Por: Celso Muianga
Meu confrade Nelson Lineu, saúde!
Acabei de ler o teu último livro. Fiquei com a sensação imediata que não me devia calar. Sou, mesmo que não demostre a todos, um defensor da nossa geração, talvez o que digo a ti nem merecerá algum interesse de jovens e novos autores. E muito gostaria que fôssemos uma geração competitiva. Temos ferramentas herdadas do passado que nos podem servir para deixarmos marcas sólidas e talento também abunda entre nós, apesar desse mesmo talento, tal como afivela o filósofo barbudo que matou Deus ser «um adorno».
Lineu, escrevo-te com o apelo deste teu «mano crescido», e roubo uma fala de uma das figuras inimitáveis do mercado Madruga, que no auge da sua pujança era capaz de carregar nove caixas de cerveja sobrepostas e caminhar mais 500 metros na cidade da Matola. Boca-Linda era de facto inimitável. Assim também é a tua lavra que está bem cotada, por isso alerto para alguma contenção no galope, que me parece acelerado. Não vamos cair na tentação dos outros, na pressa cega de publicar por publicar como uma forma de cumprirmos para justificar a agenda para comprar terreno e construir a casa, etc. Há muito que sabemos que a literatura não dá para muito. Mas lutar pela honra dos que nos antecederam, dos que ainda cá estão e daqueles que virão, isso não devemos descurar em momento algum. Estimo o teu empenho na poesia e, se quiseres, com dedicação que te reconheço, como já te disse doutra vez, depois daquela homenagem a eterna luz que é Calane da Silva na Feira do Livro de Maputo, ali no Mercado do Povo, com o Pedro, Léo, Lucimara e o Mélio. Todavia as tuas crónicas recentes despertaram em mim os demónios que aqui partilho. E até a voz da nossa mui querida Fernanda Angius, que os Anjos não baixem a guarda, gravitou sobre a minha memória, «há aqui alguém que anda a escrever crónicas, mas afinal é poeta». Sei que sabes que ela estava a referir-se a ti, Nelson Lineu. É mais do que sabido por nós que a Fernanda tinha razão. E agora, o que fazer deste namoro com as crónicas, descortar, pedir distras, com aquele pedido de desculpa e jura de mil facas na barriga? Penso que não. Mas «pouco a pouco», com o sentido crítico, com a vigilância que nos legaram os madalas Craveirinha e Knopfli naquele livro verde de crónicas CONTACTO E OUTRAS CRÓNICAS & A SECA E OUTROS TEXTOS e outras crónicas. Como vês, de mestres não temos falta: Areosa Pena, Albino Magaia, Mia Couto, Fernando Manuel, Luís Patraquim, Marcelo Panguana, Nelson Saúte, Suleiman Cassamo, Daniel da Costa, Hélder Faife, só para citar alguns. Não é preciso correr porque a medalha de campeã olímpica ainda só pertence à menina de Ouro, Maria de Lurdes Mutola.
Voltemos à oficina para lapidar a palavra, cortar o que for preciso. E, se for necessário, como disse Knopfli, «Esperar. Esperar em vão. Esperar. Esperar mais ainda. Esperar sempre». Os outros, até malta Saramago e Lobo Antunes, nem foi deles a iniciativa de publicar as colectâneas de crónicas dispersas em jornais e revistas. Falo destes para não tocar nos latinos, nem tão pouco nos norte-americanos.
Caso tenha acontecido o contrário no bureau do Literatas, estás perdoado. Mas alto aí, o perdão é lá diante do Senhor. Aqui somos nós, a malta das letras que não é dada aos ofícios celestiais de batina e de todos os Santos.
Fiquei com a impressão de que os apresentadores do livro optaram pelo distanciamento social, não foram muito à conversa com O PASSO CERTO NO CAMINHO ERRADO. Meteram-se na mata. Atravessaram-na em passo de corrida, a fugir de algum Nyongo, talvez. Vi-os dobrarem as calças até aos joelhos ao atravessarem o rio. E depois, chegados à outra margem, começaram a acenar-te com Czares, Voltaires, etc, ignorando os nossos trovadores, filósofos, como se não os tivéssemos. Há, por exemplo, o Doutor Mussa Rodrigues, Lázaro Vinho ou até mesmo Xidiminguana. Todos eles grandes cronistas que não saltaram para a publicação em livro. Assim, de seguida falaram-te de nomes de outros grandes cronistas. O recado estava ali. Fizeram aquelas questões sobre as 52 semanas e etc e tal. Não me lembro de os ver tocar na ferida. Fizeram a missa. Isto talvez seja sintomático de que qualquer coisa não andasse bem naquele quintal de crónicas, meu amigo. E eles sabem que és bom entendedor.
Voltemos aos textos e com urgência para reflectirmos: qual é a novidade? Passados 12 anos estes textos sobrevivem à erosão do tempo? E como é que o nosso cronista Nelson Lineu olha para eles? Será que o teu olhar é o mesmo hoje? Como te sentes? Como esperas voltar a ler estas crónicas no futuro? Será que fazem o leitor se sobressaltar como se fossem balas perdidas ou outras munições do paiol de Malhazine? Perdoa-me a referência às balas, mas acho-as inevitáveis. São nossas vizinhas de saia curta e atiradiças.
Vou só recordar um episódio caricato que aconteceu a um amigo jornalista que, na altura, trabalhava no matutino da Joe Slovo que depois de muitos apelos à sensibilidade de um ministro sobre a degradação do estado de saúde do grande músico Carlos Chongo e, quando já nada fazia esperar a ilustre excelência, este mandou anunciar a sua visita. Porque o tempo é mestre, a equipa de assessores teve de enviar SMS às pressas para alguns jornalistas para a cobertura oficial. E o meu amigo, quando recebeu a mensagem que mais-ou-menos dizia isto: «O excelentíssimo ministro vai visitar o músico Carlos Chongo no hospital central», ele não teve meias medidas e respondeu com um vibrante «E daí?».
Palpita-me que confiaste nas pedras e no capim alto à volta, que as chuvas das últimas semanas trataram de pôr entre os trilhos. E se não fosses tu, o Nelson Lineu que conheço, terias tropeçado. Aquele beco não te pertence. Volte, meu amigo à tua oficina. E ali, antes de meteres debaixo do camião, pondere, medite na palavra. Se um dia, assim entenderes, salte o arame com o exame PCR feito no bolso, até porque é de carácter obrigatório nestes tempos pandémicos e incertos. E força, mano! Arrisque um pouco mais e mais. E se for para reformular, não hesite. Se precisares de mim, já sabes disto há 50 anos, podes contar. Mas seja vigilante, camarada! Aí nessa fronteira da crónica há sabotadores, ainda te arrancam o telemóvel e a carteira que imagino-a cheia de anotações, cartões e dinheiro de chapa. Cuidado!
Um abraço amigo,