A poesia não é distração, mas concentração, não substituto da vida, mas iluminação do ser
Johannes Pfeiffer
No futebol, as fintas dos jogadores são celebradas, mesmo porque conseguem acrescentar ao jogo pormenores relevantes. Com fintas, feitas artisticamente, o espectáculo torna-se algo mais e os animais ferrozes contidos nos homens nas bancadas revelam-se aos gritos. Uma finta é uma obra de arte. Imaginemos tantas concretizadas no relvado por um Ronaldinho Gaúcho ou pelo próprio El Pibe? Ballon d’Or inevitável… Fosse poesia um campo de futebol e as palavras uma bola, teríamos no Mr. Bonde, bem dito, M. P. Bonde, um candidato a Melhor do Mundo por nele existir um craque pujante, com rigor que derruba qualquer Cannavaro concentrado.
Mas poesia não é nenhum campo, é um jogo, no qual as metáforas geram iluminação no ser que a lê. Em “Ensaios poéticos”, essa imagem de luz ligada ao encanto da subjectividade é algo duradouro, pois Bonde, ao escrevê-lo, apresenta-se com uma susceptibilidade visível na forma como expõe o que lhe vai às veias: uma mistura de beleza com tédio, nostalgia com desejo, humildade e certeza, como se o seu destino fosse caminhar de lês a lês, à beira-mar, e a escrita surgisse dessa escolha persistente. Esta proposta literária é um exemplo de que a poesia bem floresce na liberdade interior de quem a escreve. Por essa razão, nela temos entidades que sabem o que desejam: “Quero estar solto na escuridão” (p. 38), de onde surgi o compromisso renovado com os “Exercícios poéticos”.
Nesta partilha dos mundos (coloridos e cinzentos) que lhe constituem, M. P. Bonde é suave e cuidadoso com o que revela do seu interior. Tal atenção, permiti-lhe não ser óbvio sem ser distante. O poeta quer é ser presente, estar perto das pessoas com a pretensão de as roubar deste plano rotineiro para um outro que interesse mais por garantir a absorção das nossas atmosferas diárias por via de outras perspectivas. Além disso, consciente de que “A geração passada deixou-nos de braços atados para o futuro que não chega, criou em nós a preguiça da espera, o calor da transpiração à hora da criação” (p. 17), Bonde agara-se tanto à convicção de Johanne Pfeiffer quando prefere na poesia a concentração em detrimento da distração. É essa concentração desinibida que permite o poeta fintar e exibir-se ao público sem fogos-de-artifício na escrita. Na naturalidade sobrevive a personalidade deste poeta que leva ao mundo elementos de um poema vertical, rumo à inpiração celeste, já que para si “as ruas são menos expresivas”.
O que não tem de criativo no título, este livro de M. P. Bonde esbanja na capacidade de sorver certos recursos como ruído, o tempo, a água, fazendo disso um fertilizante fecundo à poética, sem ser previsível. Também nisso reside a beleza das fintas do poeta, as quais deixam para trás as ofertas do espaço urbano porque “A cidade tornou-se num vendaval, um hálito de fobias, onde as sombras mulatas alimentam mentes marcadas pela amnésia aguda” (p. 40).
Deixar-se levar pela estética de M. P. Bonde é não se importar por se perder na poesia; é querer voltar à realidade mais leve, com a certeza de que, de facto, na literatura reside a cura para os males da vida.
Título: Ensaios poéticos
Autor: M. P. Bonde
Editora: Cavalo do Mar
Classificação: 16