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O recado de Armando Guebuza e Noémia de Sousa (1)

A força das circunstâncias é capaz de transformar anões em gigantes

José Eduardo Agualusa

Embora a situação geral da nação mantenha-se firme, conforme assegurou o Presidente da República no seu último informe, a sensatez convida-nos a aceitar que Moçambique vive um momento muito complexo. Se, por um lado, a crise financeira aliada ao alto custo de vida humilha as famílias humildes, por outro, os assassínios (de polícias e ladrões), as explosões de camiões-cisterna, os acidentes de viação, os naufrágios, vendavais, a corrupção e, claro, a tensão militar, são factores que tornam o quotidiano algo estranho.

Ora, ainda que essa estranheza que inquieta tenha certas tonalidades, o cenário não é novo neste espaço-Índico. Há 50 anos, um poeta, que aguardamos pela morte para o pintarmos com pompa de herói, escreveu um texto distinto no vol. II da Poesia de Combate: “Esses tempos estranhos”, de Armando Guebuza, que o recuperamos para entrelaçar um paralelismo temporal. Com efeito, porque esse fragmento do nosso passado não é o único que se impulsiona para o presente, recuperamos, igualmente, outra herança literária: “Súplica”, de Noémia de Sousa. Por cavalheirismo, começaremos pela rapariga da Catembe, por ser a proveniência da excitação que nos mantém firme neste diálogo entre passado e presente. Vamos ver no que dá.  

Em “Sangue negro” notamos que a poesia de Noémia de Sousa não se acaba na literatura. Com ênfase, os versos da “mãe dos poetas moçambicanos”, como bem assumiu Nelson Saúte, são tão relevantes por tudo o que continuam a sugerir, pois, quando os lemos, enxergamos os estragos do chicote nas costas dos oprimidos e as metáforas daí resultantes. Noémia é uma autora prisioneira da liberdade e criadora de esperanças (utópicas) bem verosímeis. O poema “Súplica” é um exemplo de luta para impedir que a convicção de que tudo é possível, quando cremos, caia no vazio. Então, para reforçar o juízo de que a força motriz para a concretização de sonhos é interior ao Homem, logo, desinibido de factores externos, o sujeito de enunciação põe-se a hipotecar tudo a um opressor: “Tirem-nos a terra em que nascemos,// Tirem-nos a luz do sol que nos aquece,/ a lua lírica do xingombela// tirem-nos a machamba que nos dá o pão,// Podem desterrar-nos”, mas em troca de tudo isso, avança o poema, “deixem-nos a música”, esse conjunto de harmonias que mantém vivo a determinação pela superação.

Em “Súplica”, Noémia absorve as circunstâncias passíveis de macular a relação entre o moçambicano e o seu país: o poder opressor, que consegue nos arrancar das cubatas e do nosso pão. Fazendo isso, na verdade, Noémia esmera-se em ecoar-nos aos ouvidos essa mensagem que calha em “A conjura”: “a força das circunstâncias é capaz de transformar anões em gigantes”, e, com isso, permitir a demolição de qualquer cordilheira dos andes à nossa frente. Neste caso, basta apenas existir em nós a música, isto é, a vida e o desejo de conquistar a liberdade.

Para Noémia, em “Suplica”, nenhum poder é suficientemente forte para nos derrubar enquanto a vida e a esperança coexistirem. Mas o que este poema tem a ver com o nosso presente? Na próxima intervenção, partindo da leitura do poema de Armando Guebuza, esperamos responder à pergunta.
 

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