões burocráticas, ele não pôde participar. Mas, de qualquer forma, é um jogador de selecção. Tem história na selecção e pertence a este grupo, porque estava na base de dados pela campanha que fez.

 

  1. O presidente da FMF garantiu, há dias, que já tem definido o programa de preparação dos Mambas. O pré-estágio será feito em Maputo e o estágio em Argel, capital da Argélia. Está feliz com as condições de preparação oferecidas pela FMF?

R: Não! Não era essa a preparação que a equipa técnica desejava – eu, em particular. Porque o Moçambola terminou no dia 04 de Novembro, alguns jogadores entraram em férias e estiveram assim até ao início da preparação para a prova. Os restantes foram até à Taça de Moçambique. A equipa técnica, atempadamente programou o início da preparação para o dia 16 de Dezembro, seria uma mini-pré-época. Era importante porque precisavam de um descanso mais curto. Era importante, nesse período, recuperar o físico e até os índices de confiança dos jogadores. Alguns não tiveram uma boa época, outros, por excesso, porque ganharam o campeonato. Outro aspecto é o estilo de vida dos nossos atletas. Sabe-se perfeitamente, com todo o respeito que tenho pelos atletas, mas é normal festejarem, excederem-se. Engendrarmos treinos colectivos e eles prepararem-se individualmente são coisas distintas. E quem de direito simplesmente não respeita isso e sobrepõe tudo à questão financeira. Então, isso não pode deixar-me satisfeito. Tenho de me adaptar, mais uma vez, às circunstâncias. Nós, os treinadores, seleccionadores, engendrámos, estudámos, arquitectámos, planificamos com antecedência e criámos conteúdo de treino, porque sabemos perfeitamente que há um período importante para a aquisição.

Infelizmente, e digo isso com tristeza, as pessoas não fizeram esse esforço para poder obrigar os jogadores a estarem juntos. Isto pode ditar que os índices de confiança não sejam dos melhores, por isso mesmo, vamos fazer das tripas coração.

 

  1. Chiquinho Conde, qual é a sua expectativa para esta prova, tendo em conta os adversários Argélia, Líbia e Etiópia?

R: Nós estamos na fase final e, nesta fase, encontramos as melhores equipas do torneio. Os nomes dizem pouco, mas nós estamos “por portas e travessas” a conhecer os seus pontos fortes, de construção, de ligação, as transições de defesa, ataque-defesa, os esquemas táticos para que nós possamos filtrar. Nós temos de nos focar fundamentalmente neste primeiro jogo. Ele vai ditar muito o nosso futuro nesta competição. Independentemente dos obstáculos, quando eu estiver diante dos meus jogadores, vou motivá-los e vou levá-los até à exaustão, para que eles consigam, de facto, ombrear com os melhores e quiçá colocar sempre o nome de Moçambique bem alto e conquistar algo grandioso quando as pessoas menos esperam. Quase ninguém acreditava que Moçambique pudesse estar no CHAN pela qualidade do Moçambola, por tudo – pelos jogadores, e nós estamos aqui. Nós ouvíamos sempre dizer – dizia o nosso falecido Presidente – que as vitórias se preparam, as se vitórias organizam. E isso não pode ficar só no papel, só nas ideias. Temos que arrepiar caminho, temos de fazer algo para continuarmos nesta senda de vitórias. Não é Chiquinho Conde que ganha, é a selecção nacional.

 

  1. Considera possível ultrapassar estes adversários?

R: O objectivo passa por, fundamentalmente, ganharmos o primeiro jogo. Ganhando o primeiro jogo, catapultamos para o primeiro plano. Então, passo a passo. Eu não gosto de fazer futurologia, o meu foco neste momento, é a Etiópia. Primeiro jogo, no dia 13 de Janeiro, será fundamental, como é que eu vou levar os meus jogadores para que eles conquistem ou para que possamos levar de vencida a equipa da Etiópia? Só estudando melhor a selecção da Etiópia, criar sinergias para que os jogadores tenham todas as condições para pensarem única e exclusivamente no jogo, na competição, em engrandecer o nome de Moçambique, em defender com galhardia a bandeira nacional e representar condignamente.

