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CIP mentiu sobre exploração sexual na cadeia de Ndlavela (?)

Não há esquema de exploração sexual na cadeia de Ndlavela. Entretanto, as reclusas são obrigadas a envolver-se com guardas e pessoas estranhas ao estabelecimento penitenciário, mas dentro da cadeia.

“Não foram constatados elementos de prova da denúncia do CIP, mas foi constatado que as reclusas no interior de Ndlavela são obrigadas a manter relações sexuais com os guardas.” Este é o resultado da investigação do caso de exploração sexual, denunciado pelo Centro de Integridade Pública (CIP) a 15 de Junho passado.

A denúncia do CIP indicava que os guardas da Cadeia Feminina de Ndlavela, na província de Maputo, forçam as prisioneiras do estabelecimento penitenciário a prostituírem-se. Estes procuram clientes, marcam os preços e escolhem as “as pombinhas” ou “coelhinhas” (como são tratadas as reclusas). As que aceitavam fazer parte do esquema tinham tratamento privilegiado e as que se recusassem sofriam sevícias até cederem.

A comissão de inquérito foi instaurada logo depois da denúncia e, após 15 dias de trabalho, apresentou, ontem, os resultados.

Para tal, foram entrevistadas 53 reclusas, 32 agentes e os denunciantes, como também foram analisados vídeos, fotografias e visitada a pensão onde, alegadamente, ocorria a exploração sexual.

“Foi avaliado o livro de saídas e entradas do recinto, com as datas referidas na denúncia, que são os dias 16 de Dezembro, 02 de Abril, e 10 de Abril, que coincidem com dias de semana em que normalmente não há saídas e, do livro, não consta nenhuma saída, nessas datas”, disse Elisa Samuel, relatora da Comissão de inquérito.

Entretanto, a relatora contou que, das entrevistas realizadas com as mulheres que cumprem pena em Ndlavela, 35 por cento responderam desconhecer que estas práticas tenham ocorrido fora da cadeia, como também nada souberam sobre a suposta saída de mulheres na calada da noite, nem  reconheceram as mulheres nas fotos e imagens divulgadas pelo CIP como reclusas internas.

“Mas, a maior parte, uma média de 55 por cento reconheceu e aceitou existir prática de actos e relacionamentos sexuais, envolvendo agentes da guarda penitenciária e outros homens estranhos ao estabelecimento penitenciário de Ndlavela, mas que acontecem mesmo no interior do estabelecimento penitenciário”.

A relatora da CI continuou e disse que parte significativa das reclusas, numa percentagem de 15 por cento, alegou que, nalgumas ocasiões, os guardas e homens estranhos mantinham relações sexuais com as reclusas, elas se encontravam num pavilhão que tem colchão e fogão. “As reclusas saíam de manhã e só voltavam na hora do fecho.”

O relatório vai mais longe e cita que uma das entrevistadas contou que algumas reclusas têm o privilégio de andar por toda a cadeia, sem ninguém a “ralhá-las”.

O mais agravante é que relataram que, durante os feriados e aos fins-de- semana, homens desconhecidos, vindo de fora, entravam e faziam festas no interior do estabelecimento penitenciário. “Eles levavam carnes e bebidas, depois se envolviam com as reclusas e davam algum dinheiro aos agentes do estabelecimento penitenciário.”

Segundo a relatora, as reclusas entrevistadas alegam que houve excesso na denúncia do CIP, pois os actos aconteciam no interior e não no exterior, uma das reclusas teve de ser transferida da cadeia para efeitos de segurança, pela denúncia que fez.

“A maior parte das reclusas relatou que algumas fazem isso como forma de obter certos privilégios, alimentação diferenciada, produtos de higiene e até para evitar punição”, disse Elisa Samuel, citando uma das reclusas que acrescentou que “algumas ficam grávidas e fazem aborto com ajuda de chefes. Por exemplo, em 2015, houve uma reclusa que engravidou, mas não sei de que guarda”.

Segundo a fonte, o relato das reclusas foi confirmado por alguns agentes da guarda e por alguns membros da direcção que contaram que já houve pelo menos cinco casos de agentes e reclusas que se envolveram sexualmente, situação que culminou na instauração de processos disciplinares.

“Desses, dois deram em expulsão, outros em demissões e transferências, mas houve outros que, depois de instaurados, não deram em nada e há outros, ainda, que nem sequer foram seguidos”, referiu.

Na pesquisa feita pelo CIP, alguns nomes foram arrolados como sendo de agentes penitenciários envolvidos no esquema, entretanto, na investigação da Comissão de Inquérito, alguns nomes  não foram confirmados, como sendo de agentes daquele estabelecimento penitenciário.

Entretanto, dos nomes que constavam da denúncia do CIP, sendo, de facto, guardas nenhum reconheceu fazer parte do esquema, mas alguns revelaram que houve guardas que, nalgum momento, estiveram envolvidos em situações do género.

Mesmo mostrando os vídeos e as fotos em que alegadamente aparecem os guardas, todos negaram, dizendo que se trata de outras pessoas.

“Em conclusão, da análise feita, a lista de nomes e números de telefone, a comissão chega a conclusão de que não se constatou serem as mesmas pessoas; não temos elementos suficientes para concluir se são ou não”, apresentou a interlocutora.

Da revista e análise facial de todas as reclusas e da contagem física, face à denúncia, feita para verificar as caras e nas imagens dos vídeos, também não se constatou qualquer reclusa com características faciais ou corporais das que constam no vídeo da denúncia.

Os carros, supostamente usados para transportar as reclusas para a pensão, referidos na denúncia, também não foram identificados como sendo dos guardas penitenciários.

Da visita que foi feita à pensão referida na denúncia, o proprietário confirmou que as fotos apresentadas na denúncia são do seu estabelecimento, mas não foi possível ter acesso às imagens das câmaras de segurança dos dias e das datas visadas na denúncia.

“No que tange à vistoria no estabelecimento Gima-Gima, não foi possível concluir que as imagens dos supostos agentes e reclusas sejam, de facto, as pessoas mencionadas”.

No fim, a Comissão de Inquérito recomendou ao ministério da Justiça a proteger as reclusas contra exploração e abusos, responsabilizar disciplinarmente as pessoas envolvidas nos casos de abuso sexual, instaurando processos disciplinares contra os envolvidos.

Outra recomendação, segundo a relatora, é que as reclusas devem ser vigiadas por guardas também femininas e proibir, explicitamente, formas de abuso e exploração sexual, incluindo não apenas agressão física, como também promover um inquérito do género em todas as cadeias nacionais.

“É preciso garantir que todas as denúncias sejam investigadas e, em caso de se provar, as pessoas devem ser responsabilizadas criminalmente e garantir a protecção das fontes para os que forem a colaborar com as investigações”, concluiu.

 

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