 

  1. No próximo ano, há várias frentes, para além do CAN Interno, as eliminatórias para o CAN e a Taça Cosafa. Que condições a FMF está a dar à equipa de trabalho para a campanha de acesso ao CAN?

R: Repare: na altura do jogo amigável com a África do Sul, a equipa técnica sugeriu que Moçambique fosse representado pelo grupo CAN, porque estava a ficar muito tempo sem competir e porque o Moçambola estava ao rubro e havia uma dificuldade muito grande em os clubes disponibilizarem jogadores, em utilizar, neste espaço, os jogadores do grupo CAN para lhes dar minutos. Muitos deles têm poucos minutos, é o caso de Mexer, Zainadine vinha de uma lesão, e os jogadores que militam na África do Sul… seria óptimo até para eles jogarem com a selecção sul-africana e seria óptimo para nós garantirmos uma boa equipa frente a uma das grandes selecções da nossa região, que é a África do Sul. Infelizmente, essa solicitação não foi respeitada. Entenderam que deveria ser o grupo CHAN e foi o que se viu. Tiramos algumas ilações, mas, como se sabe, não podemos contar com grande parte dos jogadores, tivemos de fazer algumas experiências, colocando alguns jogadores fora dos seus lugares.

Estamos a dizer que o grupo CAN não compete há cerca de um ano, e vai defrontar um colosso, o Senegal, em Março. Por isso mesmo, era imperioso também ver e estar com todos esses jogadores para não perderem o nosso ADN, mas são ossos do ofício.

 

  1. Moçambique vai fazer dois jogos frente ao Senegal, em Março, mês em que começa a edição que se segue do Moçambola. O que isto significa?

R: Temos cerca de 10 a 12 jogadores convocados para o grupo CAN, não sei se poderão ser transferidos. Para mim, isso seria óptimo, porque significaria que estariam em actividade, em competição. Como deve calcular, a estrutura inicial do grupo CAN joga mais fora do país. Alguns jogam mais, alguns jogam menos, mas de qualquer forma estão em actividade e aí temos algum tempo para vermos como estarão alguns jogadores. Não sei como é que o nosso capitão Dominguez estará até lá. Futebol é o momento e existem muitas soluções para garantir a forma. Entretanto, com o Moçambola a iniciar-se, não se sabe ainda se realmente começa nessa altura, por isso é muito difícil fazer qualquer apreciação neste momento.

 

  1. Depois que assumiu o comando técnico da selecção, viu-se obrigado, várias vezes, a ter a suas equipas a jogar fora de portas, por falta de estádios internos em condições para acolher partidas internacionais. Como impedir que estas situações voltem a acontecer, se olharmos até para o facto de os Mambas terem jogos já em Março, diante do Senegal?

R: Felizmente, agora temos o nosso Estádio Nacional do Zimpeto em condições. Espero que até lá continue. Estou convencido de que sim. Todo o moçambicano merece ver a selecção nacional jogar no seu reduto, diante de uma das grandes selecções, como o Senegal, que até é campeã africana e que esteve recentemente no Mundial. Seria fantástico podermos jogar no nosso estádio. Para evitarmos cenários como o de sermos obrigados a receber jogos fora de casa, é importante mantermos as infra-estruturas em condições. Eu acho que as pessoas de direito estão consciencializadas de que isto em nada beneficia o nosso futebol. Eu acho, por exemplo, que se tivéssemos jogado em Maputo, contra o Ruanda, na primeira jornada, teríamos vencido e estaríamos mais próximos do Senegal, que ocupa a primeira posição da qualificação. Mas fomos claramente prejudicados nesse sentido, por jogar na África do Sul e sem público.

 

  1. Este ano foi marcado pela polémica da não participação das selecções sub-23 e sub-17 em competições internacionais. O certo é que depois competiram. Nos sub-23, o país passou da primeira eliminatória, mas não da segunda, onde defrontou o Gana. A polémica em volta da selecção não impactou o seu desempenho?

R: Esse espaço de sub-23 é um espaço importantíssimo. Esses jovens vinham, praticamente, do grupo da Cosafa, que participou no CAN, e muitos deles ficaram arredados da competição durante dois anos, por causa da pandemia da COVID-19, e era imperioso competirem. Eu percebo que não havia muita expectativa de nós conseguirmos passar à outra fase, porque esta competição não só qualifica a equipa para o CAN, como também dá acesso aos Jogos Olímpicos. Teoricamente, seria difícil e não era muito apetecível, mas não podemos ver as coisas por esse prisma. Existe um plano, é preciso respeitar os planos competitivos, não só da formação. O impacto, obviamente, é irreversível, mas, de qualquer forma, a equipa técnica… e eu digo sempre aos meus jogadores, que devem ser resilientes.

  1. Já faz um ano que se tornou seleccionador nacional de futebol. De lá para cá, como tem sido a relação com a FMF? Que balanço faz desse casamento?

R: A relação é boa. Eu sou profissional, eu defendo arduamente os meus princípios. O treinador é um gestor de recursos humanos, um líder e um pedagogo. Em função disso, como líder, eu tento criar sempre sinergias. Eu não mando, tento criar sinergias para que as coisas se tornem melhores e que Moçambique esteja num patamar diferente daquele em que se encontrava. Nós temos batido no fundo e, como disse, e repito, as vitórias e as conquistas não são do Chiquinho Conde. Eu sou mais um na federação para agregar valor e quero que as pessoas que estejam ao meu redor estejam sintonizadas nos propósitos dos meus ideais. O casamento vê-se pelos resultados e não pelas relações que possamos ter com A, B ou C. Então, é preciso que nós, mesmo divergindo nas opiniões, nos respeitemos um ao outro.

 

  1. Mister, diz-se muito que o nosso Moçambola não vende. Concorda? E como torná-lo atractivo?

R: Eu acho que temos muitas pessoas ligadas ao futebol, que têm condições mais que suficientes para alterar o nosso Moçambola para que ele seja mais atractivo. Nós temos uma pessoa que está aí, que é José Salvado, conhece o futebol moçambicano como ninguém e está na estrutura da Federação Moçambicana de Futebol. Se o respeitarem, o ouvirem, tendo em conta o seu conhecimento, poderão colher informações importantíssimas. Mas nós sabemos que isto, infelizmente, nem sempre funciona assim. Espero, sinceramente, que quem está à frente das soluções da Liga tenha a humildade de aprender de outros campeonatos e de ouvir os jogadores, porque eles é que sentem na pele o que é jogar no Moçambola.

 

  1. Que legado gostaria de deixar nesse conjunto de jogadores?

R: Eu estou, como profissional de futebol e como treinador profissional, já há 15 anos. Trabalhei 13 anos em Moçambique, dois anos nos sub-23, em Portugal. Em Moçambique, tive a felicidade de ganhar vários títulos, três campeonatos nacionais, a Taça de Moçambique pelo Ferroviário de Maputo, uma Supertaça… fui eliminado algumas vezes, para a minha decepção, fui despedido por alguns clubes, mas em todos eles eu deixei sempre amigos. E quando digo amigos, refiro-me aos meus jogadores. Eu hoje fico satisfeito por receber um telefonema do Jotamo, do Artur Manhiça, do Félio, do Whisky, do Simplex, que está no estrangeiro, que recordam com saudades de tudo aquilo que vivemos. E na selecção nacional não vai ser diferente. Agora, há um outro legado que eu gostaria de deixar, que é o modelo que nós desenhamos, e potenciar a cada jogador, no seu sector, em termos organizacionais, em termos de base de dados, aquilo que no passado não tínhamos. Deixar isso para a federação, para que o meu sucessor tenha a possibilidade de encontrar documentos que sejam importantes para a progressão do seu trabalho.

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